AVANT SUPERMERCADO - CAXAMBU

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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Documento Histórico - Relato das dificuldades e impressões de um "aquático" sobre uma viagem para Caxambu no Séc XIX



Matéria extraída do Jornal GAZETA DE NOTÍCIAS ( RJ ) 
Textos compilados pelo: PEPE
EXCURSÃO PELO SUL DE MINAS
Maximino Serzedello.
Primeira-Parte: GAZETA DE NOTICIAS - Domingo 1 de Junho de 1884


Locomotiva Séc XIX - imagam meramente ilustrativa

Caxambu, 15 de Maio de 1884.
Bem diz o refrão que a necessidade é a mãe de todas as virtudes. E, na verdade, só mesmo quem estiver a morrer do fígado é capaz de arriscar-se a uma viagem da Corte até Caxambu.
Os que manuseiam os roteiros de viagem que por aí correm impressos, pensam talvez que um passeio até estas paragens deve ser uma coisa agradável, deliciosa, esplendida: ver montanhas enormes, serras intermináveis, rios imensos e caudalosos, uma vegetação luxuriante e opulenta, um paraíso finalmente ! Pois enganam-se os que se fiam nos roteiros e nas informações dos viajantes que nunca saíram da Rua do Ouvidor e quando muito,  foram á Tijuca ou ao Jardim Botânico, comodamente recostados nos bancos dos bondes.
Nada do que se diz por aí é exato. Os caminhos são verdadeiros precipícios, o diabo, uns impossíveis.
O enfermo que toma o trem na estação do campo de Sant’Anna, com destino ás da Boa Vista ou Cruzeiro, até a qualquer delas vai bem; mas dali por diante, pai da minh’alma, que horror, que suplicio !
Não quero com estas linhas espantar os aquáticos que tem de vir a Caxambu, curar-se das enfermidades de que estão atacados: senão descreveria ipsis verbis a excelentíssima viagem que fiz, que fazem e farão todos os aquáticos, como aqui chamam aos visitantes de Caxambu: mas como a coisa é boa, devem todos ter o seu quinhão.
De maneira que da noite para o dia muda-se a raça e a espécie a um cidadão e passa-se a ser anfíbio, pato, etc., sem mais aquela se sem ao menos consultar-se a vontade do agraciado, que tem de conformar-se com o apelido.
Eu já não sou um homem; sou um jacaré, um ganso, um pato qualquer, bem contra a minha vontade, mas sou. Aqui nem sequer há autoridades a quem a gente se possa queixar.
Caxambu apenas tem uns oito ou dez aquáticos; os outros bateram a linda plumagem e só voltarão lá para agosto ou setembro, que é o tempo da influencia dos quem vem curar-se e dos que vem por vicio, sendo este em maior número.
Mas, como ia dizendo, Caxambu está situado em uma grande vargem, atravessada pelo córrego Bengo, um dos afluentes do rio Baependi, que corta a povoação, passando por junto das fontes das águas virtuosas.
Rodeada por colinas esplendidas e morros bastantes altos, entre os quais eleva-se o imponente e majestoso morro de Caxambu, está a povoação d’este nome. O morro de Caxambu, cuja altura é estimada em mais de 200 metros, oferece um panorama deslumbrante aos olhos dos que conseguem subir até ao seu cimo, o que se faz com alguma dificuldade, visto ser ele pouco acessível.
O clima é dos melhores, em todas as estações do ano: sempre fresca a temperatura, uma primavera eterna: o céu, sempre límpido, e, à noite, iluminado pelas constelações que brilham no firmamento de safira que cobre este torrão abençoado e desprezado pelos poderes públicos.
O Caxambu dista da cidade do Rio de Janeiro 54 léguas, de Ouro Preto 44, da estação da Boa Vista, na estrada de ferro, D. Pedro II 15 e outras tantas da do Cruzeiro, da cidade da Campanha 11, da do Pouso Alto 5, da Conceição do Rio Verde 4, da Soledade, na estrada de ferro Minas and Rio 3, e de Baependi, de onde é freguesia civil ¾ de légua. A altura, acima do nível do mar, da povoação do Caxambu está calculada exatamente em 900 metros.
Pelas suas excelentes aguas minerais, pelo seu clima e pela uberdade do seu solo, está sem dúvida esta freguesia talhada a ser, dentro em poucos anos, uma importante vila, tendo, entretanto, os elementos e requisitos indispensáveis para uma boa cidade do interior.
Parece incrível, mas quem vier a Caxambu, poderá dar testemunho do grande atraso em que acha esta infeliz povoação. Desde muito tempo, luta a população para ver se consegue dos poderes provinciais ou gerais alguns melhoramentos de imprescindível necessidade, e de quanto carece.
Mas tudo em vão; e se alguma coisa há feito, é devido aos visitantes e a alguns moradores influentes do lugar.
Vamos tentar chamar ao cumprimento dos seus deveres os manda-chuvas da província, ou os mandarins d’este celeste império do pode ser que sim,  pode ser que não.
A povoação do Caxambu tem um aspecto agradável, e muito a embelezam os morros que a rodeiam. Antes da sua importância, houve aqui um tremedal medonho que foi pouco a pouco aterrado, de forma a tornar-se habitável, o que até então não era.
Tratando-se de saber alguma coisa a respeito da descoberta do lugar em que se acham as fontes de águas minerais, foi-me impossível encontrar, não havendo mesmo nas pessoas antigas uma só que me pudesse dar informações exatas. Cada um conta a história a seu modo ou como pode.
A hoje povoação de Caxambu pertenceu ao fazendeiro sargento-mor Antonio de Castro; data de 1814 a descoberta das fontes de aguas minerais por dois campeiros, que em busca de animais fugidos da fazenda de D. Luiza Francisca Sampaio, internaram-se pela mata até a um grande brejo por onde era impossível seguir. Parando na fralda do hoje morro de Caxambu, viram que ali havia uma pequena poça cuja agua, na opinião deles fervia. Tinham alguma sede, e, ou por curiosidade, ou para mitiga-la, provaram da agua e reconheceram ser horrível o seu sabor.
Logo que chegaram á fazenda referiram o fato que eles vinham de presenciar a D. Luiza Sampaio que, tendo em sua casa hospedado um naturalista estrangeiro, comunicou-lhe o ocorrido, pedindo-lhe que fosse ver a tal água.
O naturalista que segundo afirmam, era o Dr. Carlos Martius, fez-se transportar ao lugar, e, depois de um minucioso exame, declarou ser férrea aquela agua, e um poderosíssimo remédio contra a opilação e outras enfermidades do fígado e estomago.
A propósito do naturalista que primeiro examinou a agua em questão correm muitas versões; uns querem que tenha sido o sábio naturalista Dr. Lund, há pouco falecido, outros o viajante Saint-Hilaire. Qualquer que tenha sido, o que é certo, é que os afirmam ter sido o Dr. Martius, são em maior número.

