A PRAGA DA INCOMPETÊNCIA
 Revista Veja
Egon
 Zehnder, suíço, especialista em recrutamento, afirma - entrevista de 
páginas amarelas de A VEJA - que a incompetência é mais danosa do que a 
corrupção. Prova, matematicamente, que o corrupto surrupia 5% do 
montante que gerencia, contra o prejuízo de 40% que o incompetente causa
 à empresa que dirige.
Egon Zehnder, um 
dos mais famosos "headhunters" do mundo e dono de uma empresa de 
recrutamento com escritórios em 38 países, entre eles o Brasil. Ele 
solta uma frase impressionante:
"A falta de qualificação dos funcionários públicos nomeados por padrinhos políticos chega a ser mais danosa do que a corrupção ”
Egon Zehnder - A praga da incompetência
O
 suíço especialista em recrutamento diz que a falta de qualificação dos 
funcionários públicos nomeados por padrinhos políticos chega a ser mais 
danosa do que a corrupção
Escolher
 o melhor candidato para comandar estatais ou órgãos públicos deveria 
ser um processo muito mais cuidadoso e rigoroso do que o adotado pelas 
empresas privadas. Essa é a tese central defendida pelo suíço Egon 
Zehnder, um dos mais famosos headhunters do mundo. Dono de uma empresa 
de recrutamento com escritórios em 38 países, inclusive o Brasil, ele 
participou da seleção e escolha de presidentes de estatais e de 
instituições públicas da Inglaterra, da Austrália, de Singapura e da 
Suíça. Aos 82 anos, Zehnder entrevista, todos os dias, pessoalmente, 
candidatos às vagas de consultor em sua empresa. Defensor apaixonado da 
meritocracia, ele critica a proliferação de cargos de confiança na 
administração pública brasileira.
No
 Brasil, mais de 22 000 cargos do governo federal são de confiança 
(preenchidos por critérios políticos). Mais de 1 000 só no primeiro 
escalão. O que o senhor acha desses números? Mesmo considerando o 
tamanho do país, são números exageradamente altos. Na Suíça, onde moro, 
não existe um único cargo público que possa ser preenchido por alguém 
cuja única qualificação seja atender a critérios políticos.
Por
 que o excesso de cargos de confiança é ruim? Quando se fazem concursos 
públicos ou se adotam outros métodos objetivos de seleção, a chance de 
que os critérios utilizados tenham sido justos e adequados é maior. A 
sociedade precisa ter a garantia de que o escolhido é o mais capaz para 
desempenhar a função, conhece a área e já passou por várias situações 
parecidas com as que vai enfrentar no futuro. Exercer um controle 
rigoroso sobre os processos de recrutamento é algo plenamente possível. 
Mas é muito difícil ter esse domínio quando se precisa preencher dezenas
 de milhares de cargos. Se o eleito não tiver as exigências mínimas para
 a função, certamente a empresa ou instituição enfrentará percalços a 
curto, médio ou longo prazo. Nenhuma nomeação de diretor de estatal ou 
de autarquia deve ser 100% política.
Nomeações
 equivocadas são mais danosas no setor público ou no privado? A escolha 
errada de um funcionário de alto escalão traz mais consequências 
indesejadas em instituições governamentais. Elas têm um papel na 
sociedade que vai muito além dos interesses econômicos dos acionistas. 
Um erro na nomeação reduz a possibilidade de a empresa estatal ou o 
órgão público desenvolver seu papel social e limita a capacidade do país
 para alcançar seus objetivos estratégicos. Também leva a resultados 
decepcionantes em termos de volume de produção e no desenvolvimento 
interno de tecnologia. Uma pesquisa publicada na revista da Harvard 
Business School em 2001 mostrou que, entre os diversos fatores que 
determinam o desempenho de uma empresa e que podem ser controlados, a 
seleção dos gestores é a que tem a maior relevância estratégica. A 
escolha certa do presidente de uma empresa pode ter um impacto positivo 
de 40% no seu resultado.
Existe
 alguma relação entre corrupção e incompetência administrativa? É claro 
que se devem selecionar sempre pessoas com integridade, para impedir 
fraudes, tanto no setor público quanto no privado. Estima-se que o custo
 da corrupção represente 5% do faturamento das companhias, um dado 
aviltante. Estatisticamente, porém, a corrupção é menos nociva do que a 
escolha de um gestor ineficiente.
