quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A REGULAÇÃO DOS SISTEMAS DE SANEAMENTO NOS MUNICÍPIOS
artigo de Eduardo Henrique da Cunha




Geralmente, quando se fala na responsabilidade pela organização dos serviços de saneamento básico, principalmente em relação ao abastecimento de água e esgotamento sanitário, pensa-se primeiramente nos municípios ou o Estado, e nos prestadores de serviços, como as empresas públicas ou privadas de saneamento, os departamentos ou superintendências municipais de água (Demae, Sae ou Samae), ou ainda serviços autônomos de água e esgoto (Saae). Já quando se pensa na fiscalização destes serviços ou na defesa dos direitos dos usuários, o que vêm a cabeça da população são os Procons e o Ministério Público.

Porém, existe ainda um outro tipo de entidade que também participa dos processos de organização e fiscalização dos serviços de saneamento básico, as entidades reguladoras. Tais entes têm por obrigação legal, de acordo com a Lei Federal n° 11.445, de 07 de janeiro de 2007, que define as diretrizes nacionais para o saneamento básico, estabelecer padrões e normas para a adequada prestação dos serviços e para a satisfação dos usuários, garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas, prevenir e reprimir o abuso do poder econômico e definir tarifas.

Para a realização destas atividades, as entidades reguladoras devem, segundo a mesma lei, possuir independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e financeira. Tal independência é de fundamental importância para que o regulador possa cumprir suas funções sem ser influenciado pelo poder público ou pelo prestador de serviços. Uma das maneiras de se tentar garantir a independência é na forma de escolha e nomeação dos dirigentes da entidade reguladora, por mandatos, com a indicação destes pelo prefeito ou governador, com a aprovação do Legislativo a mandatos de alguns anos. Com os mandatos, os dirigentes somente podem ser retirados do cargo por corrupção ou improbidade administrativa.

A existência das entidades reguladoras no saneamento básico é tão relevante que a Lei 11.445/2007 determina que uma das condições de validade dos contratos para a prestação dos serviços de água e esgoto é a designação pelo município da entidade reguladora e fiscalizadora. Além disso, a lei também permite que o município possa delegar as atividades de regulação e fiscalização a qualquer entidade reguladora do Estado a qual pertence. Assim, é obrigação das prefeituras criarem suas entidades reguladoras, que não podem ser nenhuma de suas secretarias ou demais órgãos da administração direta, tendo em vista a necessidade da autonomia administrativa, orçamentária e financeira, ou ainda delegarem a outra entidade reguladora de outro município, do Estado ou de consórcios de municípios.

Havia uma dúvida em relação aos municípios que executam diretamente os serviços de abastecimento de água e esgotamento, isto é, que não possuem contrato para tal fim. Como não existe contrato, o fato do município não designar a sua entidade reguladora e fiscalizadora (uma das condições de validade dos contratos) não geraria uma penalização, visto que não se pode invalidar um instrumento que não existe. Porém, tem sido consenso nos diversos fóruns de discussão sobre o tema, de que tal obrigação também envolve estes municípios, uma vez que as tarifas a serem aplicadas, bem como seus rejustes e revisões, devem ser definidos pelas entidades reguladoras. Isto é tão relevante que o estopim da criação da única agência estadual que regula somente serviços de saneamento básico, a Arsae de Minas Gerais, foi uma ação do Ministério Público questionando a validade legal do reajuste definido pela empresa estadual Copasa.

Quando da definição de sua entidade reguladora, uma das possíveis questões a serem analisadas pelos municípios é a viabilidade de se criar uma entidade própria ou delegar o serviço a uma entidade reguladora. A vantagem de se ter uma entidade reguladora do próprio município se deve a maior proximidade desta com a população e com as demandas locais. Porém, tem-se que o custo de uma entidade reguladora municipal é, em média, mais de três vezes superior ao de uma entidade estadual, segundo diagnóstico realizado pela Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar). De acordo com a Abar, com base nos dados de 27 de suas agências associadas, o custo médio da regulação por ligação de água é de R$ 0,64 nas agências municipais, contra R$ 0,17 nas agências estaduais, fato este facilmente explicado pela economia de escala que se tem com a regulação estadual.

Essa constatação explica também o motivo das taxas de regulação e fiscalização, valores repassados pelos prestadores de serviços às entidades reguladoras para custear a regulação, serem maiores para os municípios com regulação municipal (em média 1% do faturamento do prestador de serviços) do que na regulação estadual (em média 0,5%).

Ao se analisar a situação das prefeituras goianas em relação à viabilidade econômica de uma regulação municipal, verifica-se, utilizando dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, que a regulação municipal somente obteria recursos financeiros suficientes para se manter (valores próximos a R$ 0,64 por ligação de água) em somente nos 4 dos 20 maiores municípios do Estado.

Outro fato que também dificulta a regulação municipal se refere aos salários pagos aos reguladores. Como o cargo demanda grande conhecimento técnico, de forma a atuar em nível de igualdade com os técnicos das grandes empresas de saneamento, e também pelo fato de não se ter um curso de formação específico de regulador, um bom profissional em regulação é cada vez mais raro e disputado, fazendo com que o mesmo vá aonde lhe paguem mais. O fato da maioria dos municípios brasileiros não conseguir oferecer salários atrativos a estes profissionais faz com que os reguladores busquem o ingresso nas carreiras dos municípios maiores, dos Estados ou até mesmo da União.

Apesar disso, por mais que seja interessante ter uma regulação com menor impacto nas tarifas, o mais importante é ter a regulação implementada em cada cidade, seja ela municipal, estadual ou consorciada, cabendo aos municípios designarem uma entidade reguladora forte e eficiente, que exerça todas as obrigações legais e contratuais exigidas, de forma a garantir aos usuários o acesso a serviços públicos de qualidade e com tarifas módicas.

Eduardo Henrique da Cunha, engenheiro civil, gestor de Fiscalização, Controle e Regulação, gerente de Saneamento Básico da AGR

Coordenadoria da Bacia do Rio Grande