terça-feira, 6 de maio de 2014

Hino decorado, dentista, cartas extraviadas... a preparação do Brasil para Copas
Lembre como foi a preparação brasileira para outros Mundiais
A seleção brasileira de Luiz Felipe Scolari vai começar a sua preparação para a Copa do Mundo em 26 de maio na Granja Comary, em Teresópolis (RJ). O local, recém reformado pela CBF, é a casa do time nacional desde 1987. O espaço de 150 mil metros quadrados oferece todas as condições e não deixa faltar nada para os convocados para defender a seleção no Mundial. Mas nem sempre foi assim. 

Veja abaixo um resumo de como foi a preparação da seleção brasileira para todas as Copas do Mundo. Os 23 que serão escolhidos na próxima quarta-feira não tem do que reclamar. 


1930 – Rixa Rio-São Paulo

Em 1930 a Copa do Mundo era uma grande novidade e os conhecimentos sobre como deveria ser uma preparação para um torneio desse tamanho eram mínimos. As condições de se chegar ao Uruguai, nosso vizinho, eram precárias. Foram cinco dias de viagem de navio do Rio de Janeiro até Montevidéu e os jogadores fizeram do convés da embarcação o local de treino.

Em reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 11 de julho de 1930, há o relato da chegada dos últimos jogadores do elenco do técnico Píndaro Carvalho à capital uruguaia no dia 10, quatro dias antes da estreia brasileira no torneio, contra a Iugoslávia. O forte inverno em Montevidéu foi apontado como um dos culpados pela derrota por 2 a 1. Não houve tempo para se adaptar àquelas condições.

Fora isso, por conta de uma briga entre as federações carioca e paulista, apenas jogadores de clubes do Rio foram convocados. Araken, paulista que não tinha clube na época, foi o único jogador de São Paulo naquela seleção. Depois de perder para os iugoslavos, o Brasil fez 4 a 0 na Bolívia, mas acabou eliminado.


1934 – Amadores x Profissionais

Quatro anos depois, no Mundial da Itália, a saga brasileira foi ainda mais inglória. Foram 15 dias de viagem de navio até o país europeu. A delegação chegou a Genoa, local da estreia contra a Espanha, a tempo de fazer só um treino antes da partida. Os relatos da época são de que os jogadores não conseguiram manter o peso ideal durante a longa viagem e sem tempo para adquirir a melhor forma, foram presas fáceis dos espanhóis. Naquela Copa o primeiro jogo já era eliminatório. Assim, depois dos 3 a 1 a favor da Espanha, os brasileiros tomaram o caminho de volta.

Como aconteceu em 1930, houve um racha entre paulistas e cariocas. A CBD, sediada no Rio, não aceitava jogadores profissionais. Em São Paulo a maioria dos clubes já adotava a prática de registrar seus atletas. Chegou-se então ao contrassenso de a CBD oferecer quantias em dinheiro para jogadores amadores não se profissionalizarem e jogar pelo Brasil na Copa. Tudo em vão.


1938 – Primeira concentração: Caxambu

Já para a Copa de 1938 o cenário foi bem diferente aos dos dois primeiros mundiais. Antes do embarque para a França, sede daquele torneio, houve pela primeira vez a união entre as federações e todos os melhores jogadores do país estiveram na seleção. Houve um período de treinos duas semanas antes do embarque em Caxambu, interior de Minas Gerais, em que o técnico Ademar Pimenta pôde preparar a equipe.

Na Copa, Leônidas da Silva se tornou o grande nome da seleção e terminou o torneio como artilheiro, com oito gols. O Brasil foi à semifinal depois de vitórias contra Polônia e Checoslováquia. Perdeu para a campeã Itália e na disputa do terceiro lugar venceu a Suécia.


1950 – Oba-oba seguido de tristeza

A Copa do Mundo chegou ao Brasil e a preparação da seleção para o torneio teve um período de 45 dias de concentração em uma estância hidrotermal em Araxá, no triângulo mineiro. O técnico Flávio Costa reuniu 25 jogadores. O atacante Friaça contou em depoimento no livro “Dossiê 50”, do jornalista Geneton Moraes Neto, que Costa proibiu a visita de familiares e que as cartas escritas pelos jogadores para suas esposas não eram entregues.

