Arrependimento posterior
Devolução de valor não afasta ocorrência de crime
O
intuito reparador não se confunde com os institutos da “desistência
voluntária e arrependimento eficaz”, para os quais se exige desistência
de prosseguir na execução do crime, evitando a consumação do delito ou
impedindo seu resultado. A conclusão é da 5ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça, que manteve a condenação e a perda do cargo público de uma
servidora que alterou a folha de pagamento para receber vencimento
maior.
Acompanhando o voto do relator, ministro Marco Aurélio
Bellizze, a Turma entedeu que a devolução do valor ao erário não afasta a
tipicidade do delito, porque só se deu após a efetiva consumação do
crime e depois de recebida a denúncia. Bellizze observou que não ficou
sequer configurada a causa especial de redução da pena denominada
“arrependimento posterior”, porque o benefício é cabível apenas àquele
que tiver reparado o dano antes do recebimento da denúncia ou queixa, o
que não se verifica no caso.
De acordo com os autos, na época dos
fatos, a servidora atuava na Secretaria Municipal de Cultura do Rio de
Janeiro. A denúncia narra que, no exercício de suas funções,
utilizando-se de sua senha pessoal, durante quatro meses no ano de 2002,
ela alterou irregularmente disquete que continha informações do
pagamento de encargos especiais. Posteriormente, encaminhou-o para
pagamento. A alteração aumentou de R$ 600 para R$ 2 mil o valor a que a
servidora faria jus.
O Ministério Público denunciou a servidora
por peculato (artigo 312 do Código Penal), mas o juiz adequou a conduta
ao crime previsto no artigo 313-A do CP (inserção de dados falsos em
sistema de informações para obter vantagem). Ela acabou condenada a três
anos de reclusão em regime aberto. A pena foi substituída por duas
restritivas de direito.
Ao julgar a apelação, o Tribunal da
Justiça do Rio de Janeiro manteve a condenação e acolheu o pedido do MP
para decretar também a pena de perda do cargo público. A defesa da
servidora recorreu ao STJ. Alegou cerceamento de defesa por ter sido
condenada por tipo penal diferente do constante da denúncia. Disse,
ainda, que a devolução do valor ao erário afastaria a existência do
delito e que a pena de perda do cargo seria desproporcional.
Bellizze
afirmou que a denúncia narra com riqueza de detalhes os fatos
ocorridos, o que permitiu à servidora, ao longo de toda a instrução,
exercer amplamente sua defesa. O que ocorreu apenas, esclareceu o
ministro, foi a mudança de capitulação das condutas pelo juiz de
primeiro grau.
Quanto à perda do cargo, o ministro não constatou
ilegalidade ou desproporcionalidade na pena aplicada pelo TJ-RJ. Para
ele, os requisitos previstos em lei foram preenchidos. Da mesma forma, o
ministro esclareceu que a substituição da pena privativa de liberdade
por outras restritivas de direitos não impede o reconhecimento do efeito
específico da pena, isto é, a imposição da perda do cargo. O requisito,
neste caso, é tão somente a quantidade de pena imposta. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
HC 110.504
Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2012