PROTEGER
E PROGREDIR
Por Maria Lemos
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Arquivo Palace Hotel |
O tombamento das águas do Parque
condena a cidade a parar no tempo? A preservação do entorno abrange apenas a
área próxima das fontes ou seus limites
podem ser mais amplos, ultrapassando os do Parque? O que se entende por bem
tombado? A legislação brasileira dispõe de vários diplomas sobre o assunto.
A lei no
3.071, de 1o de janeiro de 1916, intitulada como Código Civil
Brasileiro “Regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às
pessoas, os bens e às suas relações”. O capítulo III define bem público e os
enumera como: os de uso comum do povo, os de uso especial; os dominicais. A
classificação assentou-se no critério subjetivo da titularidade e ao adotá-lo teve
em vista a simplicidade doutrinária e a necessidade de um sistema prático de
disciplina, o que foi seguido pelas Constituições Federais subseqüentes.
O decreto-lei no 25, de
30.11.37, “Organiza a Proteção do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”. O ato de tombar um bem, para sua
proteção, é uma restrição parcial do direito de propriedade realizada pelo
Estado com o fim de conservar bens móveis e imóveis de interesse histórico,
etnográfico, artístico, arqueológico ou bibliográfico.
O
tombamento pode ser entendido, simultaneamente, como fato ou como ato
administrativo. Como fato, é uma operação material de registro de um bem
efetivado pelo agente público responsável pelo Livro do Tombo. Como ato, é uma
restrição imposta pelo Estado ao próprio direito de propriedade, tendo em vista
conservá-la por causa do seu valor arqueológico, etnográfico, paisagístico,
histórico, artístico ou bibliográfico, como um bem representativo da memória ou
da criatividad
A
lei no 4.771,
de 15.9.1965, “Institui o Código Florestal Brasileiro”. Ela teve modificações
introduzidas pelas leis nos 5.551, de 7.7.86 e 7.803, de
15.9.89. O referido Código, em seu art.
3o , considera a preservação permanente, quando assim declarado por
ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural
destinadas a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou
histórico.
A
lei no 6.513, de 20.10.77, e sua regulamentação pelo decreto no
86.176, de 06.6.81, “Dispõe sobre Área Especial e Locais de Interesse
Turístico”. No artigo 2o abordando os Locais de Interesse Turístico,
são citadas “...as fontes hidrominerais aproveitáveis...”
Um bem para ser tombado deve encerrar um significado que
mereça ser preservado por causa do seu valor quer histórico, artístico,
paisagístico, etc. Esse significado é reconhecido pela cultura. Um país, um
Estado, uma Administração que tenham cultura protegerão os acervos tombados. Só
os espíritos cultos reconhecem e dão
valor aos tombamentos.
Caxambu,
como a maioria das cidades brasileiras, passa por momentos difíceis quando é
preciso promover o progresso da urbes sem afetar o meio ambiente. A preservação
de uma cidade não implica em renegá-la a
um estacionamento no tempo com o
progresso e a cultura fechando os olhos para a modernidade.
Preservar um bem atípico, como são
as estâncias hidrominerais, é ter os olhos atentos nos fatos passados para
traçar no presente o futuro que se
deseja deixar para os seus. É correta a frase que diz que o passado é a chave
do presente, assim como o presente será a chave do futuro.
O solo dessas cidades
encerra o resultado de uma série
de fatores onde, há muitas centenas de anos, a geografia, geologia, meio
ambiente, clima, etc. interagem na
mineralização das águas. Esses fatores são importantes e imprescindíveis na
conservação e manutenção das fontes de um parque e deverão, portanto, merecer
tratamento prioritário das administrações municipais.
Um predicado importante no estudo das águas minerais é a
termalidade. Os romanos davam muita importância à água termal e, durante seis
séculos, construíram “Termas” para
seus banhos medicinais e relaxantes.
São nos terrenos
vulcânicos, quer antigos (no caso de Caxambu) ou novos, que se encontram a
maioria das fontes termais. Durante centenas de anos as águas se infiltram no
interior do globo, tornam-se quentes e passam a vapor, segundo a profundidade
em que estão. O grau do calor vai depender da natureza e da profundidade das
terras. O vapor aquoso, por pressão, é mandado de baixo para cima e passa para
o estado líquido ao atravessar camadas terrestres superiores mais frias.
Essas águas se mineralizam durante o trajeto dissolvendo
princípios solúveis formados ou que se formam com sua intervenção, e acabam
brotando onde o solo permite. Elas são como tipos de sondas que nos trazem do
centro da terra amostras dos princípios de sua composição. A mineralização é
realizada por via de dissolução, direta ou indireta, pela ação dissolvente da
água, ou por agentes como o calor e a pressão.