“Não culpo Flávio Costa de jeito nenhum, porque ele era sozinho”, disse o atacante que morreu em janeiro de 2009 aos 84 anos. Depois do período de preparação, Costa definiu 22 jogadores que seriam inscritos na Copa. Durante o Mundial a equipe ficou concentrada no pacato bairro do Joá, no Rio, na Casa dos Arcos. Porém, antes das partidas do quadrangular final contra Espanha e Uruguai, na final, o time ficou em São Januário, onde todo tipo de distração era possível.


1954 – Viagem de avião e hino decorado

O trauma pela derrota de 1950 estava muito vivo. Campanhas nos meios de comunicação da época acusavam os jogadores brasileiros de falta de brio e patriotismo. Foram quatro anos de muita desconfiança em torno da seleção brasileira, que pela primeira vez disputou eliminatórias para um Mundial. Para mudar essa fama, os jogadores da seleção brasileira foram obrigados a decorar o hino nacional antes de embarcarem para a Suíça. Foi a primeira vez que uma seleção viajou para uma Copa de avião.

O Brasil fez boa campanha na primeira fase, mas nas quartas de final enfrentou a Hungria, sensação daquela Copa. Muito nervoso, o time perdeu por 4 a 2 e a partida terminou em pancadaria. Além de culpar a arbitragem pelo resultado, o diagnóstico dos analistas da época foi de que os brasileiros não tinham estrutura psicológica para suportar a pressão pela perda do Mundial de 1950. 


1958 – Dentista e psicólogo antes do primeiro título

O Brasil viajou para a Suécia depois de um período de treinos em Poços de Caldas (MG). Na concentração um dentista e um psicólogo indicados por Paulo Machado de Carvalho, chefe de delegação, trataram dos dentes e da cabeça dos jogadores. “Tiveram de arrancar os dentes podres de muita gente. Ninguém tinha isso nos clubes, na seleção era novidade também”, se recorda Pepe, que foi reserva naquela Copa.

Ele se recorda de uma história, não confirmada por Nilton Santos, de que o lateral pediu para que Garrincha não visitasse o psicólogo. Havia o receio de que o ponta não passasse nos testes. João Carvalhes, psicólogo que trabalhara no São Paulo dirigido por Paulo Machado de Carvalho, avaliara que Garrincha, Pelé e o goleiro Gylmar não estavam devidamento "equilibrados" para a disputa da Copa. Didi e Nilton Santos, juntamente com o técnico Vicente Feola, discordaram. Para a sorte da seleção. 

O Brasil fez uma parada na Itália antes de ir para a Suécia e enfrentou a Fiorentina em amistoso. Pepe se machucou nesse jogo e Zagallo assumiu seu lugar no time titular. “Até hoje quero pegar aquele italiano que me fez isso. Mas o Zagallo entrou bem. Todos nós estávamos bem preparados para a aquela Copa”, se recorda o segundo maior artilheiro da história do Santos com 405 gols. O Brasil terminou aquela com o seu primeiro título mundial.


1962 – Tudo igual pelo bi

Paulo Machado de Carvalho, muito mais do que o nome oficial do estádio do Pacaembu, teve um papel importante naqueles anos de glória do futebol brasileiro. Ainda como o diretor de futebol da CBD, ele manteve o mesmo planejamento para a seleção, que desta vez sob o comando de Aymoré Moreira, também treinou em Poços de Caldas antes da Copa. No Chile, com a base da Copa de 1958 mantida (à exceção da defesa), o Brasil conseguiu o bi.


1966 – Mudanças, politicagem e fiasco

Bicampeão do mundo, o Brasil teve uma preparação cheia de equívocos antes do Mundial da Inglaterra, em 1966. João Havelange, presidente da CBD, tirou Paulo Machado de Carvalho do comando da seleção e promoveu a volta de Vicente Feola. Para agradar os militares – a ditadura começara dois anos antes – a seleção foi usada para fazer política e agradar líderes locais ligados ao regime. A concentração em Poços de Caldas, sucesso em 1958, foi trocada por uma preparação em cinco cidades diferentes (Lambari, Caxambu, Teresópolis, Três Rios e Niterói). Foram 47 jogadores convocados.

