Polo Três Rios: incentivos atraem 872 empresas a cidade fluminense
Prefeitura zera impostos e promove mudanças na pacata vida de seus moradores
Três Rios, novo polo industrial do Rio, está transformando sua paisagem
Uma cidade com pracinha e bancos de madeira distribuídos pela
calçada arborizada entre uma igreja e o prédio da prefeitura. Seria esta
a melhor descrição de Três Rios, no interior do Rio de Janeiro, quase
três anos atrás. Mas muita coisa mudou. A pracinha ainda está lá, mas em
frente à prefeitura está erguido um dos símbolos da renovação da
cidade, um novíssimo Centro de Controle e Comando, todo espelhado,
conectado a 50 câmeras espalhadas pela cidade. Coisa de primeiro mundo.
Três Rios, a 104 km do Rio de Janeiro, se tornou um verdadeiro polo industrial que tem transformado a paisagem e o modo de vida de seus cem mil moradores. Há obras por todos os lados. Esta repaginada é guiada pelos incentivos fiscais e atrativos empresariais que o governo municipal passou a distribuir desde fevereiro de 2009. Até o momento 872 empresas mudaram seu endereço para a cidade do interior fluminense, sendo 104 indústrias de médio e grande porte, 92 de pequeno porte e o restante empresas de serviços e comércio. E o fluxo não para. Na sexta-feira (18), foi inaugurada a maior fábrica de laticínios da Nestlé no Brasil em uma área de 95 mil metros quadrados.
O governo do estado já permitia, desde 2002, 2% de alíquota fiscal
(ICMS) para os municípios. A prefeitura de Três Rios resolveu ir além.
Estão no pacote de incentivos: isenção total de IPTU por 25 anos,
isenção de taxa de obras, redução do ISS a 2%, facilitação do poder
público em desapropriar áreas com subsídios habitacionais, criação da
Companhia de Desenvolvimento atrelada à Secretaria de Indústria e
Comércio, além da desburocratização da relação público e privado.
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“O problema é dos outros 43 municípios que sentaram em cima dos 2%
dados pelo governo estadual e estão esperando até hoje pelas indústrias.
Pensei que isso não seria suficiente e resolvemos entrar na briga dando
muito mais”, diz Vinicius Farah (PMDB), prefeito de Três Rios.
Ex-jogador de futebol do time de base do Flamengo da década de 70, Farah
quer mais. “Estamos fazendo de Três Rios a capital do interior
fluminense”, diz ele, enfatizando que não recebe royalties do petróleo.
Foto: George Magaraia
Obras para facilitar o trânsito na cidade
“Agressividade” do mercado
Festejada com a presença do governador Sergio Cabral
e de uma comitiva de políticos, a fábrica da Nestle recém-inaugurada
emprega mil trabalhadores. Espera-se que impulsione o ressurgimento da
bacia leiteira que, nas duas últimas décadas, estava à míngua. A fábrica
começa com uma produção de 200 mil litros de leite por dia, tendo
capacidade para um milhão. Foram investidos R$ 200 milhões na construção
às margens da BR-040, que corta o município.
“Todo o apoio recebido foi essencial para escolhermos Três Rios como
sede da fábrica. O prefeito foi o mais agressivo, de uma velocidade
ímpar, anormal para o nosso País, a fim de colocar em prática a
recuperação da indústria do leite na região”, disse Ivan Zurita,
presidente da Nestlé, durante a inauguração.
Em frente à fabrica de laticínios, no outro lado da rodovia, a
Latapac já se instalou para produzir latas de alumínio. Na TTR Vidros,
em funcionamento há dois anos, são 70 empregados lapidando 15 mil metros
quadrados de vidro por mês. O gerente da empresa Michael Kalia diz que
já há planos para expansão. “O investimento foi alto, cerca de R$ 20
milhões. Ainda não deu lucro, mas já começamos as obras para aumentar o
tamanho da fábrica, a maior da região serrana do estado”, diz.
Bancos do Maracanã
A Pifer (projetos de Interiores Ferroviários) que chegou antes e está
há oito anos no município, atraída pelos incentivos fiscais (o setor
ferroviário tem 0% de ICMS), segue em expansão. Ana Carolina Campos,
diretora administrativa da maior indústria do setor, faz planos para
fabricação de bancos para o novo Maracanã e de outros estádios da Copa
do Mundo de 2014. “Compramos as máquinas que custam mais de R$ 1 milhão.
Também queremos fazer o revestimento interno dos veículos BRT, que vão
rodar pelo Rio de Janeiro”, planeja. Para tanto, só no último ano foram
investidos R$ 2 milhões. O faturamento, segundo ela, fechou em R$ 18
milhões.
No Condomínio Industrial, uma área particular de 236 mil metros
quadrados, 35 galpões estão ocupados há quatro anos e meio com diversas
fábricas – de reforma de vagões à fabricação de plástico. “E há fila de
espera”, garante Fernando Rego, gerente do local, que emprega quase mil
pessoas.
