Histórias Antigas, Velhas Histórias
Caxambu, como outras tantas cidades, tem histórias que
merecem ser lembradas. Uma delas, é a polêmica sobre o vocábulo “Caxambu” que
apresenta mais de uma versão e por isso gera discussão. Sou a favor da sua origem
africana por se basear na História e nas pesquisas de época. Mas talvez a mais
grave de todas as histórias caxambuenses seja imputar a Estácio da Silva a
fundação da cidade. Sobre esse fato
desenvolvi um trabalho exposto em meu livro “Caxambu:
de Água Santa a Patrimônio Estadual”,RJ,2007, pp.22/32.
Com o passar do
tempo, a estância, em sua trajetória, vem pesquisando várias perguntas curiosas a seu respeito. Dentre
elas, a que questiona qual seria o hotel mais antigo da cidade? Para
respondê-la é preciso conhecer bem os fatos e os protagonistas do início da
formação da vila.
Cartão Postal de Caxambu Sem data. Vale notar que a Avenida Camilo Soares ainda não existia. Use o Zoom para ampliar |
Entre os antigos cronistas que
registraram a história das águas medicinais caxambuenses encontra-se o
Cel.Fulgêncio de Castro, com seu livro de 1873 intitulado “Águas Medicinais de Caxambu”. Nele, há referências aos hotéis da época, com destaque
para o Hotel Nogueira de Sá de propriedade de José Divino Nogueira de Sá.
Esse foi o segundo hotel edificado na
cidade e pertenceu a José Luis da Silva Prado; chamava-se Hotel Prado. José
Luis vendeu-o a José Divino Nogueira de Sá. Após o ano de 1874, José Divino
vendeu-o a seu gerente, João Carlos Vieira Ferraz, que trocou seu nome para “Hotel
de Caxambu”.
Como “Hotel de Caxambu” ele aparece no
livro de Félix Ferreira, de 1877,
intitulado “Guia das Águas Minerais de
Caxambu”, com uma propaganda de
página inteira sobre seus serviços. Consta também no livro de J.Tinoco, repórter
do Jornal do Commércio/RJ , em seu livro “Guia
de Viagem às Águas Minerais de
Caxambu”, 1881.
Às vezes, na imprensa, o nome do hotel era
grafado sem a preposição DE (como “Hotel Caxambu”) mas em seguida trazia a referência
que seu proprietário era João Carlos Vieira Ferraz.
O jornal “O Baependiano”, de julho de 1883,
registrou que o empresário João Carlos Ferraz mudara o nome de seu hotel para “Hotel
João Carlos”. Em 1884, Maximino
Serzedello escreveu o “Guia de
Viagem para as Águas Minerais de Caxambu, Caldas, Lambari, Contendas e
Cambuquira” . No Capítulo “Roteiro para Caxambu” ele indica o “Hotel
João Carlos” como o melhor do local.
Quando, em
1890, o Conselheiro Mayrink foi para Caxambu associou-se a João Carlos Ferraz e comprou-lhe o hotel mudando seu nome para “Hotel da Empresa”. Retornando
para o Rio, em 1894, ele se desfez daquele
estabelecimento hoteleiro que, no correr dos anos seguintes, foi sendo comprado por outros proprietários e recebendo
novos nomes, entre eles o de “Hotel Universal” e de “Parc Hotel”. Esse último
existiu até o final da década de 1930, quando foi demolido e nada mais foi construído naquele terreno até os dias de hoje, quando o local está sendo ocupado pelo Mercado Carrossel.
O jornal “O Baependiano”, de final de agosto
de 1884, noticiara a inauguração do “Hotel
Caxambu”, pertencente a Evaristo Nogueira de Sá. Ele é o atual Hotel Caxambu,
existente até hoje no mesmo local de sua fundação. Em agosto próximo completará
133 anos de existência.
Em 2011 fui consultada sobre a
antiguidade dos hotéis da estância. Aos interessados no assunto, adianto que o
Hotel Caxambu é o mais antigo da cidade e seus proprietários estavam cogitando
comemorar seus 130 anos de existência naquele ano.
Em meu entender, tal celebração deveria
se dar somente em 2014.
Pelos fatos expostos, vê-se que não há
razão para confundir ou duvidar da
existência dos dois hotéis: o “Hotel de Caxambu”, que teve suas raízes no Hotel
Prado, antes de 1870, mudou de nome para “Hotel João Carlos”, em 1883. No ano
seguinte, 1884, o “Hotel Caxambu” foi fundado.
Eles não co-existiram.
Quando em 1962 o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) editou a Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros, meu pai, Floriano de Lemos, fez críticas à obra, imputando-lhe
vários erros históricos na parte concernente à história de Caxambu.