Outra mudança que não deu certo: a troca do preparador físico da seleção. Saiu Paulo Amaral e por indicação de Havelange assumiu o professor de judô Rudolf Hermanny, que nunca tinha trabalhado no futebol. Os exercícios aplicados por Hermanny desgastavam muito os jogadores, que tinham pouco fôlego na partida. O Brasil terminou aquela Copa eliminado na primeira fase com duas derrotas (para Hungria e Portugal) e uma vitória (sobre a Bulgária)


1970 – Adaptação ao México e troca de técnico

O fiasco de 1966 fez a CBD mudar a preparação para a Copa do México e pela primeira vez a seleção passou por um verdadeiro período de aclimatação no país do Mundial. A seleção chegou ao país da Copa em 2 de maio, um mês antes da estreia, e se adaptou bem à altitude de Guadalajara. 

Para o capitão do tri, Carlos Alberto Torres, este foi grande diferencial da seleção naquele ano. O talento do time teve a companhia da boa preparação física para que uma das maiores seleções da história das Copas fosse formada.

"Nós sabíamos que para conseguir algo na Copa de 1970, para fazer uma grande campanha e chegar na final, nós tínhamos que estar muito bem preparados fisicamente. Tecnicamente, nós éramos pródigos", disse o "Capita" para a BBC. "Foi um trabalho muito bem feito e que deu resultado, aliado a um grupo excelente de jogadores. Não adianta preparação física se não tiver técnica".

A preparação nos meses antes da Copa já teve Zagallo como técnico. Ele entrou no lugar de João Saldanha, técnico que comandou o time nas eliminatórias. Saldanha havia sido filiado ao Partido Comunista antes do golpe militar e não agradava o regime. O discurso ufanista de Zagallo, bicampeão como jogador em 1958 e 1962 era mais alinhado e a CBD trocou o comando. 


1974 - Sem Pelé e com retranca

Pelé se despediu da seleção brasileira em 1971. Dos campeões do mundo no México, oito foram para a Alemanha e só dois ainda como titulares: Jairzinho e Rivellino. O atacante, autor de sete gols na campanha do tri, criticou a preparação brasileira para aquela Copa, ainda com Zagallo como técnico.

"Em 1974, nós fomos fazer a preparação com 2°C, 3°C, e tudo isso influiu no nosso organismo  e nós tivemos uma série de sequelas. Contraturas. Eu tive no primeiro jogo contra a Iugoslávia. Eu queria ter jogado mais do que eu joguei em 1970 e não consegui", disse Jairzinho à Terra TV. 

Marinho Chagas, uma das novidades daquele time, também lamentou o excesso de preocupação de Zagallo com o esquema defensivo nos treinos pré-Copa. "Descaracterizou um pouco o jeito da seleção jogar", disse Chagas ao iG. O Brasil ainda chegou à fase final, mas foi eliminado pela Holanda. "O que começou errado, terminou errado", completou. 


1978 - Trocas de técnico e contusões atrapalham

A preparação brasileira para a Copa da Argentina começou com Oswaldo Brandão como técnico nas eliminatórias. Porém, maus resultados e tropeços, motivaram a troca de comando. Assumiu Cláudio Coutinho. 

Com ele o time melhorou, mas contusões de alguns dos principais jogadores atrapalharam a formação do time. Reinaldo, do Atlético-MG, foi para a Copa mas longe das condições ideais. Zico e Roberto Dinamite, idem. A revista Placar, em edição de maio de 1978, elogiou a preparação, apesar das críticas à forma defensiva que Coutinho montou o time. "Tudo o que tinha de ser feito, do mais complicado problema técnico à listagem de material esportivo, foi pensado, planejado, discutido e executado com a seriedade de um plano de guerra", disse a revista. 

O Brasil fez uma boa Copa, mas terminou em terceiro lugar depois de ser eliminada pela Argentina na fase semifinal. Em quadrangular com Argentina, Peru e Polônia, argentinos e brasileiros ficaram no empate e venceram os rivais. Os argentinos ficaram à frente no saldo depois de goleada por 6 a 0 sobre os peruanos. O Brasil havia feito "só" 3 a 0. 


