A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
A
data nacional comemorativa da Proclamação da República que terá lugar no final
da semana, tem um cunho especial para mim. Sou, provavelmente, a única ou uma
das únicas pessoas vivas, cujo pai assistiu à Proclamação da República no Campo
de Santana.
Meu
pai, Floriano de Lemos, homenageado no Gêiser do Parque das Águas, carioca de
nascimento e caxambuense de coração (dito por ele em diversas vezes), nasceu em
9 de novembro de 1885. Naquela época a cidade do Rio gravitava em torno do
Morro do Castelo, com as moradias atingindo os arrabaldes para os lados de São
Cristóvão.
O
Campo de Santana ou Praça da Aclamação ou atual Praça da República tinha o
dobro do tamanho do que é hoje. Seus
limites iam até a Estação da Estrada de Ferro D.Pedro II, rua Senador Pompeu e adjacências.
Minha
avó, como a maioria das famílias, morava na Praça, onde hoje passa a Avenida
Getúlio Vargas. De casa, meu pai atravessava a rua e ia brincar naquele jardim
em frente à casa. Ele tinha uma sobrinha, mais para prima, da mesma idade, que era sua vizinha de
casa: Todos os dias após o café ele e
Dulcinha iam brincar no parquinho da Praça.
Em
15 de novembro de 1889 as crianças foram proibidas de sair devido às
movimentações de soldados espalhados pelos arredores. Meu pai ficou na janela
vendo a tropa à cavalo chegar, gritar, um soldado subiu num poste e arrancou
com sua espada uma bola enfeitada com fitas multicores amarradas em seu topo.
Tudo ficou no chão quando os soldados se retiraram para seus quartéis.
Meu
pai atravessou a rua e levou para casa a bola, as fitas e a coroa deixadas como
lixo. O soldado havia arrancado de cima
do poste, as armas portuguesas. A Bola era o Mundo encimada pela Coroa
Portuguesa; as Fitas tinham as cores portuguesas e entrelaçavam tudo.
Ao
quatro anos de idade meu pai não avaliou o tesouro histórico que tinha
O
tempo passou, o Globo e as fitas ficaram velhos mas a coroa sobreviveu aos
folguedos da infância.
Como
médico, meu pai estudou e tornou-se um cientista, um naturalista com diplomação
Os
anos foram passando, meu pai casou, pai de 2 filhos, e redator do jornal
carioca Correio da Manhã, cujo proprietário era o Dr. Edmundo Bittencourt. No
Governo de Artur Bernardes (1922-1926) o País viveu em Estado de Sítio. O
jornal Correio da Manhã combatia abertamente o Governo de Artur Bernardes e
Edmundo Bittencourt foi seu grande
opositor.
Uma
certa manhã meu pai estava em seu consultório quando recebeu uma ligação
telefônica de seu amigo, cliente e compadre dr. Camilo Soares de Moura. Todos
em Caxambu sabem que ele foi um grande prefeito e benfeitor da cidade.
Ele
foi lacônico e disse: “Compadre, pega sua família sai da cidade já, hoje. A polícia vai invadir
o jornal, prender do porteiro ao dono e mandá-los para a Ilha Grande”.
E
assim, meu pai, mulher e filhos deixaram a casa aos cuidados de minha avó
paterna, e naquela tarde tomaram o trem da Central e partiram. Chegaram ao
final da linha, que era onde começava “O Sertão”. Era a cidade de São José do
Rio Preto, hoje uma grande cidade onde meu pai fundou, na época, a Sociedade de Medicina e Cirurgia,
referência médica nos dias de hoje.
Nela,
meu pai residiu vários anos e formou uma clínica médica das melhores de sua
carreira. Depois de algum tempo, pediu que minha avó fosse despachando, pelo
trem, seus pertences. E foi aí que roubaram os caixotes que continham as pedras
semipreciosas e a Coroa Portuguesa.
Dr.
Edmundo Bittencourt foi levado para a Ilha Grande, em cárcere que enchia d´água
na maré alta. Sua senhora, D.Amália, contou para minha família, e eu estava
junto, sendo ela minha Madrinha de Crisma, como resgatou seu marido, numa
madrugada, em um barquinho de pesca. Tema para um filme de 007.
Rio, 13.11.2020