Procurador critica súmula das algemas e diz que vibrava com espetáculo da PF
Na abertura oficial do V Congresso Nacional dos Delegados de Polícia
Federal, na noite de quarta-feira (25/4), no Rio de Janeiro, os
tribunais superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal,
tornaram-se alvo das principais críticas. A maior delas partiu do
procurador de Justiça de Minas Gerais, Rogério Greco, para quem ao
editar a Súmula nº 11, o STF mostrou "desconhecer completamente a
realidade". A súmula trata dos limites para o uso de algemas.
"É não entender como funciona a Polícia. Um tribunal que edita uma
súmula vinculante destas, regulamentando — entre aspas — o emprego de
algemas, nunca conheceu as ruas, o cara nunca andou de ônibus, não sabe o
que é o cheiro de sovaco. Não entende como é que funciona o Tribunal do
Júri", disse ele.
Professor,
estudioso do Direito Penal e autor de diversos livros a respeito, Greco
classificou a súmula de hipócrita e relacionou sua edição ao trabalho
dos policiais federais nas últimas grandes operações. "Não tem súmula
mais hipócrita do que a Súmula Vinculante nº 11. Foi por causa de vocês
que ela foi editada. Vocês foram responsáveis. Engraçado, desde que o
Brasil foi descoberto em 1500, ninguém nunca se preocupou com o uso de
algemas. Era argola no pescoço do negro, nos pés, nas mãos e ninguém
nunca se preocupou. No dia em que a pulseira de ouro foi transformada em
pulseira de aço, aí a casa caiu. O dia em que a Polícia Federal
começou, brilhantemente, a meter o grampo em todo mundo de classe média e
média alta, isto é novidade, não acontecia".
Para ele, as algemas em acusados de crimes financeiros tinham um
segundo significado. "Eu via aquilo meio como um desabafo. Quando
aqueles caras importantes, entre aspas, que importância não tem nenhuma,
são verdadeiros genocidas, o dia em que estes caras começaram a ser
presos...Imagina o Maluf sendo algemado. Eu vibrei com o Maluf sendo
algemado...O fato de meter o grampo, de meter a algema no Maluf era meio
— eu via em vocês, posso estar até falando bobagem — mas eu via meio
como um desabafo. Sabe aquele negócio: cansei de botar grampo em "nego"
arrebentado no meio da favela, agora você vai tomar o grampo também?
Isto, para mim, era um espetáculo, ver aqueles caras colocando um
casaquinho por cima da algema, com a cabecinha baixa, igual a um
periquito quase quebrado".
Ainda que
de forma mais moderada, o novo presidente nacional da Associação dos
Delegados de Polícia Federal, delegado Marcos Leôncio Souza Ribeiro,
empossado no último dia 20 de abril, em entrevista à revista Consultor Jurídico
, também teceu crítica aos tribunais superiores ao descrever o atual
papel da Polícia Federal. Ele fez votos que eles evoluam nos seus atuais
entendimentos.
"O papel da Polícia
Federal é respeitar este nível de evolução do Judiciário brasileiro, se
aprimorar cada vez mais para se adaptar e evitar nulidades processuais.
Fortalecer a prova técnica e esperar, quiçá, um dia, que o nosso
Judiciário acompanhe a evolução que outros países já conseguiram. O
Judiciário brasileiro passa pelo mesmo processo que outros países
passaram. A Polícia Federal brasileira passa pelas mesmas dificuldades
que as polícias do mundo mais desenvolvido passaram, que é este momento
de transição entre a verdadeira busca da prova técnica, sem tanto garantismo , sem tantas interpretações exacerbadas da norma garantista ".
Ideologia
Curiosamente, na abertura do Congresso não havia representante do Ministério Público Federal. Um procurador da República disse que membros do MPF não foram convidados. Leôncio menosprezou os chamados desentendimentos que ocorrem entre Polícia Federal e Ministério Público, realçando que quando ocorrem é muito mais no campo doutrinário do que na prática do trabalho do dia a dia. Para ele, o entendimento também ocorre na primeira e na segunda instância do Judiciário Federal, mas ainda não acontece com os tribunais superiores, classificado como "mais ideológicos".
