domingo, 2 de abril de 2017

Jornal O TEMPO: Envase de águas vira problema

Envase de águas vira problema

Uma década depois de investimento de R$ 100 milhões do governo de Minas, projeto ainda fracassa






LUCAS RAGAZZI  

Ignorando relatórios feitos por especialistas e os protestos de prefeituras da região, o governo de Minas, sob a gestão de Aécio Neves (PSDB), realizou, em 2006, um ousado investimento para criar a estatal Águas Minerais de Minas (AGMM), subsidiária da Companhia de Saneamento de Minas (Copasa), a fim de controlar o envasamento e a comercialização de garrafas de água mineral em cidades da Serra da Mantiqueira e no Alto Paranaíba. Uma década depois, os resultados do projeto representam, entre investimentos e perdas, um prejuízo de mais de R$ 200 milhões para os bolsos do contribuinte mineiro. Além disso, a produção está praticamente paralisada.

Abastecidos por um dos maiores complexos hidrominerais do mundo, os municípios de Caxambu, Cambuquira e Lambari, no Sul de Minas, são historicamente conhecidos por integrarem o Circuito das Águas do Estado.

A relação entre as fontes da região e o governo mineiro data de 1973, com a criação da estatal Hidrominas. Vinte e um anos depois, a empresa foi incorporada à antiga Companhia Mineradora de Minas Gerais (Comig), que depois se transformou em Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig). A partir de então, a Codemig passou a controlar a exploração dos recursos por meio de arrendamentos e parcerias com a iniciativa privada. Em 2006, após a saída do parceiro comercial – a SuperÁgua, do grupo Supergasbras – e sem o interesse de outras empresas, o direito de extração, comercialização e envasamento dos recursos foram dados à Copasa, com a criação da AGMM exclusivamente para gerir o negócio.

À frente da Prefeitura de Caxambu na época do fim da parceria entre Codemig e SuperÁgua, Marcus Gadbem (PMDB) lamenta a forma como o governo tratou a questão. “Foi na manhã de 26 de junho de 2005. Os empregados da SuperÁgua chegaram para trabalhar e se depararam com policiais militares na porta, impedindo o acesso. Era o fim da produção e da relação entre o governo e a empresa”, conta. “É o único caso de estatização feita pelo PSDB. Uma coisa de louco, um erro enorme e grosseiro. O Estado não tem capacidade de gerir um empreendimento deste tamanho”, conclui, em tom de revolta.

Prejuízo. Na época, um estudo feito por uma agência de consultoria indicava a viabilidade do negócio desde que os investimentos feitos pelo Estado no local fossem de pequeno porte, e que o objetivo da ação fosse um auxílio à economia local, que sofria com uma crise de desemprego desde a paralisação da indústria. O governo, no entanto, segundo dados da própria Codemig, gastou mais de R$ 100 milhões somente na compra de equipamentos, contratação de mão de obra e outras compras para a implementação do negócio.

“No que se refere aos investimentos a realizar, foram consideradas apenas pequenas melhorias nas linhas de envase, pois a produção será retomada com os equipamentos existentes. Essa decisão empresarial foi tomada para atender situação emergencial, de cunho social, repor empregos e renda a um expressivo contingente de desempregados desde a paralisação da indústria em 2005”, mostra trecho do relatório da agência Carmo & Delgado – Geólogos Consultores. Os documentos, focados na avaliação ambiental, são os únicos estudos de viabilidade do negócio realizados pelo governo na época.

Para o ex-presidente da subsidiária Ronaldo Vasconcellos que administrou a AGMM entre 2013 e 2014, o investimento feito realmente não corresponde à capacidade comercial e de retorno do empreendimento. “Foram compras ousadas, máquinas demais até mesmo para a capacidade de produção. Quando cheguei na empresa, tentei economizar e leiloei equipamento que nunca havia sido utilizado. Uma coisa estranha demais. Investiu-se mais do que o necessários e mais do que se podia”, diz, classificando a iniciativa como um “negócio megalomaníaco”.

Na avaliação dos consultores, a verba necessária para a retomada das atividades nas fábricas de Cambuquira e Caxambu seria de aproximadamente R$ 1,6 milhão naquela época – bem menor do que os R$ 100 milhões efetivamente gastos posteriormente só com a reestruturação do negócio. Já a expectativa de faturamento anual era de R$ 8,6 milhões a partir do quinto ano de atividade, “quando a produção e vendas são consideradas estabilizadas num patamar de aproximadamente 60 % da capacidade de produção”.


