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sábado, 14 de novembro de 2020

A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA - por Maria de Lourdes Lemos

 A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA

 

Proclamação da República - óleo sobre tela - por Benedito Calixto - Pinacoteca do Estado de São Paulo
 

            A data nacional comemorativa da Proclamação da República que terá lugar no final da semana, tem um cunho especial para mim. Sou, provavelmente, a única ou uma das únicas pessoas vivas, cujo pai assistiu à Proclamação da República no Campo de Santana.  

            Meu pai, Floriano de Lemos, homenageado no Gêiser do Parque das Águas, carioca de nascimento e caxambuense de coração (dito por ele em diversas vezes), nasceu em 9 de novembro de 1885. Naquela época a cidade do Rio gravitava em torno do Morro do Castelo, com as moradias atingindo os arrabaldes para os lados de São Cristóvão.

            O Campo de Santana ou Praça da Aclamação ou atual Praça da República tinha o dobro do tamanho do que  é hoje. Seus limites iam até a Estação da Estrada de Ferro D.Pedro II,  rua Senador Pompeu e adjacências. 

            Minha avó, como a maioria das famílias, morava na Praça, onde hoje passa a Avenida Getúlio Vargas. De casa, meu pai atravessava a rua e ia brincar naquele jardim em frente à casa. Ele tinha uma sobrinha, mais para  prima, da mesma idade, que era sua vizinha de casa:  Todos os dias após o café ele e Dulcinha iam brincar no parquinho da Praça.

            Em 15 de novembro de 1889 as crianças foram proibidas de sair devido às movimentações de soldados espalhados pelos arredores. Meu pai ficou na janela vendo a tropa à cavalo chegar, gritar, um soldado subiu num poste e arrancou com sua espada uma bola enfeitada com fitas multicores amarradas em seu topo. Tudo ficou no chão quando os soldados se retiraram para seus quartéis. 

            Meu pai atravessou a rua e levou para casa a bola, as fitas e a coroa deixadas como lixo. O  soldado havia arrancado de cima do poste, as armas portuguesas. A Bola era o Mundo encimada pela Coroa Portuguesa; as Fitas tinham as cores portuguesas e entrelaçavam tudo.

            Ao quatro anos de idade meu pai não avaliou o tesouro histórico que tinha em mãos. O Globo, virou uma bola para chutar; a Coroa servia para ele ser rei, ou para Dulcinha, uma princesinha; as fitas enfeitavam os cabelos das bonecas e da própria Dulcinha.  

            O tempo passou, o Globo e as fitas ficaram velhos mas a coroa sobreviveu aos folguedos da infância.

            Como médico, meu pai estudou e tornou-se um cientista, um naturalista com diplomação em História Natural, Geologia e Botânica. Foi professor dessas matérias na antiga Faculdade Nacional de Medicina do Brasil, no Rio de Janeiro. Em suas aulas de Geologia usava as pedras semipreciosas e junto delas guardava a Coroa Portuguesa.

            Os anos foram passando, meu pai casou, pai de 2 filhos, e redator do jornal carioca Correio da Manhã, cujo proprietário era o Dr. Edmundo Bittencourt. No Governo de Artur Bernardes (1922-1926) o País viveu em Estado de Sítio. O jornal Correio da Manhã combatia abertamente o Governo de Artur Bernardes e Edmundo Bittencourt   foi seu grande opositor.

            Uma certa manhã meu pai estava em seu consultório quando recebeu uma ligação telefônica de seu amigo, cliente e compadre dr. Camilo Soares de Moura. Todos em Caxambu sabem que ele foi um grande prefeito e benfeitor da cidade. 

            Ele foi lacônico e disse: “Compadre, pega sua família  sai da cidade já, hoje. A polícia vai invadir o jornal, prender do porteiro ao dono e mandá-los para a Ilha Grande”.

            E assim, meu pai, mulher e filhos deixaram a casa aos cuidados de minha avó paterna, e naquela tarde tomaram o trem da Central e partiram. Chegaram ao final da linha, que era onde começava “O Sertão”. Era a cidade de São José do Rio Preto, hoje uma grande cidade onde meu pai fundou, na época,  a Sociedade de Medicina e Cirurgia, referência médica nos dias de hoje.

            Nela, meu pai residiu vários anos e formou uma clínica médica das melhores de sua carreira. Depois de algum tempo, pediu que minha avó fosse despachando, pelo trem, seus pertences. E foi aí que roubaram os caixotes que continham as pedras semipreciosas e a Coroa Portuguesa.

            Dr. Edmundo Bittencourt foi levado para a Ilha Grande, em cárcere que enchia d´água na maré alta. Sua senhora, D.Amália, contou para minha família, e eu estava junto, sendo ela minha Madrinha de Crisma, como resgatou seu marido, numa madrugada, em um barquinho de pesca. Tema para um filme de 007.

 

Rio, 13.11.2020