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quinta-feira, 11 de abril de 2013

Pequenas escolhas
por Lully Piva 





Eu e essa minha mania de achar que a vida do outro lado da minha janela é mais interessante… Outro dia comparei minha vida com a do o carteiro, cuja rotina é entregar cartas com notícias, contas de telefone e resultados de exames.

-Essa coisa não cansa, mesmo sendo de bicicleta?!

O que mais me incomoda é a janela de Alice, nunca deixa de me dar bom dia e espalhar sorrisos pela manhã.

O café sempre está pronto às 7 e seu humor é pontual como a sua ironia.

Como pode ter ânimo pra caminhar, levar os filhos pro colégio, cachorros pra passear e ter tempo de ser tão bela?

Tão simpática a filha da mãe que arranca suspiros do padeiro, do carteiro e de gente que nem respira.

Penso que deve ser amada todas as noites, tratada como uma pétala e ser desejada sempre.

Nunca vi um sorriso amarelo naquela criatura, aqueles dentes brancos um pouco separados sempre saltam a cada palavra terminada.

Me pergunto o quanto ela é feliz e o quanto é amada.

Um dia me aventurei em saber o que deixa essa mulher tão agradável e tentei descobrir seus segredos. pensei em talvez ser como ela.

Acordei cedo, fiz um café, que saiu forte, comprei pães e levei meu poodle pra passear.

Encontrei-a no caminho e disse:

-Bom dia Alice!

Ela sorriu levemente e respondeu: – Bom dia!

Foi a palavra tão saltada e falada que não traduzia nenhuma alegria e sim dor.

-O que houve, mulher? Acordou de calça jeans?

Ela virou e me disse:

-Não, eu hoje nem dormi. E virou novamente. Notei um grande corte em seu rosto, marcas e arranhões por todo o corpo.

-O que aconteceu, menina?

Ela começou a chorar e a levei pra casa.

Chegando logo me contou sua história em prantos dizendo que era a quinta noite que Carlos, seu esposo, a agredia, e ela tentava fugir pra que não a matasse de pancadas.

Me assustei, e tive muita raiva daquele homem infeliz e um pouco de impaciência com Alice por estar com um cara que não a merecia.

-Ele disse que se eu fugir ele me caça em qualquer lugar.

Tomei muita dor comigo com aquela conversa e nela um carinho quase fraterno.

-Obrigada por me ouvir, me sinto muito feliz por poder contar com você.

A mulher que eu admirava estava me agradecendo pelo meu consolo.

-Queria ser forte como você e mandá-lo embora da minha vida!

Força? Ela disse força e eu me sinto tão fraca, tão indecisa com meus problemas e solidões… porque será que aquela mulher escolheu a mim pra humilhar??

Hoje me sinto ainda mais fraca e suja, diante dela tão linda, amável, simpática e cheia de sonhos mesmo sabendo que alguém pode roubá-los a qualquer momento.

Eu com todos os meus projetos não terminados no computador por apenas preguiça, meu marido que tanto trabalha e diz todos os dias que me ama e que se dedica todos os dias só pra mim….

Fiquei sem saber o que pensar e nem o que dizer.

-Preciso ir. Obrigada por tudo!

-Não há de que, estou com você, menina.

Admiro muito mais Alice agora, sendo forte, tendo muitos problemas e sorrindo.

Tenho vergonha de todas as vezes que reclamei do atraso de meu pagamento, dos cachorros que latiam, da minha rotina, que não mudo porque não quero…

Vergonha de que quando meu marido chega e seu café não está pronto, nem os pães estão na mesa.

Todas essas vezes a vida de Alice foi difícil, fácil, tranqüila, complicada, amarga e todas as manhãs fazia da sua vida uma festa.

Todas essas vezes a minha vida foi difícil, fácil, tranqüila, complicada, amarga e todas as manhãs eu abria pra minha vida aquela pequena e turva janela.

As vidas aparentemente são parecidas, e as pequenas escolhas que fazemos a cada dia mudam completamente o que temos dela.

A capacidade de reclamar e agradecer por cada minuto gasto e pelo ar que se respira é totalmente igual.

A força que colocamos nas nossas escolhas podem nos fazer flutuar ou afundar.

As janelas estão sempre prontas para olhar, limpar e fechar.

Se eu pudesse dar um conselho eu diria:

Nunca escolha as pequenas e turvas janelas!


Fevereiro 14, 2013