Meu Fla-Flu Inesquecível: golaço de Leandro na despedida de Jorge Cury 
 Sofrimento e euforia no futebol chegam em questão de minutos. E nem 
precisa estar no estádio para sorrir e chorar. Tudo pode chegar pelas 
ondas do rádio. Foi assim com o garoto José Leandro de Souza Ferreira, 
em 1969. Com dez anos, ouvia deitado na cama, ao lado do pai, um Fla-Flu
 decisivo. O Flamengo, paixão comum dos dois, perdia a partida por 2 a 
1. Foi quando o menino resolveu ir até a sala. Ele queria rezar. José 
Leandro até se ajoelhou. Pedia um gol de empate do Rubro-Negro para 
devolver a alegria ao seu “velho”. E assim que voltou ao quarto, o 
locutor Jorge Cury narrava, aos gritos, com o seu vozeirão, o gol 
rubro-negro de Dionísio. “Gooooooolaaaaço-aço-aço!”. Era o empate pedido
 aos santos.
A alegria nem durou muito. No fim, a história acabou triste. Flávio 
Minuano marcou o terceiro gol, que acabou dando o título carioca ao 
Fluminense. José Leandro ficou mais arrasado do que o pai. Mas os anos 
passaram. José Leandro virou Leandro, o Peixe Frito, lateral-direito do 
Flamengo. Melhor dizendo, monstro sagrado rubro-negro. Certamente, um 
dos jogadores mais habilidosos de todos os tempos.
Mas essa adoração do Cury por mim eu não sabia… Aí, quando o parente 
ligou, pediu que eu mandasse uma camisa minha para quando o corpo 
estivesse sendo velado. Lógico que mandei.”
Leandro
Leandro
Leandro fez carreira brilhante. Ganhou quatro Brasileiros, 
Libertadores, Mundial. Amado pela torcida, tinha as fortes dores no 
joelho como maior inimiga. Passou para a zaga. E, 17 anos depois, 
jogaria um Fla-Flu especial. Para ele, o da redenção. Sem Zico e Junior,
 negociados, ele era a estrela. No útimo minuto, após pressões 
sucessivas na área tricolor, a bola vem fora da área para quem quer 
arriscar. O Fluminense ganhava por 1 a 0, gol de Washington, aquele do 
Casal 20.  O empate deixaria os rubro-negros ainda na briga. Leandro 
soltou o petardo. Paulo Victor ainda tocou na bola. A bola bateu na 
trave, voltou nas costas do goleiro Paulo Victor e entrou. Era o empate 
no último minuto.
“Goooolaaaaaaaaaaaaço-aço-aço”. Narrado por quem? Jorge Cury. O 
Flamengo até deu adeus na rodada seguinte. Mas a partida ficou marcada 
para cada torcedor rubro-negro presente. O jogo do Leandro. A ponto de 
dois ilustres rubro-negros – Zico e Junior – confessarem: esse foi o 
Fla-Flu que faltou em suas carreiras.
O jogo foi também o último do clube narrado por Jorge Cury. Na semana
 seguinte, o locutor de voz forte inconfundível, que fez longa carreira 
na Rádio Globo mas havia se transferido para a Tupi, ainda narrou a 
final entre Fluminense e Bangu, na qual os tricolores saíram do Maracanã
 com o tricampeonato. Pouco depois, indo para Caxambu, o narrador, 
rubro-negro confesso, encontrou a morte na véspera de Natal.
- Quando o Jorge Cury faleceu, eu não estava sabendo… Estava em casa e
 uma pessoa da família dele ligou e disse que ele gostava muito de mim… 
Engraçado que a gente se via muito no saguão dos aeroportos, viajava 
muito junto… Não havia essa separação que tem hoje… Então a gente 
convivia com o João Saldanha, Jorge Cury, Luiz Mendes e muitos outros. 
Só que não nos falávamos muito. Sempre nos cumprimentávamos… Mas essa 
adoração dele por mim eu não sabia… Aí, quando o parente ligou, pediu 
que eu mandasse uma camisa minha para quando o corpo estivesse sendo 
velado. Lógico que mandei. Foi uma honra para mim. Não sabia que tinha 
sido o último gol do Flamengo que ele narrou. Uma coincidência. Aquela 
história do meu pai em 1969. Tenho o vinilzinho dos gols até hoje 
guardado – disse o Peixe Frito.
Jorge Cury: locutor foi da Rádio Globo e depois da
Tupi (Foto: Reprodução)
Tupi (Foto: Reprodução)
Nas emoções da partida, Leandro disse que, na verdade, em nenhum momento pensou que perderia aquele jogo.
