Projeto Ficha  Limpa. A Emenda Dornelles e seus   efeitos Elaborado em 05.2010.   |   
Kiyoshi Harada jurista, professor e  especialista em   Direito Financeiro e Tributário pela USP  |   
Há dias escrevemos sobre  o tema comentando   o PLC n° 518/2009 que altera a redação das alíneas do art. 1°, da LC  n°   64/1990, de sorte a tornar mais rigorosa a seleção dos candidatos a  cargos   eletivos. Esse projeto de lei  resultou de iniciativa   popular, pois a sociedade já está saturada com o desfile de pessoas  ímprobas   exercendo o poder político neste País. Muitos dos Deputados  demonstraram simpatia   a essa iniciativa popular e aprovaram o projeto legislativo fazendo  discursos   eloqüentes em sua defesa para ganhar projeção na mídia. Porém, alguns  deles   tentaram procrastinar ou inviabilizar a proposta original,  apresentando   várias emendas, sempre sob o indefectível argumento de aperfeiçoar o  projeto   de lei em discussão. Superadas as  dificuldades, por esforço das   lideranças partidárias, finalmente, o projeto legislativo foi aprovado  na   Câmara dos Deputados seguindo para a apreciação do Senado Federal,  onde os   senhores Senadores assumiram o compromisso de agilizar o processo  legislativo   deixando de apresentar emendas. Contudo, isso não  aconteceu. O Senador   Dornelles (PP-RJ) apresentou uma emenda para condicionar a  inelegibilidade a   condenações ulteriores à vigência da nova lei. Para tanto, trocou a  expressão   "os que tenham sido" pela expressão "os que forem"   (condenados). Não se sabe se o nobre  Senador apresentou a   emenda por vontade própria, ou representando a vontade, também, de  muitos de   seus pares. Nem se pode saber se a intenção foi a de torpedear o  projeto de   lei sob exame, permitindo a candidatura dos já condenados, ou, se foi  uma   mera emenda de redação para unificação de linguagem. O certo é que essa  emenda irá gerar   conseqüências desastrosas sob todos os aspectos. Vejamos. Se se entender que houve  alteração   substancial o projeto legislativo terá que retornar à Câmara dos  Deputados em   obediência ao princípio bicameral (parágrafo único, do art. 65, da  CF), onde   novas emendas poderão ser feitas. Assim, a nova lei só seria aprovada  depois   de consumado o prazo de registro das candidaturas. Se a emenda for  entendida como sendo de   mera redação, como sustentado pelo seu ilustre autor, não haverá  necessidade   de retorno do projeto legislativo à Casa de origem. Já há precedente  nesse   sentido do STF, quando rejeitou o pedido de inconstitucionalidade  formal da   Lei n° 8.429/92, que define os atos de improbidade administrativa,  porque o   substitutivo aprovado pelo Senado não alterou substancial ou  formalmente o   projeto remetido pela Câmara dos Deputados (ADI n° 2182 MC/DF, Rel.  Min.   Maurício Corrêa, DJ de 19-3-2004, p.16). Entretanto, parece não  ser possível ignorar   a distinção entre "os que tenham sido condenados" e "os que   forem condenados". A primeira expressão refere-se ao passado, isto é,   antes da nova lei, ao passo que, a segunda, articula-se com as  condenações   supervenientes à nova lei. Ora, condições de  elegibilidade são   aferidas no momento do registro do candidato. Como o registro das   candidaturas começa no dia 5 de julho de 2010, o candidato para se  tornar   inelegível ao teor da interpretação literal da emenda apresentada  precisaria   sofrer condenação até essa data a partir da vigência da nova  lei. Com   isso, a maioria dos denominados "fichas sujas" poderia registrar   suas candidaturas. Como se vê, a emenda do  Senador Dornelles,   certo ou errado, pouco importa, trouxe uma discussão jurídica muito  séria que   tomará tempo de nossos tribunais e que favorecerá, ao final, quem não  tenha   um passado que se possa chamar de "limpo". Particularmente,  acredito que o texto não   carecia de aperfeiçoamento redacional. Já estava claro como a luz  solar.   Tampouco, entendo que o novo texto deva ser interpretado literalmente,  mas   teleologicamente, de sorte a respeitar a assinatura de 1,3 milhões de   cidadãos que pleitearam o projeto legislativo em discussão, para  impedir o   acesso a cargos eletivos daqueles que tivessem sofrido condenação  judicial em   instância única ou colegiada, sem necessidade de trânsito em julgado  da   decisão condenatória, aplicável apenas no âmbito do Direito Penal. O melhor que pode ser  feito, a essa altura,   é que o eleitor no exercício de sua cidadania, rejeite, nas urnas, os   candidatos com "fichas sujas", contando com o serviço de utilidade   pública prestado pelas ONGs, que têm divulgado os seus nomes nos meios  de   comunicação. Afinal, não há lei que  torne honesto os   desonestos, nem transforme ímprobos em homens probos. A ética há de  conduzir   o processo político. As pessoas superiores  são governadas pela   ética; as demais, pela lei. Segundo Montesquieu "leis  desnecessárias   diminuem a autoridade das necessárias". Parece ser o caso da  emenda   sob comento. Fonte:  http://jus2.uol.com.br/ |