Foto: George Magaraia
Condomínio Industrial, uma área particular alugada para diferentes empresas
Mais empresas chegando
Entre as próximas indústrias que estão se encaminhando para aportar
em Três Rios está a cervejaria Serpa. Repleta de benefícios fiscais, a
empresa, cuja mantenedora tem sede na Alemanha, vai investir R$ 220
milhões na nova fábrica e prevê geração de 1300 empregos diretos. O
terreno para a construção já está definido – uma área equivalente a 150
mil metros quadrados.
A NeoBus, terceira maior empresa de carroceria de transporte coletivo
do País, após um longo processo de negociação, fechou com Três Rios.
Com investimentos em torno de R$ 95 milhões, deve gerar 1500 empregos
diretos e ocupar uma área de 70 mil metros quadrados.
Além disso, duas novas redes de hotéis estão em processo de finalização de projetos com a cidade. A quase inexistente rede hoteleira na cidade é, aliás, um gargalo no desenvolvimento local. Isso porque simplesmente não há quartos disponíveis nos poucos hotéis na região.
Criminalidade diminuiu 51% em seis meses
Se já não bastassem os impactos das mais de 800 empresas no
município, todo o escoamento do SuperPorto do Açu, que Eike Batista
constrói em São João da Barra, passará por ali. O prefeito Vinicius
Farah diz que se preparou para o que viria a acontecer com o município
após a queda à taxa zero de impostos. Há cerca de cinco anos Três Rios
tinha crescente taxa de homicídios, trânsito complicado em suas ruas
apertadas e uma mão de obra totalmente voltada ao trabalho rural, até
então principal característica econômica da região.
Para a questão da violência, foi construído o Centro de Comando e Controle, aquele que divide a paisagem com a pracinha e a igreja. As polícias Civil e Militar, juntas, monitoram 47 câmeras fixas e três móveis espalhadas pela cidade. Segundo dados da Secretaria de Segurança, a taxa de criminalidade caiu 51% nos últimos seis meses e houve um aumento de 470 vezes na apreensão de drogas.
Para o problema do trânsito e já antevendo sua complicação, com o
aumento da frota de veículos, foi construída a primeira ciclovia do
município e o deslocamento do fluxo de carros para longe do centro.
Quanto à qualificação da mão de obra, as escolas municipais passaram a
ter cursos técnicos noturnos, formando 2500 alunos por ano. A partir de
janeiro, será inaugurado o CVT (Centro de Vocação Tecnológica), com 16
cursos, para atender 3600 alunos por ano.
O plano diretor da cidade também foi alterado. Uma área é destinada a
comércio, outra para indústrias e a terceira para residências. “Não foi
fácil convencer o senhorzinho que há oitenta anos passa com seu carro
na mesma rota, que agora ele precisaria aprender a fazer um novo
caminho. Mudamos a direção das ruas, para dificultar o uso dos carros e
forçar que as pessoas caminhem ou usem bicicleta”, diz o prefeito. O
plano deu resultado.
Problemas no percurso
Mas ainda há muito que se fazer. Três Rios tem 11% de analfabetismo.
Mesmo que não haja favelas, há várias ruas sem asfalto. Passando pela
BR-040, no trecho do município, avista-se um lixão, que caminhões fazem
uso de forma irregular. A prefeitura diz que já foi liberada uma verba
de R$ 14 milhões do governo do estado para a construção de um aterro
sanitário. As obras devem começar no começo do ano.
Foto: George Magaraia
Lixão às margens da rodovia federal 040, que corta o município
Com o aumento da procura por imóveis, a especulação imobiliária tem faturado alto na região. O aluguel de um apartamento de dois quartos não sai por menos de R$ 1500, além das taxas de condomínio. Se for com vista para o rio, na avenida Beira-Mar recentemente reformada com nova iluminação e quadras poliesportivas, o aluguel de uma cobertura sobe para R$ 4000. A massoterapeuta Elizabeth Teixeira mora há quatro meses em Três Rios. Seu marido é chefe de Recursos Humanos da Nestlé. A família veio de Salvador. “Me surpreendi com o bom comércio, mas os preços estão muito salgados”, diz.
Estimativas dão conta de que 80% dos empregados nas empresas são moradores locais. Mas basta andar um pouco pela cidade para perceber que também há muita gente de fora. E a maior reclamação é a falta de opções de lazer. “É uma cidade ainda tranquila, gostosa de se morar. Mas não tem muito o que fazer nos fins de semana”, reclama a carioca Aline Lopes, que se mudou no começo do ano para o município acompanhada do marido, transferido para uma fábrica local.
Só há uma sala de cinema aberta e um teatro, em um prédio da década
de 60, que não tem programação regular. Resta aos trirrienses o passeio
no final de tarde pela pracinha central, com o sorveteiro e o pipoqueiro
típicos de qualquer cidade do interior. Pelos arredores passam os
ônibus da Progresso, empresa que atua com linhas intermunicipais, e que
leva no nome há cinco décadas o que só agora parece ter finalmente
chegado a Três Rios.
Mercado imobiliário aquecido - Foto: George Magaraia
Fonte: IG