RESPOSTAS

PSDB e PP rejeitam prejuízo ao Estado

Em nota conjunta, as assessorias de imprensa do PSDB-MG e do PP-MG, partidos que comandavam o Estado à época da “estatização”, negaram que Minas tenha tido prejuízo, já que o governo “não investiu diretamente dinheiro público do Tesouro nos projetos”, que foram feitos pela Codemig e pela Copasa “de acordo com critérios técnicos e com os objetivos das empresas”.

Segundo a nota, ao contrário do que disse o ex-presidente da subsidiária Ronaldo Vasconcellos, nenhum dos equipamentos adquiridos ficou sem utilização no período.

Em relação ao relatório feito pela consultoria, em 2006, os partidos esclarecem que, inicialmente, o governo tinha a concepção de que seria possível manter as fábricas em produção com pequenos ajustes e reparos no maquinário existente. “Descobriu-se posteriormente que a deterioração decorrente da falta de manutenção por parte do concessionário anterior, o prazo de validade e as exigências dos órgãos de vigilância sanitária e de mercado demonstraram que não seria possível ter um mínimo de competitividade sem a total modernização das fábricas”.
Copasa e Codemig se negam a detalhar dados
Apesar dos dados constantes em relatórios obtidos pela reportagem, o volume total de investimento e de prejuízo, que pode ser maior que o apurado, não foi informado pela Codemig, atual mantenedora do negócio, nem pela Copasa, ex-controladora.

A Codemig, dona da subsidiária CodeÁguas, se recusou a detalhar os dados, alegando que seu pronunciamento já estava presente no relatório apresentado em resposta a um questionamento apresentado em uma consulta pública na Assembleia Legislativa de Minas gerais. A estatal afirmou que questionamentos sobre gastos no projeto deveriam ser feitos à Copasa. Procurada, a empresa de saneamento retribuiu a resposta após uma semana de tentativas: disse que a demanda deveria ser feita à Codemig.


Limitações da gestão pública criam entrave

A incapacidade do Estado de competir no mercado com a iniciativa privada é apontada pelo ex-presidente da AGMM Ronaldo Vasconcellos como o principal motivo para o fracasso do projeto. É também o grande obstáculo para a retomada da atividade, agora nas mãos da CodeÁguas, subsidiária criada pela Codemig em 2016 para o negócio.

“É uma coisa importante para a cultura e o turismo regional, mas não podemos achar que é papel do Estado fazer envase de água. Não tem como competir com a iniciativa privada neste quesito. É muita burocracia, qualquer compra pequena é uma licitação. E como você vai negociar com representantes, fornecedores e vendedores? O Estado não tem poder de negociação”, argumenta. “Buscamos ajuda de consultorias conceituadas, analisamos tudo. O que dava pra fazer, foi feito”, diz Vasconcellos.

De acordo a Codemig, entre 2008 e 2015, no período de exploração pela Copasa, a AGMM acumulou um prejuízo de mais de R$ 92 milhões. Apesar do grande investimento em maquinário, o volume anual envasado nunca passou de 4 milhões de litros anuais – números consideravelmente menores que os registrados no auge da exploração da SuperÁgua, que operou no local entre 1981 e 2005: 47 milhões de litros.

Por conta do prejuízo causado, a AGMM foi desfeita em abril de 2016 e o contrato de exploração dos recursos retornou à Codemig, por meio da CodeÁguas. Em relatório divulgado no início de março passado, a Codemig afirma que, ao assumir o controle da estrutura, “deparou-se com fábrica, máquinas e equipamentos em mau estado de conservação”, fato que demandou novo investimento de quase R$ 500 mil.

Em oito meses (de abril a dezembro de 2016), a CodeÁguas registrou um prejuízo de R$ 1,7 milhão, mesmo reduzindo o número de empregados pela metade. No desmanche da AGMM, a Codemig repassou R$ 22 milhões para o pagamento de títulos de indenização de ativos.

No mesmo relatório, a Codemig apresenta explicações semelhantes às de Vasconcellos para o prejuízo causado. “Para que as marcas sejam competitivas no mercado, é imprescindível que haja ampla distribuição e efetiva penetração em grandes redes. Sendo uma empresa pública, seus processos de compra e venda são regidos pela Lei de Licitações, o que restringe sua operação ao reduzir significativamente a competitividade e a agilidade necessárias ao atendimento de seus clientes. A simples aquisição de insumos, serviços e peças se mostrou tarefa desafiadora quando aplicadas as regras e engessamento próprios da sistemática de licitação”, diz o documento.