segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Contribuições ao debate sobre educação, professores e greves

Em resposta ao texto intitulado "Greves e mais Greves", de autoria do senhor José Celestino Teixeira Teixeira, gostaria de lhes apresentar um artigo escrito por mim no último mês de maio. Diante dessa conjuntura de mobilizações sociais de servidores públicos, que com suas ações de massas buscam transformar uma realidade específica, cabe-nos neste momento debatermos coletivamente o papel das greves e das lutas dos trabalhadores no Brasil e no mundo. Espanhóis, portugueses, gregos, sírios, entre outros, tem demonstrado toda a pujança e força daqueles que desejam um futuro diferente.
O seguinte artigo, "A luta dos professores não é apenas um direito, mas um dever social", foi elaborado em meados de maio. Sua análise se situa sobre os professores do ensino básico da rede pública. Apesar de estarem em uma situação "um pouco menos pior", a realidade dos professores universitários nos últimos anos apresentam elementos que apontam a precarização e a intensificação de seu trabalho, aliado a desvalorização de seus proventos frente a uma política de arrocho salarial. Contudo, acredito que a leitura desse texto possa contribuir para a nossa reflexão.

A luta dos professores não é apenas um direito, mas um dever social

Cássio Diniz[1]

           Já se tornou parte do senso comum o discurso da necessidade de se melhorar a qualidade da educação em nosso país: “mais investimento na educação”, “educação como redentora da sociedade”, “levar a educação a sério no Brasil”, etc. Muitos destes discursos soam até repetitivos e em várias ocasiões freqüentam as falas, tanto de acadêmicos como de políticos e até de empresários. Em outras palavras, construiu-se o consenso sobre o tema.
            No entanto, ao debatermos a educação, não podemos nos limitar ao senso comum. Precisamos refletir sob diversas óticas e elencar alguns fatores importantes. Nesse caso específico, gostaria de me ater em um dos principais personagens existentes no fenômeno educacional, e que muitas vezes sua opinião é excluída e, seu papel, secundarizado e condenado: o professor.
            O docente – enquanto trabalhador – é um ser como qualquer outro; tem as mesmas necessidades que demais outros trabalhadores. Precisa prover a sua existência física e material por meio da execução de seu trabalho profissional, inserindo-se nas relações sociais de produção. No entanto, sua especificidade vem do papel social que ele cumpre ao exercer seu ofício.
            Sem entrar no mérito da discussão sobre o papel da educação na sociedade capitalista (que daria outro artigo também polêmico), o professor é o principal pensador, idealizador, planejador e executor daquilo que podemos chamar de educação formal. Sua inexistência seria impossível, mesmo com o avanço das tecnologias de informação que “independem” do trabalho vivo. Contudo, mesmo com essa constatação, o seu papel tem sido diminuído no discurso ideológico hegemônico em nossa sociedade. Desvalorizá-lo tornou-se normal.
            O capitalismo precisa formar sua força-de-trabalho – como diria Apple, homens parcelares –, por meio da atuação do poder estatal. No entanto, em meio a crise estrutural do modo de produção capitalista, o fundo público (o conjunto dos impostos que pagamos) é disputado pela iniciativa privada, e muito dos investimentos antes destinados às áreas sociais como saúde e educação, são re-locados para outras frentes, como o pagamento de juros à investidores e pacotes bilionários de ajuda à empresas e bancos privados. Essa inversão de valores faz com que a própria Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases não sejam respeitadas, como exemplo, na recusa de destinar 10% do PIB nacional para investimentos na educação. Uma contradição do próprio sistema.
            Dentro desse contexto, quem mais sofre diretamente – junto com os alunos – são os professores e demais trabalhadores em educação. A queda do poder de compra de seus salários (achatamento e desvalorização salarial) caminha lado a lado com a precarização de seu trabalho e o sucateamento das escolas, que muitas vezes são camufladas com laboratórios de informática e livros didáticos de conteúdos duvidosos. Com essa realidade, qual ser humano se sente estimulado a exercer seu trabalho com o máximo empenho e qualidade?
            A luta em defesa de um salário digno se encontra nesse contexto. Lutar por melhores salários e condições de trabalho se insere na luta por uma educação de qualidade e em defesa da escola pública; é lutar, inclusive, pelos alunos. É pressionar para que o fundo público seja destinado para os interesses públicos, como a educação. Bandeiras importantes para quem deseja a construção de uma sociedade justa e igualitária, edificada na democracia e na participação popular. A greve se torna um instrumento legítimo dos trabalhadores diante da intransigência do poder.
            A Lei Federal 11.738/08, mesmo que limitada, permitiu estabelecer a nível nacional um piso salarial para os docentes. Mesmo com valores abaixo do ideal, ela é desrespeitada oportunamente pelo poder público das mais diferentes esferas e regiões. Os mesmos que hoje camuflam e distorcem informações[2], com o único objetivo de não cumprir a lei e atender os interesses de uma pequena elite social.
            A ação dos professores, dos trabalhadores em educação e do conjunto da sociedade é importante para o avanço das conquistas específicas e gerais. A história não é feita por atuações individuais, mas pela ação coletiva, em conjunto com todos aqueles que compartilham dos mesmos anseios e sonhos. São as massas que fazem a roda da história girar. Não participar dessas ações é se submeter à opressão e contribuir com aqueles que ganham com a nossa exploração. Em momentos de crise é preciso se localizar, decidindo se está ao lado dos companheiros ou dos opressores.
            A Constituição Federal, em seu artigo 9º, e a Lei nº 7.783/89 asseguram o direito de greve a todo trabalhador, sendo da esfera pública ou privada, competindo-lhe a oportunidade de exercê-lo sobre os interesses que devam por meio dele defender. Qualquer ação que impeça esse direito legítimo estará indo contra a legislação máxima existente no país. Em outras palavras, estará cometendo um crime.
            No entanto, a atual luta deve se refletir na organização dos professores e trabalhadores em educação. Não podemos nos iludir que a conquista de um reajuste salarial ou cumprimento de determinada lei irá resolver todos os problemas que existem em nossa categoria. Por isso a mobilização que se desenvolve deve permitir a construção de uma entidade representativa – um sindicato ou seção sindical – que possibilite se transformar em um verdadeiro instrumento permanente em defesa dos direitos e interesses dos docentes. A organização permanente é fundamental e um direito constitucional.
            Para terminar, gostaria de citar uma importante fala de Paulo Freire, cuja história se insere no contexto de nossa conversa: "A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas é algo que dela faz parte." (Pedagogia da Autonomia, p. 74). Usemos dessas palavras tão esclarecedoras e inspiradoras, e levemos em consideração que em todos os momentos, a prática é o critério da verdade.


[1] Cássio Diniz é professor da rede estadual de Minas Gerais,  mestrando em educação pela Universidade Nove de Julho/SP, professor-convidado na Universidade Salesiana de Lins, e ex-coordenador do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação/MG subsede de Caxambu. E-mail: cassiodiniz@hotmail.com
[2] Para que isso não se efetive, sugiro consultarem na íntegra a Lei Federal 11.738/08 (lei do Piso) e a decisão do Supremo Tribunal Federal publicado no Diário da Justiça em 24/08/2011.