1982 - Amistosos contra potências

Telê assumiu a seleção depois de Cláudio Coutinho deixar o comando em 1979. Montou o time com uma excelente geração que surgia, com Zico, Sócrates, Falcão e Cerezo. E para testá-los, marcou amistosos com seleções fortes. 

"O Telê não gostava de treinar contra times fracos. Ele gostava de jogar com times fortes para ver como os jogadores reagiriam diante desse tipo de adversário", lembra Valdir de Moraes, preparador de goleiros da seleção naquele período. "O nosso maior treinamento era em amistosos como esses. Os próprios jogadores se sentiam muito bem com vitórias como aquelas. Era um sinal de que o trabalho estava dando resultado", diz Cerezo.

Naqueles anos que antecederam o Mundial da Espanha o Brasil enfrentou Inglaterra, França e Alemanha, todas fora de casa. No ano da Copa Telê reuniu os jogadores que atuavam no Brasil para dois meses de treinos na Toca da Raposa, CT do Cruzeiro em Belo Horizonte. A preparação terminou com treinos em Portugal, onde Falcão, da Roma, e Dirceu, do Atlético de Madri, se uniram ao grupo. A preparação foi bem feita, mas não contava com Paolo Rossi, carrasco que tirou o Brasil da derrota após derrota para a Itália.


1986 - CBF sem comando

A preparação para a segunda Copa do México esteve longe da ideal e nem passou perto daquela feita 16 anos antes. A CBF vivia um rebuliço eleitoral após a saída de Giulite Coutinho e o técnico Evaristo Macedo, que assumira no lugar de Telê após 1982, não despertava a confiança de Nabi Abi Chedid, novo presidente da entidade. Em 1985, Telê voltou ao comando da seleção.

Chegando ao México, os campos previamente escolhidos pela CBF para treinamento não estavam prontos. E a seleção ainda não contaria com Renato Gaúcho, uma das esperanças de gols daquele time. 

Boêmio, o atacante costumava fugir da concentração em horários proibidos. Foi pego e Telê o cortou da Copa. Leandro, lateral direito do Flamengo, que também estava na "fuga", saiu também. Sem ambos o Brasil foi para o México e apesar da boa campanha na fase de grupos, caiu para a França nas quartas de final nos pênaltis.


2006 - Weggis e a desconcentração

Entre 1990 e 2002 a Granja Comary foi a casa da seleção brasileira antes do embarque para as Copas. Em 2006, antes da Copa na Alemanha, a seleção e a CBF cometeram uma das maiores falhas em uma preparação de Copa já feitas.

Depois de conquistar a Copa América de 2004 e a Copa das Confederações de 2005, o Brasil chegava para essa Copa como pleno favorito. Contava com Kaká, Ronaldinho e Adriano no ápice de suas formas e Ronaldo, apesar de acima de peso, ainda com faro de gol.

A escolha pela cidade de Weggis, na Suíça, despertou todo tipo de distração. O oba-oba, com treinos abertos e muito assédio de torcedores atrapalhou o time. O circo formado, com direito a cenas de torcedoras invadindo o campo de treinamento para abraçar Ronaldinho e companhia, dava sinais que faltaria algo essencial para uma seleção focada no objetivo de vencer uma Copa. O sonho do hexa terminou nos pés de Thierry Henry nas quartas de final.

Carlos Alberto Parreira, técnico daquele time, reconheceu o erro de avaliação naquela preparação. Coordenador da seleção brasileira de Felipão, Parreira defende mais privacidade antes desta Copa. 


2010 - Dunga fecha tudo 

"Não vou deixar acontecer o que aconteceu em Weggis". Com essa frase, Dunga decretou que a "farra" da concentração brasileira antes da Copa de 2006 não se repetiria antes do Mundial da África do Sul. No Brasil, ao invés da Granja Comary, escolheu o CT do Atlético-PR, um dos mais fechados do país, para iniciar a preparação. E na África, numa luta diária contra a imprensa, manteve a linha dura. A conclusão: houve exagero e a "pilha" do treinador atrapalhou no rendimento do time, mais uma vez eliminado nas quartas de final.