quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Nova paranóia urbana paulista

Meu novo traficante é 
o homem do queijo

Minha mais radical experiência no quesito aquisição de produtos ilícitos, até agora, tinha sido a de comprar livros de ficção em Cuba.
Entrei numa livraria com uma lista de autores que me tinham recomendado, mas logo percebi, no desolador cenário das prateleiras vazias, que não teria o menor sucesso.
Para minha surpresa, o solícito vendedor me disse: a loja não tem, mas eu consigo.
Mal tinha botado o pé fora do lugar e eis que percebo o rapazote me acenando do outro lado da rua. Me pegou pelo braço e me conduziu a um beco escuro de La Habana vieja. Trazia um pacote na mão. Olhava para os lados, ansioso, como se estivesse vendendo cocaína no corredor da Casa Branca, em Washington.
Trazia, na maioria, livros pornográficos – não exatamente o que me movia. Explicou, o garoto, que o negócio era legal, livros têm tiragem pequena em Cuba e ele os comprava para revender a turistas como eu. Com capitalista margem de lucro, diga-se. Vinte dólares por aqueles toscos farrapos de papel.
Experiência semelhança tenho vivido nas últimas semanas aqui em São Paulo, Brasil. A droga ilícita que tento adquirir, nos desvãos do mercado negro, é o queijo Minas.
É verdade, acreditem: as autoridades sanitárias do Estado de São Paulo consideram o queijo Minas – refiro-me ao verdadeiro, feito de forma artesanal, com leite cru, recém-saído da vaca, e não a essa coisa insossa, sem sabor, que tem tentando me vender sob o nefando nome de “frescal” – um terrível perigo para a saúde.
Deixo de lado a suposição – ainda que legítima – de que a decisão paulista é ciúme mesquinho, se não a sinistra tentativa de estabelecer uma reserva de mercado a favor de uma gororoba local, manufaturada pela grande indústria de laticínio, incapaz de reproduzir o requinte artesanal e a qualidade deliciosa do queijo do Serro, do queijo da Canastra e de tantos outros DOCs das Gerais.
Deixa para lá.
De todo modo, sou obrigado hoje a me comportar como aqueles drogados da Cracolândia, trocando sussurros com outros viciados para saber onde é que se esconde nosso dealer, o qual se disfarça da vigilância policial como se administrasse um speakeasy da época da Lei Seca.
Os consumidores da droga, insaciáveis, avisam: “Hoje, o seu Pedro (nome de fantasia) está em tal lugar”. E lá vamos nós, sinistros fora-da-lei, atrás do queijinho nosso de cada dia.
É ridículo, mas não é exagero meu.
Comentei minha revolta com um amigo, diretor da agência de turismo da França em São Paulo, e ele me municiou de ampla literatura sobre a batalha que o queijo francês teve de enfrentar para se impor diante da legislação restritiva – e burra, e mal intencionada – da Comunidade Européia.
O camembert, o reblochon, o roquefort, o port salut, o cabécou ganharam a parada contra os rígidos alemães e os holandeses. O queijo Minas há agora de vencer os paulistas e os idiotas.
Até documentário sobre o assunto já veio à luz, graças à combativa câmera de meu amigo Helvécio Ratton. O filme passeia pelo terroir do queijo Minas e ouve o desabafo dos supostos criminosos com o rosto emoldurado de inocência.
Diz um desses produtores mineirins: “Se é assim, deviam fazer que nem o cigarro. Basta escrever no rótulo que este produto é nocivo à saúde, muito nocivo mêêêêssss”.
O sarcasmo dele é daqueles que vem em gargalhadas sufocadas lá das entranhas de sua justificada perplexidade.
 
Nirlando Beirão