Como
 assim? Basta fazer a conta. Um trabalhador na linha de produção de uma 
fábrica que tenha todas as qualidades para o seu ofício produz 40% mais 
do que um funcionário-padrão. Pesquisas acadêmicas também têm mostrado 
que, quanto mais complexa é a tarefa, maior a diferença de produtividade
 entre os funcionários. Um bom vendedor de seguros consegue 
comercializar 240% mais do que um colega mediano. Para funções que 
exigem mais qualificação, como programador de computador ou gerente de 
contas em uma empresa de serviços, o aumento de produtividade pode ser 
da ordem de 1000% ou mais. Uma companhia que possui um quadro de pessoal
 sem brilho produzirá, portanto, uma fração de uma concorrente cheia de 
talentos. Ao se compararem esses números com os 5% de perdas provocadas 
por corrupção, fica claro o que é mais relevante. É absolutamente 
necessário combater a corrupção, mas também se deve evitar o escândalo 
oculto das nomeações de funcionários incompetentes, cujos efeitos chegam
 a ser piores do que os desvios éticos. Nesse sentido, o grande número 
de apadrinhados políticos no Brasil é um escândalo em si.
Em
 que países a seleção dos altos funcionários estatais é feita de forma 
mais profissional? Em alguns países, as nomeações são feitas puramente 
por motivos políticos. Raramente, ou nunca, isso leva a bons resultados.
 Em outros, o processo é tão regulado e engessado que se torna difícil 
atrair bons candidatos. De modo geral, quanto mais o conceito de 
meritocracia está enraizado em uma sociedade, menos provável é que a 
população aceite pessoas ineptas para ocupar funções executivas. 
Meritocracia é um valor que anda de mãos dadas com os níveis de ensino. 
Uma sociedade bem-educada entende mais claramente as consequências 
desastrosas das nomeações erradas. Um ministro sem credibilidade em seu 
campo de atuação ou sem habilidade para montar uma boa equipe pode 
paralisar os serviços públicos sob sua responsabilidade. Uma população 
bem-educada não toleraria isso. Em pouco tempo os cidadãos perceberiam o
 que há por trás dos resultados decepcionantes, e futuras nomeações que 
não levassem em conta a meritocracia não seriam mais aceitas. Em países 
com baixo nível educacional, os erros de nomeação são a regra.
Esse
 é o caso do Brasil? O Brasil já melhorou bastante. No setor de 
telecomunicações, até os anos 1990, os dirigentes das empresas eram 
todos escolhidos pela conveniência política e pela influência nos 
governantes. Em geral, eram deputados e senadores. A meritocracia não 
estava no jogo. Esse é um setor particularmente crítico, porque as 
decisões precisam ser rápidas e baseadas em tecnologias que se renovam 
rapidamente. Uma única decisão errada pode ser catastrófica para a 
empresa. Nesse período, antes da privatização, eu conheci o presidente 
de uma estatal brasileira que tinha todas as credenciais necessárias 
para o trabalho, mas que não conseguiu nomear um único membro do seu 
conselho de diretores com base em critérios objetivos. Todas as 
indicações que ele foi obrigado a fazer eram políticas. Como resultado, a
 empresa era ineficiente. Não havia linhas telefônicas suficientes para a
 população e o custo dos serviços era proibitivo. As privatizações 
mudaram essa realidade.
As
 estatais brasileiras hoje sabem contratar seus presidentes e diretores?
 O cenário atual é bastante heterogêneo. Algumas empresas conseguem 
fazer boas escolhas. Um exemplo é a Companhia Energética de Minas Gerais
 (Cemig), que tem capital aberto e é controlada pelo governo do estado. 
Mesmo com as leis restritivas que governam as companhias estatais, como a
 que impede os recrutadores de comparar os candidatos internos com os 
melhores do mercado, a Cemig tem feito um bom trabalho. Nossos 
consultores no Brasil, contudo, têm escutado muitos empresários de 
grandes companhias privadas queixando-se dos diretores das agências 
reguladoras. Algumas dessas nomeações foram tão equivocadas que o setor 
como um todo foi prejudicado. Faltam aos chefes das agências reguladoras
 brasileiras os conhecimentos básicos para poder dialogar com diretores 
de companhias privadas. Com isso, muitos investimentos acabam sendo 
adiados. Setores inteiros da economia passaram a ter um desenvolvimento 
aquém do seu potencial.