-  O time deles era mais jogado, já tinha vindo de dois campeonatos, 
foi tricampeão em cima do Flamengo. Perdemos duas vezes seguidas para 
eles com gols do Assis… Mas era uma partida em que tudo podia acontecer.
 Fla-Flu sempre reserva coisas especiais. Mexe com a emoção, com o 
coração do torcedor. Naquele dia estávamos perdendo o primeiro tempo de 1
 a 0. Notei que em hora nenhuma eu pensei em derrota. Tanto que a 
torcida nos apoiou do começo até o final da partida. Prensamos o 
Fluminense na base da garra, valentia, disposição. O tempo foi passando,
 passando, 35 minutos, e eu sentindo a torcida incentivando. Pensei: 
“Meu Deus, vai acontecer alguma coisa…”. Cantarelli de zagueiro… “Vai 
acontecer alguma coisa”. Afinal, era Fla-Flu. Só não imaginava que ia 
ser comigo mesmo…
Sobre o gol marcado, Leandro lembra que o lance, se não dependesse do seu feeling, poderia não ter acontecido.
- Aquela bola… Depois do acontecido, o Lazaroni falou: o banco todo 
pediu para que eu tocasse aquela bola para o Jorginho alçar de novo na 
área. Já estava um sufoco danado. Quando a bola sobrou, eu chutei…O 
Paulo Victor chegou a tocar nela… Acho até que se ele não tivesse tocado
 o gol poderia ter sido mais bonito. Mas como é um Fla-Flu, tinha que 
ser chorado. Como foi de muito longe, tinha um monte de gente na minha 
frente. Eu só vi a torcida gritando. Por um instante, acho que foi a 
primeira vez que eu saí de órbita. Só sei que eu estiquei os braços, num
 gesto de abraçar todo mundo, os torcedores… Fiquei no meio de campo, 
não corri para lugar nenhum… O banco todo vindo em direção, uma 
comemoração diferente, todo mundo entrou no campo… Vi o Romerito 
estendido no chão, como se dissesse: “Meu Deus do céu, agora não.”
O que deixou o Peixe Frito também contente, no fim da partida, foi 
ver que os torcedores haviam buscado inspiração no lance para criar nova
 música.
- Como tinham acontecido aqueles gols do Assis, a torcida do 
Fluminense saía sempre cantando “Recordar é viver, o Assis acabou com 
vocês…”. Depois do gol, a torcida do Flamengo começou a fazer o mesmo 
canto com o meu nome… Foi arrepiante, emocionante. Não foi o meu gol 
mais importante, mas sem dúvida nenhuma o gol mais emocionante e o 
momento mais emocionante de toda minha carreira futebolística.
O ídolo rubro-negro, que tanto brilhou na lateral direita ou na zaga,
 lembra que a rivalidade entre os clubes era bem diferente naqueles 
tempos. E fala dos amigos que deixou nas Laranjeiras.
- Pra você ver como o Fla-Flu tem importância pra mim… É o charme dos
 clássicos, uma mobilização muito grande durante toda a semana nas 
Laranjeiras. A Gávea ficava cheia também… Era muito gostoso de se jogar 
futebol. A rivalidade era bem saudável. A gente se conhecia, tinha 
amizade no Fluminense. O próprio Romerito, fui padrinho de casamento 
dele. Essa mobilização geral, torcida, imprensa, mexe com todo mundo. 
Aquele dia foi fantástico pra mim, eu consegui fazer aquele gol no final
 – disse Leandro, com aquele jeito de menino. Como o que ouvia o Fla-Flu
 nas ondas do rádio com a voz inconfundível de Jorge Cury.
| Cantarelli, Jorginho, Leandro, Mozer e Adalberto; Andrade, Adílilo, Valtinho (Gilmar Popoca); Bebeto, Chiqunho e Marquinho (Júlio César) | Paulo Victor, Leomir, Ricardo Gomes, Vica e Branco; Jandir, Deley, Renê (Rogério); Romerito, Washington, Tato (Paulinho). | 
| Técnico: Sebastião Lazaroni. | Técnico: Nelsinho. | 
| Gols: Washington, aos 38 minutos do primeiro tempo. Leandro, aos 45 minutos do segundo tempo. | |
| Cartões vermelhos: Adalberto e Leomir. | |
| Local: Maracanã. Data: 11 de dezembro de 1985. Competição: Campeonato Carioca (triangular final). Árbitro: Luís Carlos Félix. Público: 95.049. | |
Fonte: Boa Informação
http://www.boainformacao.com.br/2012/07/meu-fla-flu-inesquecivel-golaco-de-leandro-na-despedida-de-jorge-cury/