A briga da comunidade da estância mineira São Lourenço com a suíça Nestlé tem novo capítulo. Os moradores acusam a empresa de secar o famoso Parque das Águas do município e o Ministério Público pede que a empresa pague estudo de impactos ambientais
A maior empresa de alimentos do mundo, a suíça Nestlé não vive o melhor de seus dias nas relações com ambientalistas e defensores dos animais. Na Califórnia, uma ação pública, apresentada em fevereiro, alega que a ração Beneful, da divisão Nestlé Purina PetCare Company, causou a morte de centenas de cães. O motivo seria as toxinas presentes no alimento para os totós. A empresa negou o problema e afirmou que casos similares foram alegados no passado e considerados improcedentes pelos tribunais. No Brasil, em que a marca Purina é vendida, mas não a ração Beneful, os problemas são outros, e envolvem a divisão Nestlé Waters.
Agravada pela maior estiagem do Sudeste em mais de 80 anos, a empresa voltou a ser investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais por, supostamente, estar exaurindo o lençol freático do município de São Lourenço, na Serra da Mantiqueira. A economia local é alimentada principalmente pelo turismo. A estância, chamada de Parque das Águas, já hospedou, em seus tempos áureos, turistas célebres como o então presidente Getúlio Vargas. Embora o conflito tenha se agravado nos últimos meses, a disputa se arrasta de 1998, quando a companhia adquiriu da francesa Perrier as licenças de exploração das fontes da região.
Parecia que a disputa seria resolvida em 2006, quando a Nestlé assinou um “termo de ajustamento de conduta” com o Ministério Público do Estado, assumindo diversos compromissos, como deixar de explorar a Fonte Primavera, uma das mais importantes do parque e que estava comprometida. Com isso, a companhia abriu mão de produzir a marca Pure Life, retirada do local e que modificava a composição original da fonte. A decisão não resolveu o embate. Em 2013, um novo pedido popular de inquérito, por conta da diminuição da vazão das águas no Parque, foi acatado por Leandro Pannain Rezende, promotor de Justiça da comarca de São Lourenço.
“Antigamente, a vazão das fontes era espontânea. Agora, todas passam por bombeamento”, diz Hélio Marques, um dos líderes do movimento Amar’Água, criado há três anos. “Estão bombeando a até 450 metros abaixo do solo, para encontrar água.” No auge da produção da Pure Life, a empresa retirava 1 milhão de litros do precioso líquido por dia. A organização Amar’Água alega que a empresa voltou a extrair, em média, quase o mesmo valor. Lembre-se que o mercado de água mineral engarrafada está aquecido por conta da crise hídrica do Sudeste. O temor é que mais danos irreparáveis aconteçam, como já ocorreu no passado recente.
A Fonte Oriente, que jorrava uma água de teor gasoso, secou em 2008. O monumento da fonte, construído em 1883, é o mais antigo do Parque e deu fama à cidade, a ponto de ter a sua escultura de cabeça de leão reproduzida nos rótulos das garrafinhas da água mineral São Lourenço, vendida pela Nestlé. “O inquérito está demorando porque estamos com dificuldades para encontrar um técnico independente que possa fazer uma perícia desse porte”, diz Rezende. Outro promotor, Bergson Cardoso Guimarães, responsável pelas promotorias ambientais da Bacia do Rio Grande, prepara um outro estudo ambicioso que pode responder a algumas perguntas da comunidade.
“Estamos preparando um termo de referência, quase um check list, de impacto ambiental, para saber qual o nível atual das águas do Parque e qual o bombeamento correto para o local”, diz. Depois de pronto, Guimarães apresentará o termo para a Nestlé, e pedirá que ela financie o custoso estudo. A companhia afirma ter interesse em conservar as fontes. “A atuação da empresa ocorre de forma totalmente responsável e voltada à preservação dos aquíferos”, respondeu à DINHEIRO, por meio de comunicado oficial. “Sendo assim, a operação segue em condições habituais, com o volume de captação inferior ao que é autorizado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Governo Federal.”
Mas, nesse ponto, cidadãos e promotores concordam que o DNPM não deveria ser o órgão responsável por essa fiscalização. O arcabouço jurídico brasileiro coloca a exploração de água para consumo humano fora da política de recursos hídricos, e dentro da regulação para mineração. Ou seja, permite que um poço seja exaurido, tanto quanto é consentido na extração de bauxita ou de ferro. É essa possibilidade que mais assusta os ambientalistas. Um dos maiores especialistas em água subterrânea do Brasil, o geógrafo Adelino Gregório Alves, chegou a investigar para a DNPM, em 1998, o caso Nestlé. “Quatro meses depois de fazer o estudo, ele foi exonerado do cargo”, afirma Marques. “Ele me garantiu que São Lourenço ficaria sem água em 20 anos, em 2018.”
Matéria de Carlos Eduardo Valim / ISTO É - DINHEIRO
Coordenadoria da Bacia do Rio Grande - MPMG