Curiosamente, na abertura do Congresso não havia representante do Ministério Público Federal. Um procurador da República disse que membros do MPF não foram convidados. Leôncio menosprezou os chamados desentendimentos que ocorrem entre Polícia Federal e Ministério Público, realçando que quando ocorrem é muito mais no campo doutrinário do que na prática do trabalho do dia a dia. Para ele, o entendimento também ocorre na primeira e na segunda instância do Judiciário Federal, mas ainda não acontece com os tribunais superiores, classificado como "mais ideológicos".
"Por incrível que
pareça existem mais disputas no campo ideológico/político/classista do
que no ponto de vista institucional. Ministério Público Federal e
Polícia Federal, do ponto de vista institucional e operacional, se
entendem muito bem. Nas operações a relação é boa, a relação é boa com a
Justiça Federal de primeira instância e de segunda instância. Temos,
talvez, com os tribunais superiores — por serem tribunais muito mais
ideológicos, de tese, do que tribunais de instrução, de apuração de
fatos —, temos esta dificuldade. Mas, acredito que vai evoluir com o
tempo. Do ponto de vista destas bandeiras de disputas, como do poder da
investigação, são muito mais no campo ideológico do que pragmático. Na
prática, Polícia Federal e Ministério Público Federal até que tem uma
sintonia fina em questões que envolvem o combate ao crime organizado.
Também com a Justiça Federal, principalmente em primeira e segunda
instância".
As questões que lavaram
os tribunais superiores a anularem algumas das principais operações
policiais por nulidade de provas não mereceu maior atenção na abertura
do Congresso. Nem mesmo o desembargador federal Messod Azulay Neto — um
dos três representantes da Justiça Federal presentes à cerimônia —, que
foi o primeiro palestrante da noite, teceu comentário a respeito. Antes,
pelo contrário, enalteceu o trabalho da Polícia Federal.
Para ele, fundamental, "tanto quanto, ou mais ainda do que, a
descoberta de polos de riquezas ou a exploração por produção de bens, é
permitir que estes bens e estas riquezas possam fluir, possam trilhar
por caminhos desobstruídos e alcançarem os seus objetivos. E esta, em
última análise, tem sido a árdua tarefa da Polícia Federal do Brasil. É
importante que se diga que não se faz uma Justiça Criminal sem uma
polícia judiciária estruturada, bem remunerada e orgulhosa das suas
condições. Há um ditado popular que diz que um bom exemplo vale mais do
que mil palavras e eu acredito que, principalmente nesta última década, a
Polícia Federal tem dado mostras, tem dado mais do que um exemplo, de
que a excelência do seu trabalho se compara as maiores instituições de
polícias judiciárias do mundo, se igualando à tão famosa israelense,
americana, londrina, etc.".
Escutas telefônicas
Azulay Neto destacou apenas a necessidade de os policiais federais cuidarem melhor das escutas telefônicas que hoje tem gerado inúmeras queixas por parte dos advogados de defesa os quais, como disse ele à revista ConJur , ao questionarem "nulidades em cima de questiúnculas processuais", fazem o trabalho deles. E iss, segundo ele, exige "maior atenção dos policiais".
Azulay Neto destacou apenas a necessidade de os policiais federais cuidarem melhor das escutas telefônicas que hoje tem gerado inúmeras queixas por parte dos advogados de defesa os quais, como disse ele à revista ConJur , ao questionarem "nulidades em cima de questiúnculas processuais", fazem o trabalho deles. E iss, segundo ele, exige "maior atenção dos policiais".
Estes ataques, segundo disse, acontecem "através de Habeas Corpus e
recursos de toda a ordem. Seja pelo fato de que as escutas são
deficientes, seja por excesso de prazo, seja porque não serem
disponibilizadas na íntegra para a defesa, seja porque as transcrições
também são deficientes, enfim por várias razões. O que ocorre é que
tanto na segunda instância, nos tribunais superiores e mesmo no Supremo
Tribunal Federal, em alguns casos, eu não diria que isto é uma coisa
constante, a prova acaba sendo anulada". Ele disse: "Nós julgamos com
sentimento de que alguma coisa foi perdida no meio de tanta coisa, o
trabalho de anos da Polícia Federal sendo todo jogado por terra".
Em entrevista à ConJur
, ele explicou que são problemas que com o próprio desenvolvimento de
suas atividades vão sendo corrigidos aos poucos. "Eu procuro exaltar o
trabalho de Polícia Federal e eu acho que ele tem que ser exaltado
mesmo".
