Tome conta da sua vida
Durante longos anos de minha provecta existência, me acostumei a observar o comportamento das pessoas do alto de minha varanda. Sempre tirei minhas próprias conclusões sobre o que via; porém, nunca tive a petulância de me intrometer na vida alheia, como vejo acontecer hoje com muita freqüência.
Se fico sob o sol, logo aparece um cretino qualquer para me “alertar” sobre os perigos do câncer de pele – e ainda me recomenda o uso de algum repelente protetor solar de fator não sei-das-quantas, com aquele ar ridículo de leigo que se acha entendido no assunto.
O mesmo acontece quando coloco açúcar no meu café. Infalivelmente, aparece um imbecil qualquer para me falar sobre diabetes, ou para dizer que açúcar engorda. Geralmente são pessoas obesas, que logo se põe a falar de intragáveis adoçantes artificiais, ou de alternativas “saudáveis” como: açúcar mascavo, estévia, sacarina ou qualquer outra panacéia, cujo efeito serve apenas para tirar o prazer de se tomar um bom café.
Alguns ficam espantados, e me olham de cara feia quando respondo que adoçante engorda. Basta notar que apenas pessoas obesas consomem essa horrível substância. Os adeptos de adoçantes exóticos alternativos costumam ficar chocados quando digo que dispenso rapadura ralada para estragar o sabor do meu café.
O mesmo acontece quando me vêem passar uma boa manteiga da roça em um pedaço de pão. Parece ser o sinal ensaiado para o primeiro mentecapto presente iniciar um discurso infame sobre colesterol e entupimento de artérias, e começar a elogiar as “maravilhas” de uma substância rançosa chamada de margarina, que nem os vermes comem se deixada ao relento por vários dias. Minhas artérias vão muito bem, obrigado. Porém, o mesmo não acontece com as pessoas que me dão tais “conselhos” – que aliás, dispenso de antemão.
Carne vermelha? Tem sempre um naturopata vegetariano, capaz de beber a própria urina (que eles chamam de Terapia Real) disposto a estragar minha refeição com uma conversinha tão insossa quanto uma pizza de tofú com rabanetes.... Ainda temos, os vigilantes do consumo de sal, de uma boa pinguinha e de gordura trans..
Agora, o maior refinamento para o deleite dos patrulheiros da vida alheia é implicar com aqueles, que como eu, apreciam pitar um cigarrinho.
Reparei que mesmo variando o tema, o discurso pseudo-científico-moralista é sempre o mesmo. Trata-se da velha ladainha repetida incansavelmente pela TV e pela mídia – que é como se chama atualmente algo que conheci como Imprensa. Só que a imprensa informava, e a tal da mídia pretende formar opinião – Formar opinião significa o mesmo que amestrar as pessoas para terem um pensamento único.
Segundo dizia Sartre: “Quando todos pensam igual, é sinal de que ninguém está pensando.”
Espantosamente, tomar conta da vida alheia virou hoje uma espécie de virtude, assim como a hipocondria e a falta de caráter e de opinião Própria. Hoje basta acompanhar o rebanho, para agir e pensar como determina a mídia.
Sou de um tempo onde as pessoas intrometidas eram desprezadas, e onde o pior de todas as atitudes era pretender tomar conta da vida alheia.
Hoje, os hipocondríacos e os dedos-duros estão na moda – graças aos políticos e a tal de mídia.
Não me espantaria nada se pretendessem transformar o delator Joaquim Silvério dos Reis em “herói nacional” no lugar de Tiradentes.
Acho que estou ficando velho...