sábado, 24 de setembro de 2011

Você nasceu em Cruzília?

NA ENCRUZILHADA DO DESENVOLVIMENTO

                                                *José Celestino Teixeira

                        Se analisarmos estatisticamente dados demográficos da cidade de Caxambu no período dos anos 60  a 90 é possível constatar que 70% dos caxambuenses  foram  registrados como nascidos em Cruzília e, não em Caxambu-MG. Isso, em especial aos nascimentos ocorridos na classe média e naquelas mais ricas. Explicar estas razões é obviamente admitir  como  excelente a qualidade dos serviços de saúde que foram sempre prestados à população local e regional à época, pelo Hospital Dr. Candido Junqueira , de Cruzília.
                  Não que, em Caxambu não houvessem médicos gabaritados para realizarem partos e ao atendimento das  gestantes. Mas, reconheça-se que Cruzília tinha em seu hospital melhores condições de realização de partos casarios. Os partos naturais de crianças caxambuenses, em especial nascidas em lares menos favorecidos eram acompanhados por parteiras, quando não atendidos no Hospitalzinho Infantil  da Casa Virgo Potens. Conta-se que no Centro Espírita a esposa do velho Dr.Viotti (mãe de Sérgio Magalhães Viotti), mantinha um serviço de atendimento aos mais necessitados e que era supervisionado por seu abnegado esposo. Fora estes casos, muitos caxabuenses na realidade são mesmo Cruzilienses.
                          A Velha encruzilhada, antes Distrito da vestuta Baependi é lendária. Conta a história que Tropeiros da Região das Vertentes (à época Oeste de Minas) vindos principalmente de São João Del Rei, Prados, Dores do Campo, Rezende Costa e Tiradentes (São José da Serra) com seus cargueiros de mulas carregados de mercadorias desde selas, arreamentos, laços e tralhas animália, além de tecidos, colchas de retalhos, panos d’algodão, lãs de carneiros fiadas e tecidas, riscados, redes, tudo tecido em velhos teares caseiros que por aqui já existiam e com os quais faziam  suas mercâncias.
Viajavam dias ao lombo dos burros e mulas (os chamados Navios de Minas – Tropas de Muares) , quando não, sobre o dorso de algumas montarias da raça campolina (Entre Rios de Minas). O Jumento Pega criado em Lagoa Dourada pela família Resende, era a força motriz dos tropeiros além de raçador de  qualidade invejável.   Aqui se barganhavam mercadorias ou compravam animais mais confortáveis da raça mangalarga, aqueles que o Barão de Alfenas foi precursor da criação.
Abalou o País das Gerais, um incidente ocorrido nas terras do Barão que ficou registrado na história como sendo a Revolta dos Escravos da Fazenda Bela Cruz. Os negros amotinados assassinaram cruelmente  membros da família do Barão de Alfenas. Ele, Líder Político por Minas, que havia vencido o candidato da preferência de Dom Pedro, elegendo-se deputado constituinte, não perdoou. Caçou e levou os negros amotinados a julgamento ocorrido na cidade de São João Del Rei. Fato verídico registrado na História Forense de Minas, que culminou inclusive com o enforcamento de alguns dos rebelados. Talez último enforcamento visto no Morro da forca em SJDR.
  As grandes fazendas do Favacho, Bela Cruz, Campo Alegre e Traítuba marcaram a história do desenvolvimento agropastoril da região dessa  nossa Encruzilhada.

Nessa época, o fumo de Baêpendi, já era decantado na Corte.
A cachaça, o melado e o queijo eram iguarias de Minas, indispensáveis na Capital Imperial, cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Daí, talvez a crença do povo cruziliense ao Mártir do Catolicismo, sacrificado  e amarrado ao pé de um cafezal.
A Igreja Matriz de Baependi é obra prima da pujança agrária e pastoril da região. Nela o visitante pode observar símbolos maçônicos e judaicos que se revezam no enriquecimento do seu patrimônio cultural e artístico. Uma fotografia viva do passado de glorias da antiga Comarca do Rio Verde, cuja sede era Baependi. Lugar, aonde Nhá Chica vinda de São João Del Rei aportou para fazer caridade, sem nunca negar sua preferência política em favor do Império. A nobre senhora, embora humilde não escondia sua preferência ao Regime Monárquico, em detrimento à aventura Republicana que se alardeava. Isso, apesar, de ser nascida na terra da liberdade, Região do Rio das Mortes. Berço do Alferes Tiradentes.
                          Quase sempre quando os tropeiros chegavam à Velha Encruzilhada separavam-se ou dividiam-se os cargueiros: uns iam para Baependi (quase ali) e, outros mais aventureiros embrenhavam Sertão a dentro para alcançar, não muito longe, também, a hospitaleira Aiuruoca (a Morada do Papagaio). Aqui, como ali, o queijo de meia cura fabricado em São João Del Rei era trocado pelo Parmesão dos contrafortes da Mantiqueira.
                         Se Baependi foi centro comercial de muita agitação política, Aiuruoca era afamada por suas belezas naturais e por seu encanto de cidade incrustada nos contrafortes da Serra. Lá se ouviam modinhas à luz do luar, enquanto alguns turcos (que na verdade eram árabes: Sírios e Libaneses) assavam carne de carneiro e serviam-se de ótima aguardente.
                            Havia naquela época a opção, também, de ir para São Tomé das Letras, onde no Tempo da Chibata podiam-se adquirir ótimos escravos vindos de todas as partes da África. Negros chegados ao Porto do Rio de Janeiro e campeados via Caminho Antigo passando lá pela Garganta do Embaú,  nas cercanias de Passa Quatro,  Picú e Pouso Alto

