Há oportunidade para melhorar o turismo religioso
Rose Mary Lopes
Colunista do UOL, em São Paulo
12/04/2013
Imagine você o cenário: uma região longínqua, a 200 km de Recife, no interior do agreste pernambucano, semiárida, com rochas e emoldurada por montanhas. E, volte no tempo, para 1956! Faça o exercício de imaginar como deveria ser difícil chegar lá! Ainda mais se fosse do Rio Grande do Sul!
Será que um jovem jornalista teria aceitado o convite de Luiz Mendonça, diretor e ator da cidade Brejo da Madre de Deus? Pois é. Um comerciante chamado Epaminondas Mendonça, imitando o que já se fazia na cidade alemã de Oberammergau, tivera a ideia de iniciar a encenação da vida, morte e ressurreição de Cristo.
De 1951 a 1956, quando o convite foi feito, essa encenação "doméstica" era dirigida pela esposa do comerciante e envolvia parentes, amigos e moradores. No entanto, realizada nas ruas de um vilarejo conhecido como Brejo da Madre de Deus!
Logo, o jovem Plínio Pacheco aceitou e foi. E o cupido também teve o seu papel: Plínio se apaixona pela filha de Mendonça. E a segunda paixão é despertada pela aridez do local, nascendo nele o sonho de replicar ali a Judeia da época de Cristo. Passa, então, a escrever a peça teatral e a cuidar de sua direção.
Desde 1962, sonha com a possibilidade de criar um espaço apropriado para ela. Portanto, em 1968, é realizada a primeira apresentação onde é hoje a cidade-teatro, no distrito de Fazenda Nova.
Luta muito e até receia não terminar sua obra. Mas, teve incentivadores e apoiadores, destacando o governador Nilo Coelho que, como consta, cuidou de levar estrada e luz àquele lugarejo, e apoiando também outras necessidades que o Pacheco lhe apresentou á época.
Grande acerto: quando apoios públicos se juntam ao sonho dos empreendedores projetos fantásticos acontecem!
E de lá para cá, a cidade-teatro, localizada em uma área de 100 mil metros quadrados, tem sido constantemente melhorada para dar maior realismo aos cenários - lembrando a Jerusalém daquele período, bem como as roupas e adereços usados pelos 50 atores principais e os 500 figurantes. Para isso, a equipe técnica é formada por 450 pessoas.
No total, de oito a 10 mil pessoas por noite assistem à peça ao ar livre, se movimentando entre os nove grandes palcos e cenários. Iluminação, som - as vozes dos atores são gravadas e eles dublam durante o espetáculo -, e efeitos foram aperfeiçoados ao longo do tempo. Atores globais passaram a figurar nos papéis principais.
Atualmente há tradução simultânea em outros idiomas, permitindo que turistas estrangeiros acompanhem a encenação. Trata-se do maior espetáculo de teatro ao ar livre do mundo. E, desde 2009, a cidade cenográfica de Nova Jerusalém é considerada Patrimônio Cultural, Material e Imaterial de Pernambuco.
Pacheco era incansável e acompanhava com perseverança todos os detalhes, sempre apoiado por sua esposa Diva. E foi ele também que fundou a Pousada da Paixão, para abrigar os atores não residentes.
Atualmente, os turistas que ficarem hospedados na pousada podem compartilhar o espaço com os atores e ainda têm a chance de participar como figurantes durante a encenação da Paixão de Cristo.
Certamente que a cidade-teatro impactou a região, a qual passou a figurar no cenário nacional. Durante os nove dias da temporada há fluxo de turistas religiosos e de muitos autônomos que aproveitam para vender lembranças ligadas à Paixão de Cristo ou outros artigos como roupas de algodão.
Um público estimado de oito mil pessoas por noite, mas o local é aberto a partir das 16 horas e leva necessidades variadas que são atendidas por outros empreendedores: agência de viagem, transporte, alimentação, hospedagem etc. Na temporada chegam a ser 70 mil pessoas para uma cidade com 46 mil habitantes!
Nova Jerusalém e a Sociedade Teatral de Fazenda Nova são um empreendimento familiar. Robson Pacheco envolveu-se desde cedo. Recebeu o legado dos pais que lhe pediram para continuar com a saga e a Paixão. Já envolveu a terceira geração – seu filho Robson Gulde Pacheco já está devidamente contagiado pela paixão por Nova Jerusalém, de tudo que ela significa.
O amor a esse trabalho e a responsabilidade de se superar a cada ano são valores passados por Pacheco.
E tudo isso se insere no contexto do turismo religioso. Há, no Brasil, segundo o Ministério do Turismo, 344 cidades que oferecem ao turista religioso a oportunidade de avivar a sua prática e fé religiosas. Desses municípios, 117 possuem um calendário fixo de eventos. Com poucas exceções, esses destinos são católicos.
Nem sempre esses eventos são iniciados por um empreendedor como foi o caso de Pacheco e família. A procissão do Fogaréu, na Cidade de Goiás (GO), teve inÍcio em 1745 com um padre espanhol. Em outros, se ligam à imagem de santos, caso de Nossa Senhora Aparecida, ou a cidades onde viveram beatos ou santos – padre Cícero e frei Galvão.
Mas em qualquer desses locais, somente com trabalho empreendedor, organização, perseverança, aliados à motivação de fazer sempre o melhor, exemplo de Pacheco, é que se faz com que esses eventos floresçam e continuem a atrair milhões de turistas por ano.
Cabe aos empreendedores lembrar que essas oportunidades de criar ou mesmo melhorar o turismo religioso também existem.
Fonte: Uol Economia