A origem de tais informações constava
nas publicações do 15º Anuário
Eclesiástico da Diocese da Campanha, de 1953,
e na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Vol.XXIII, Minas Gerais,
A-C, pp.430 e 431, em 1958.
Floriano de Lemos foi médico,
jornalista, membro emérito da Academia Nacional de Medicina, com um nome bem
conceituado nos meios literário e científico. Declarava em suas oratórias que
era um carioca com coração caxambuense. A cidade homenageou-o dando seu nome ao
Gêiser no Parque das Águas.
A publicação de sua Crônica, naquela ocasião, suscitou resposta do
Secretário Geral do Conselho Nacional de Estatística – IBGE, agradecendo-lhe a valiosa contribuição que
dera para aquele trabalho, com a possibilidade de uma correção no caso de
reedição daquela obra.
Foi-lhe
feito, então, um convite para que expusesse numa Conferência as correções que
deveriam ser feitas no caso de reedição.Ele assim o fez. Tenho parte do rascunho escrito de seu próprio punho para essa Palestra, bem como algumas anotações sobre quesitos que mereceriam correções.
Elas abordavam a questão sobre Estácio da Silva , a análise de algumas fontes, as
histórias sobre antigos hotéis que mudavam de nome causando
confusão aos menos atualizados com os acontecimentos daquela urbe.
A abertura da Conferência transcorreu
com o seguinte teor.
“ Preciso, antes
de mais nada, justificar a minha
presença neste lugar. Conversando, há dias com o General Rondon a respeito da
Enciclopédia dos Municípios, classificando-a de obra monumental, não pude
deixar de lamentar que a parte referente a Caxambu contivesse uns tantos
senões, que poderiam ser corrigidos oportunamente.
O General
sugeriu-me publicar as minhas notas na Crônica Científica que mantenho, vai
para mais de meio século no Correio da Manhã; ou então uma Conferência ou Sessão
no Conselho Nacional de Geografia e Estatística para constar de publicação no
Boletim Informativo do Instituto. Estou eu indeciso sobre a providência a
tomar, pois tive a honra de receber um ofício do Secretário-Geral do Conselho
Nacional de Estatística, aguardando “minha valiosa contribuição para a nossa documentação
municipal, a ser aproveitada no caso de reedição da Enciclopédia”.
Toda referência que estou tecendo é
porque sou pesquisadora dos trabalhos
paterno: manuscritos, livros, seu acervo em geral. Passei a
conhecer a história caxambuense de uma maneira bem diferente daquela contada em
livros e artigos baseados em folhetins sobre a cidade.
Na Introdução do meu livro, “Fonte Floriano de Lemos”, 2001, comentei que o título não era uma alusão
a uma fonte física, mas à Fonte do Saber, onde bebo os ensinamentos do meu pai,
sorvendo aos goles os vários aspectos da história da cidade.
A minha Fonte
comporta, atualmente, vários jorros.
Cada um deles apresentando suas peculiaridades: o primeiro jorro, é o “Fontes
e Encantos de Caxambu”, com sabor clínico do uso das águas. O segundo, é o “Parque
das Águas”, que sabe a um turismo interno por suas alamedas. O terceiro, o do “Caxambu:
de Água Santa a Patrimônio Estadual”, tem gosto de raízes históricas. O quarto,
o das “Crônicas Publicadas”, com sabor de contos urbanos. O quinto, o das “Crônicas
Caxambuenses,” com bastante gás novo. O sexto, o da “Cidade de São Thomé das
Letras”, fortemente excêntrico chegado a quartzo. Quem sabe se com o tempo a
Fonte Floriano de Lemos tornar-se-á o “Chafariz Floriano de Lemos”, com mais
jorros em sua arquitetura?
Assim como meu
pai é uma referência para mim por sua experiência de vida, seus conhecimentos históricos,
vivências passadas, da mesma maneira os prédios antigos e os velhos casarões,
quando conservados, são uma Fonte do Saber para quem souber beber todas as
informações que eles encerram: neles falam a história local, a sua época, os
personagens que passaram por suas salas e
quartos, as alegrias e tristezas que viveram,
a arquitetura, o mobiliário, tudo contando as vivências do lugar.
Caxambu tem três pilares históricos: o Casarão da
Família Guedes, da época do Arraial, o Hotel Caxambu, quando Freguesia, e o
Palace Hotel, como Vila. O conteúdo cultural que eles encerram vale por uma
biblioteca que não corre o risco de ser
deletada, mandada para a nuvem ou atacada por vírus. Se conservados, continuarão
testemunhando e contando a vida da cidade, com histórias antigas, velhas
histórias.
Rio, março de 2017