                            Aqui os acidentes geográficos mapeavam os caminhos: para Aiuruoca seguia-se em direção ao majestoso Pico do Papagaio, para Baependi a Serra da Careta ou do Chapéu. Enquanto mais adiante, o Morro Caxambu (tambor africano) desfiava a aventura de se deparar com fontes de águas santas e miraculosas, com poderes curativos já provados e comprovados. Era tudo um brejão que só os mais corajosos ousavam desafiar, pois, corria-se risco de se deparar frente a índios ou negros quilombolas que assaltavam os viajantes incautos. 
                           Depois veio o Trem apitando estrada à fora (Estrada de Ferro Oeste de Minas – 1887, prolongamento da estrada pelo ramal do Sertão), seguindo caminhos antigos de antigas picadas dos tropeiros. Ora acompanhando um rio,  ora um córrego, de vez enquanto subindo montanhas e descendo vales e gargantas profundas. Foi o tempo das movimentadas estações, aonde gente chegava e partia no burburinho de vozes, abraços apertados, despedidas e reencontros.
                         No coreto da pracinha tinha banda e nos  festejos de São Sebastião e nascimento de Cristo, folias e congadas.
                        Era a vida que chegava e partia no Trem. No ar ficavam fumaça e saudade de tudo que um dia com certeza podia voltar. E voltava sempre, vindo de Trem de algum lugar.
                         A chegada do Trem de Ferro trouxe progresso e desenvolvimento para toda região, surgindo o Ramal do Pau d’água e as estações de São Vicente de Minas, Minduri, Cruzília, Baepêndi, São Tomé das Letras,  Soledade de Minas (e Freitas), Conceição do Rio Verde, indo até Três corações (grande centro de embarque e desembarque de gado e boiadas).
                         Pois bem, era isso tudo e mais alguma coisa que ficou na saudade.
                         Se tudo foi passado, hoje é  presente e a velha Encruzilhada da comarca do rio Verde tornou-se cidade pujante, com instalação de um pólo moveleiro que vem impulsionando sua natural vocação comercial.
                        Com fabricação de móveis de todos os tipos, estilos e modelos, de carrocerias de caminhões e caminhonetas  e tantas outras peças de um mobiliário novo, mas  com cara de antigo.
    Em Cruzília a Votorantim/Celulose veio plantar o eucalipto.     Primeiro com a aquisição direta das terras, depois de forma consorciada através do arrendamento e parceria com os proprietários. Hoje, grandes extensões vão de Cruzília a Luminárias e avançam por Carrancas, São Vicente de Minas e outros municípios circunvizinhos num desafio constante à natureza do lugar com o plantio de verdadeiras florestas adensadas e homogenias.
     Dizem que floresta de eucalipto é terra de solidão. Nenhum pássaro faz seu ninho, nenhum animal campeia. Riscos, talvez. A menos que se trouxessem para cá ursos pandas ou coalas. Mas isto é outra história.
    Monocultura a parte, a indústria madeireira vem transformando a cidade e a região de forma acelerada.
                            Com a exploração de Pedras São Tomé (momentaneamente em crise), o comércio de eqüinos (da Raça Mangalarga e Mangalarga Marchador) via grandes leilões, o plantio do eucalipto impulsionado pelo capital da Votorantim/Celulose, aliado ao surgimento de um novo Pólo Moveleiro, a cidade de Cruzília respira ares de desenvolvimento jamais imaginados.
                           A cada dia desponta um novo negócio, uma nova loja, um novo supermercado, um novo restaurante e o povo humilde do lugar vai se acostumando com a movimentação de veículos (carros e motos, caminhões e tratores)  que se intensifica embalando sonhos de consumo e desejo.
É o progresso que chega.
É a verdadeira  Encruzilhada do Progresso.
Podendo-se afirmar, sem sombra de duvidas, que Cruzília é hoje, o Município que mais cresce e desenvolve na Microrregião do Circuito das Águas desafiando a própria terra/mãe Baependi e, também a  morosa Caxambu que vive absorta na esperança eterna da reabertura dos Jogos de Cassinos.


                                      * O articulista é advogado e Jornalista.