Contribuições ao debate sobre educação, professores e greves
Em resposta ao texto intitulado "Greves e mais Greves", de autoria do senhor José Celestino Teixeira Teixeira,
gostaria de lhes apresentar um artigo escrito por mim no último mês de
maio. Diante dessa conjuntura de mobilizações sociais de servidores
públicos, que com suas ações de massas buscam transformar uma realidade
específica, cabe-nos neste momento debatermos coletivamente o papel das
greves e das lutas dos trabalhadores no Brasil e no mundo. Espanhóis,
portugueses, gregos, sírios, entre outros, tem demonstrado toda
a pujança e força daqueles que desejam um futuro diferente.
O
seguinte artigo, "A luta dos professores não é apenas um direito, mas
um dever social", foi elaborado em meados de maio. Sua análise se situa
sobre os professores do ensino básico da rede pública. Apesar de estarem
em uma situação "um pouco menos pior", a realidade dos professores
universitários nos últimos anos apresentam elementos que apontam a
precarização e a intensificação de seu trabalho, aliado a desvalorização
de seus proventos frente a uma política de arrocho salarial. Contudo,
acredito que a leitura desse texto possa contribuir para a nossa
reflexão.
A luta dos professores não é apenas um direito, mas um dever social
Cássio Diniz[1]
Já se tornou parte do
senso comum o discurso da necessidade de se melhorar a qualidade da educação em
nosso país: “mais investimento na
educação”, “educação como redentora
da sociedade”, “levar a educação a
sério no Brasil”, etc. Muitos destes discursos soam até repetitivos e em
várias ocasiões freqüentam as falas, tanto de acadêmicos como de políticos e
até de empresários. Em outras palavras, construiu-se o consenso sobre o tema.
No entanto, ao debatermos a educação, não podemos nos
limitar ao senso comum. Precisamos refletir sob diversas óticas e elencar alguns
fatores importantes. Nesse caso específico, gostaria de me ater em um dos
principais personagens existentes no fenômeno educacional, e que muitas vezes
sua opinião é excluída e, seu papel, secundarizado e condenado: o professor.
O docente – enquanto trabalhador – é
um ser como qualquer outro; tem as mesmas necessidades que demais outros
trabalhadores. Precisa prover a sua existência física e material por meio da
execução de seu trabalho profissional, inserindo-se nas relações sociais de
produção. No entanto, sua especificidade vem do papel social que ele cumpre ao
exercer seu ofício.
Sem entrar no mérito da discussão
sobre o papel da educação na sociedade capitalista (que daria outro artigo
também polêmico), o professor é o principal pensador, idealizador, planejador e
executor daquilo que podemos chamar de educação formal. Sua inexistência seria
impossível, mesmo com o avanço das tecnologias de informação que “independem” do
trabalho vivo. Contudo, mesmo com essa constatação, o seu papel tem sido
diminuído no discurso ideológico hegemônico em nossa sociedade. Desvalorizá-lo
tornou-se normal.
O capitalismo precisa formar sua
força-de-trabalho – como diria Apple, homens parcelares –, por meio da atuação
do poder estatal. No entanto, em meio a crise estrutural do modo de produção
capitalista, o fundo público (o conjunto dos impostos que pagamos) é disputado
pela iniciativa privada, e muito dos investimentos antes destinados às áreas
sociais como saúde e educação, são re-locados para outras frentes, como o
pagamento de juros à investidores e pacotes bilionários de ajuda à empresas e
bancos privados. Essa inversão de valores faz com que a própria Constituição
Federal e a Lei de Diretrizes e Bases não sejam respeitadas, como exemplo, na
recusa de destinar 10% do PIB nacional para investimentos na educação. Uma
contradição do próprio sistema.
Dentro desse contexto, quem mais sofre
diretamente – junto com os alunos – são os professores e demais trabalhadores
em educação. A queda do poder de compra de seus salários (achatamento e
desvalorização salarial) caminha lado a lado com a precarização de seu trabalho
e o sucateamento das escolas, que muitas vezes são camufladas com laboratórios
de informática e livros didáticos de conteúdos duvidosos. Com essa realidade,
qual ser humano se sente estimulado a exercer seu trabalho com o máximo empenho
e qualidade?
A luta em defesa de um salário digno
se encontra nesse contexto. Lutar por melhores salários e condições de trabalho
se insere na luta por uma educação de qualidade e em defesa da escola pública;
é lutar, inclusive, pelos alunos. É pressionar para que o fundo público seja
destinado para os interesses públicos, como a educação. Bandeiras importantes
para quem deseja a construção de uma sociedade justa e igualitária, edificada
na democracia e na participação popular. A greve se torna um instrumento
legítimo dos trabalhadores diante da intransigência do poder.
A Lei Federal 11.738/08, mesmo que
limitada, permitiu estabelecer a nível nacional um piso salarial para os
docentes. Mesmo com valores abaixo do ideal, ela é desrespeitada oportunamente
pelo poder público das mais diferentes esferas e regiões. Os mesmos que hoje
camuflam e distorcem informações[2],
com o único objetivo de não cumprir a lei e atender os interesses de uma
pequena elite social.
A ação dos professores, dos
trabalhadores em educação e do conjunto da sociedade é importante para o avanço
das conquistas específicas e gerais. A história não é feita por atuações
individuais, mas pela ação coletiva, em conjunto com todos aqueles que
compartilham dos mesmos anseios e sonhos. São as massas que fazem a roda da
história girar. Não participar dessas ações é se submeter à opressão e
contribuir com aqueles que ganham com a nossa exploração. Em momentos de crise
é preciso se localizar, decidindo se está ao lado dos companheiros ou dos
opressores.
A Constituição Federal, em seu artigo 9º, e a Lei nº 7.783/89 asseguram o
direito de greve a todo trabalhador, sendo da esfera pública ou privada,
competindo-lhe a oportunidade de exercê-lo sobre os interesses que devam por
meio dele defender. Qualquer ação que impeça esse direito legítimo estará indo
contra a legislação máxima existente no país. Em outras palavras, estará
cometendo um crime.
No entanto, a atual
luta deve se refletir na organização dos professores e trabalhadores em
educação. Não podemos nos iludir que a conquista de um reajuste salarial ou
cumprimento de determinada lei irá resolver todos os problemas que existem em
nossa categoria. Por isso a mobilização que se desenvolve deve permitir a
construção de uma entidade representativa – um sindicato ou seção sindical –
que possibilite se transformar em um verdadeiro instrumento permanente em
defesa dos direitos e interesses dos docentes. A organização permanente é
fundamental e um direito constitucional.
Para terminar,
gostaria de citar uma importante fala de Paulo Freire, cuja história se insere
no contexto de nossa conversa: "A
luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser
entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática
ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas é algo que dela faz
parte." (Pedagogia da Autonomia, p. 74). Usemos dessas palavras tão
esclarecedoras e inspiradoras, e levemos em consideração que em todos os
momentos, a prática é o critério da verdade.
[1] Cássio Diniz é professor da
rede estadual de Minas Gerais, mestrando em educação pela
Universidade Nove de Julho/SP, professor-convidado na Universidade Salesiana de Lins, e ex-coordenador do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação/MG subsede de Caxambu. E-mail: cassiodiniz@hotmail.com
[2]
Para que isso não se efetive, sugiro consultarem na íntegra a Lei Federal
11.738/08 (lei do Piso) e a decisão do Supremo Tribunal Federal publicado no
Diário da Justiça em 24/08/2011.