Na palestra, ressaltou que
esta questão "nem chega a macular todo o trabalho que é feito. Muito ao
contrário, a Polícia Federal, na desenvoltura de seus trabalhos, tem
servido até para modificar e criar instrumentos processuais - eu citaria
o caso do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT)
entre o Brasil e os Estados Unidos da América, aprovado pelo Decreto nº
3.810/01".
Explicou que "a agilidade,
o dinamismo, a velocidade da Polícia Federal e das polícias judiciárias
de todo o mundo ocidental, avançado e evoluído, tem provocado tamanho
dinamismo nas investigações que as Cartas Rogatórias que seriam os
instrumentos adequados para um país se comunicar com o outro não foram
suficientes para atender ou para acompanhar a velocidade investigativa
que a polícia investigativa, que a Polícia Federal e a Polícia Civil têm
imprimido aos seus trabalhos".
Comando da investigação
No único ponto em que a discordância entre os dois palestrantes — o desembargador federal e o procurador de Justiça — poderia aparecer, acabou, de certa forma, havendo confluência de pensamento. Azulay Neto, embora ressaltando o direito do Ministério Público em fazer investigações, defendeu a tese de que a lei não lhe permite contudo presidir inquéritos policiais, atividade típica da autoridade policial.
No único ponto em que a discordância entre os dois palestrantes — o desembargador federal e o procurador de Justiça — poderia aparecer, acabou, de certa forma, havendo confluência de pensamento. Azulay Neto, embora ressaltando o direito do Ministério Público em fazer investigações, defendeu a tese de que a lei não lhe permite contudo presidir inquéritos policiais, atividade típica da autoridade policial.
"O Ministério Público não foi contemplado neste sentido com uma lei que
permitisse presidir inquérito. Uma coisa é produzir atos
investigativos. Isto qualquer um pode, o MP também pode, nos limites da
lei, nos limites da Lei de Organização do Ministério Público, a LOMP,
que o autoriza, inclusive, a requisitar documentos, a proceder a oitiva
de testemunhas. Não há nenhum vicio nisto, nada de errado nisto. Mas
presidir para mim, tenho que não".
Segundo ele, não há duvida de que esta tarefa cabe às autoridades
policiais, "porque há atos investigativos que são privativos da
autoridade policial. Por exemplo, se o Ministério Público Federal — que é
aquilo que nos diz respeito — instaura um procedimento administrativo
investigativo e durante as investigações resolve nomear um perito, não é
possível. A lei não autoriza que a nomeação de perito seja feita pelo
MP. Ela só pode ser feita pela autoridade policial. Outro exemplo, a
escuta telefônica. Admitamos que o Ministério Público Federal ou
estadual entenda que deva se proceder a uma escuta telefônica, ele terá
que solicitar à autoridade judicial e, deferida, a lei é expressa no
sentido que quem supervisiona, acompanha e executa é a autoridade
policial. Se durante uma investigação o MP entender que casos como estes
e outros, atos investigativos devam ser executados ele deverá remeter o
requerimento à autoridade policial que deverá presidir o inquérito até o
seu termo final".
Greco, ao comentar
tais questões, deixou claro que o MP — em especial o de Minas Gerais,
onde atua — não pretende presidir inquéritos, mas sim ter garantias da
continuidade da investigação sem possíveis interferências externas.
"Por que em muitas situações o Ministério Público investiga? Porque os
policiais, os delegados de polícia não têm as garantias que o MP tem.
Isto pode ser que não aconteça com a Polícia Federal, mas nas polícias
estaduais — digo isto pelo meu Estado — o delegado pode estar fazendo
uma investigação brilhante, espetacular, aquele trabalho perfeito.
Infelizmente — no meu estado ainda acontece — um telefonema e no dia
seguinte a investigação acabou e aquele delegado de polícia que estavam
em Belo Horizonte vai lá para Unaí, vai para Caxambu, vai para caixa
prego, mas a investigação acabou".
Baseado nisto é que defendeu que os delegados briguem pelas mesmas
garantias — inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos — que a
Constituição de 88 deu ao Ministério Público. "Acho que a Polícia
Federal, principalmente os delegados da Polícia Federal, tem que brigar
por isto, por garantias. O dia que a polícia tiver as mesmas garantias
do MP, da magistratura, aí o papo é outro, aí muda", concluiu.
Fonte: R7