Marina
Talvez tenha até pintado os lábios...de vermelho, encarnado, carmim...Nem importa o nome, talvez fosse Marina, como na música que não deixava de lembrar... Não precisava. Já era bonita com o que Deus lhe deu...Bonita e triste... Marina, que seja este seu nome, era linda quando encontrou seu príncipe...casou-se em poucos meses, decepcionou o pai, fez sonhar a mãe e enciumou suas primas e irmãs mais velhas que não tinham ninguém... Era linda, mas a menos saliente de todas as donzelas da família. Recatada, tímida, silenciosa...Ele um próspero comerciante, ainda novo, dono de duas lojas no centro da pequena cidade. Vendia presentes no varejo e sonhos no atacado das moças que o queriam...Um belo pretendido... Talvez o recato de Marina e o fato de não se mostrar disponível é que tenham despertado o interesse de Levindo. Moças oferecidas, umas sonhando com sua aparente virilidade e juventude, outras com a segurança de um homem estabelecido, havia à vontade. Podia escolher...a dedo! Levindo estava apaixonado – pelo menos foi o que disse aos pais dela. Tiveram uma lua de mel padronizada, como era comum naquela cidade. Um bom hotel em Caxambu, passeios de mãos dadas, fotos nas charretes e à noite, amor. Amor com dia e hora certos, posto que antes de casarem-se nada mais do que beijos e abraços comprovaram a paixão dele e a tolerância dela. Ele foi gentil. Tinha experiência. Deixou-a à vontade na camisola sensual escolhida pela mãe. Vermelha. A velha achava vermelho o máximo da ousadia. Com rendas. Mal viu o corpo de Marina na primeira noite. Poucos raios de luz pelas frestas da janela mostraram o corpo com a camisola pela metade, pelas ancas...Ela não viu nada. Sentiu, é claro, o desejo e a intenção de Levindo. Assustou-se. A mãe tinha explicado...as primas descrito, as irmãs brincado...Ninguem entendia nada daquilo, pelo visto... Entre beijos e abraços e desajeitadamente cedeu. Em pouco tempo perdeu sua virgindade. Doeu-lhe mais a vergonha do que o ventre. Após as duas semanas de lua de mel em Caxambu, o sexo já não mais a incomodava. Fazia parte do casamento, como os solavancos dos passeios de charrete. Levindo procurava agradá-la. Dava-lhe carinho, amor, atenção e em troca queria possui-la, como é normal para as pessoas que dormem juntas. Ela deixava. Nem desgostava mais. Nem fingia. Ele também nem perguntava...beijos selavam a noite antes do banho e do sono, ela em sua camisola vermelha e ele de pijamas engomados. “Boa noite, amor...” Acabou a lua de mel...Levindo trabalhava e Marina cuidava da casa. E lia...e escutava suas novelas no rádio de pilha...e respondia corada às irmãs e primas sobre o sexo...todas achavam que devia ser uma maravilha...Marina dizia que era, sem entrar nos detalhes que as outras queriam saber... Quando podia, Marina ia até a loja onde Levindo ficava...mais de uma vez, viu outras moçoilas cercando-o...nada que comprometesse o casamento...só não entendia o que queriam aquelas moças bonitas com um senhor casado...Casar? Não podiam... Um dia passou-lhe pela cabeça que podiam querer sexo...por isso pintavam o rosto, pensou...os lábios, os olhos...Não entendia. Pra que? Se não iam casar...Claro que achava bonito aqueles lábios encarnados...ela mesma usava um batom às vezes, inocente, e ele gostava. Não um espalhafato como aquelas garotas, mas pintava... Comprou um batom carmim...escuro. Desejo era o nome. Ia experimentar. Pintou-se, Marina, que nem precisava. Queria ver o que os lábios encarnados despertavam no seu Levindo...Esperou-o vestida de esposa, mas com os lábios fartos de batom vermelho. Foi ao portão envergonhada, pintada, como se estivesse fazendo algo errado...foi e voltou diversas vezes, até o batom borrar...retocou, pintou, engrossou os lábios...e Levindo não chegava. O bonde parava na esquina e ele não descia...ela voltava para dentro, retocava, pintava e tornava a esperar. Era cedo. Nem sinal de anoitecer. Ela é que estava ansiosa. Ele estava no horário de sempre... Alguem passou em frente ao portão...sentiu-se olhada. Ela não, os lábios encarnados. Alguem voltou, antes de Levindo chegar, e sorriu-lhe. Sentiu queimar os lábios pintados. Não sorriu de volta. Tinha-se pintado para o esposo...e só para ver o que podia acontecer...Mas alguém voltou...olhou mais ainda para o batom, sem dizer nada. O sorriso dizia. Levindo chegou. Não sorriu ao ver o batom, grosso nos lábios depois de tantas camadas... - Não gostou, amor? - Por que isso? - Não sabia se gostava... - Parece mulher de rua... - Das que vão na tua loja? - Das que não querem casar... Marina – que seja esse seu nome – limpou o batom numa toalha. Olhou-se no espelho. Não viu o próprio sorriso. Quando pintasse denovo, pensou, também não ia querer casar... Serviu o jantar...buscou os chinelos...lavou a louça...o rosto já tinha lavado. Faltava a alma. Serviu seu marido, à meia luz e sem batom. A camisola era rosa. Era pura, das que queriam casar... Alguem sorriu novamente quando Marina apareceu pintada no portão, no dia seguinte. Com cara de mulher-de-rua, das que não querem casar. Alguem não perguntou por que isso...sorriu apenas. E voltou. Todos os dias à mesma hora. Marina não casou mais...agora era bonita com o que Deus lhe deu, e tirava o batom antes do seu Levindo chegar... |
Dante Marcucci |
Publicado no Recanto das Letras em 01/02/2011 Código do texto: T2764789 Colaboração: Pepe |