A
 legislação trabalhista brasileira dificulta muito as demissões. No 
setor público isso é praticamente impossível. Qual é a consequência 
disso para o desempenho das companhias? O consultor americano Jim 
Collins enumerou vários fatores que levam uma organização a obter 
sucesso. Colocar um grande líder no topo do organograma é apenas um 
deles. Também conta a capacidade de demitir os piores funcionários e 
manter os melhores. De preferência, nas posições certas. Uma companhia 
sem liberdade de dispensar as pessoas que não atendem às expectativas 
obviamente terá de operar de forma precária. Nessas situações, a 
qualidade dos produtos e dos serviços quase sempre é ruim. Um contexto 
em que é quase impossível demitir os funcionários não faz sentido no 
sistema capitalista. Nos países em que foram adotadas medidas para 
facilitar os processos de demissão, as empresas privadas e públicas 
ganharam competitividade. Foi o que ocorreu quando Silvio Berlusconi 
assumiu o governo da Itália na década de 90, após anos de administração 
socialista. Os lucros das empresas cresceram e elas puderam competir 
melhor no exterior. Na Inglaterra, o Partido Conservador, de David 
Cameron, substituiu o Partido Trabalhista no poder, há dois anos. Como 
essa mudança ocorreu recentemente, é cedo para analisar seus efeitos. Em
 geral, eles aparecem depois de quatro anos de reformas, mas acredito 
que serão positivos.
Para
 enfrentar uma profunda crise financeira, países como a Grécia e a 
Itália escolheram tecnocratas para conduzir o governo. Foram boas 
escolhas? Enquanto nos ministérios, nas estatais e nas fundações é 
preciso sempre ter um especialista na liderança, quem deve estar na 
chefia do governo são os políticos. As situações de crise extrema são 
uma exceção. Nesses casos, um tecnocrata, ou seja, um economista ou um 
administrador qualificado para a gestão pública, pode tomar uma série de
 decisões polêmicas e urgentes que seriam extremamente difíceis para os 
políticos tradicionais. Governar um país inteiro por muito tempo sem uma
 base de apoio política, contudo, é inviável. Pelas leis da democracia, o
 chefe de governo precisa ter uma base política ampla. Essa sustentação 
vem dos partidos políticos, dos sindicatos, das prefeituras e, acima de 
tudo, dos cidadãos. São eles que devem orientar as políticas públicas. A
 longo prazo, os tecnocratas devem ocupar apenas cargos de nível 
ministerial para baixo.
Nos
 países onde a presença do estado na economia é maior, há mais 
dificuldade para escolher as pessoas certas nas estatais e no governo? 
Não necessariamente. Singapura tem uma economia muito controlada. Apesar
 disso, os diretores das estatais são cuidadosamente selecionados e 
estão sempre muito bem alinhados com as necessidades do negócio. O país 
tem um grande número de empresas públicas. Singapura tem um governo 
muito integrado ao mercado, e ao mesmo tempo é extremamente controlador.
 Trata-se de uma situação diferente da dos Brics (Brasil, Rússia, índia e
 China), que, em geral, são céticos em relação ao mercado e tampouco 
querem entregar o comando das empresas ao setor privado.
Como
 foi que Singapura, uma cidade-estado com 5 milhões de pessoas, 
conseguiu formar alguns dos melhores executivos do mundo? Os fundadores 
de Singapura decidiram que, por serem pobres em recursos naturais e 
terem um mercado interno restrito, a única saída econômica era investir 
no talento humano. Então, enviaram os estudantes mais promissores às 
melhores universidades no exterior e por fim os contrataram para 
trabalhar dentro do governo. Depois de décadas de decisões acertadas no 
setor público, Singapura se tornou uma das nações mais competitivas do 
planeta. Esse processo disciplinado de formar, selecionar, e reter os 
melhores talentos na administração pública levou a uma transformação 
incrível. Singapura comprovou que a meritocracia no governo tem ótimos 
resultados. Esse caminho não foi o escolhido, por exemplo, pela Jamaica.
 Os dois países deixaram de ser colônia inglesa ao mesmo tempo, no 
início dos anos 1960. Eram duas nações situadas em ilhas subtropicais, 
igualmente pobres e com populações equivalentes. O que é a Jamaica hoje?
 Um país irrelevante.
Autor: Duda Teixeira
Revista Veja - 15/10/2012