Como as águas circulam sem parar pelas diversas camadas
do globo, elas comprovam continuamente
as modificações em suas naturezas; seus trajetos, mais ou menos longos,
percorrendo pelo subsolo antes de emergir na superfície, o abaixamento das temperaturas
à medida que se aproximam da atmosfera, a diminuição da pressão e a presença de
princípios minerais, poderão modificar profundamente a constituição de suas
águas. Tudo isso explica a grande diversidade que se constata na natureza das
águas minerais, mesmo aquelas que pertencem a um mesmo grupo (como águas
ferruginosas, bicarbonatadas, etc.).
Quanto mais profundamente se originam as águas no seio da
terra, tanto mais alta será a temperatura que se elevará a 1o para
cada 33 metros
de profundidade. Assim, se tomarmos como exemplo o gêiser, Fonte Floriano de
Lemos, com água a 27o de
temperatura, calculamos sua origem a 891m de profundidade, que não estará,
obrigatoriamente, na vertical, podendo encontrar-se numa extensão de dezenas e centenas de metros
adiante dos limites atuais do Parque das Águas. Só o estudo do solo poderá
precisar o local da origem da fonte.
Esse exemplo serve para mostrar como a preservação do
entorno é importante para as fontes de águas minerais. Qualquer construção que
se vá erguer no perímetro urbano, e mesmo fora dele nos arredores da cidade,
deverá ser precedida por um estudo do solo. Se houver um corte profundo, um
rebaixamento do lençol freático, uma mutilação na mata, uma compactação
violenta no solo, um derramamento de substância nocivas à saúde (produtos
químicos de fábricas, etc.) que entrarão no trajeto das águas em seus percursos
pelo subsolo, serão interferências que deverão ser evitadas ou monitoradas, no
caso de terrenos como os de Caxambu.
O meio ambiente é uma interação onde agem o clima, o
regime de chuvas, a flora, a fauna, todos atuando junto com o solo, onde as
rochas recebem a água que se infiltra até encontrar resistência. Em seu
trajeto, tanto de ida como de volta, ela vai sofrendo e provocando reações
químicas, pressão, etc. e quando emerge é o resultado vindo do imenso
laboratório e cozinha que é o centro da terra.
Cada fonte mineral é o resultado de
um percurso feito; tantas fontes diferentes, como são as do Parque de Caxambu,
espelham os diversos caminhos por que passam. Sendo o Parque uma área pequena
com 13 fontes distintas de sabor,
mineralização e aplicações terapêuticas, suas
águas demonstram que percorrem camadas geológicas diferentes, devendo
para tal terem feito o trajeto a dezenas de quilômetros de distância de onde
emergem.
O progresso deve andar junto com a
preservação e o grande auxiliar é a cultura. É ela que ajuda nos projetos para uma preservação
progressista. Uma cidade pode conviver com o moderno e o antigo na medida em
que cada um obedeça seu espaço, seu limite. É o que se vê em cidades
centenárias e modernas, como a maioria das europeias e asiáticas. Elas se
modernizam, se adaptam ao novo, mas guardam suas características originais: há
um orgulho em cultivar e preservar o passado.
Na inteiração com
o meio ambiente é importante ressaltar que o visual, a arquitetura, a
urbanização das ruas e dos prédios não devem destoar dos demais quesitos
citados acima. Não é difícil constatar que, em regiões com fontes de água
mineral, prédios baixos com 1, 2 e 3
andares terão fundações e estruturas compatíveis com a vulnerabilidade do
terreno e dos cuidados com o solo. Bem diferente é o que acontece com prédios
altíssimos, como os que foram erguidos em Caxambu. Tudo é uma
questão cultural onde o conhecimento abre a visão daqueles que se interessam
por sua cidade, colocando de lado o interesse e a especulação imobiliária.
O progresso nas estâncias hidrominerais, geralmente
situadas em regiões montanhosas e com
clima privilegiado, não deve ser direcionado para copiar os grandes
centros urbanos. Ao querer viver uma vida citadina, abandona-se o que essas
regiões têm de maravilhosas (qualidade de vida, clima, água, etc) e se vive uma
vida sem definição (nem cidade nem campo).
Qualquer
tombamento, seja ele de prédio, jardim, parque, praça, etc., se tiver
respeitado os itens que direcionaram sua preservação, não terá que estacionar
no tempo e no espaço. O progresso também é um bem que deve ser cultuado. A
cultura é a maestrina que deverá ditar os trâmites dessa simbiose “proteção com desenvolvimento”.
Rio,
01.11.2005
Publicada no Jornal “Destaque”, de novembro de 2005.
Colaboração: Pepe