Segunda-Parte: GAZETA DE NOTICIAS - Sexta-Feira 13 de Junho de 1884
Caxambu, maio de 1884
Quem não conhece Caxambu, e ouve, como eu e outros que aqui nunca vieram, falar dele, julgam-no uma importante cidade ou uma vila, cuja prosperidade assombra. Pois enganam-se; não é nem uma nem outra coisa, e isto por culpa dos governos geral e provincial, que nenhum caso fazem de um lugar que, como este, dá ao Império e á província súbita importância, pelas suas mais que excelentes águas minerais.
O governo geral, a quem pertence aquela aprazível localidade, deve olhar para ela, de forma a não desaparecer, de todo, aquele recurso aos que necessitam dele para alívio dos seus padecimentos. Em completo estado de abandono estaria toda aquela preciosidade, se muitos dos que ali tem ido encontrar saúde, em gratidão, não lhe fizessem qualquer beneficio.
Os negociantes e moradores abastados do lugar cansarão um dia de gastar dinheiro com a limpeza, pintura e conservação das fontes, e os visitantes também, e a utilíssima região do Caxambu desaparecerá forçosamente, o que será uma vergonha para os governo geral e provincial, que nada tem feito que seja digno de nota, a não serem os impostos e posturas municipais, que a ninguém perdoam.
A viagem que é preciso fazer para chegar até ás águas, é penosíssima e cheia de dificuldades, pelos ruins caminhos existentes entre Boa-Vista e o Caxambu.
Com a inauguração do tráfego da Estrada de Ferro Rio And Minas será mais fácil a viagem até o lugar denominado Soledade, no quilometro 89 daquela estrada. Deste lugar até Caxambu há três léguas mineiras bem puxadas, que se tornam maiores pelos terríveis e medonhos caminhos, quase todos de subida e descida de morro, estando a estrada intransitável. Esta viagem é preciso fazer-se á cavalo ou de liteira, visto não poder ser feita em troles, ou de outra forma.
A assembleia provincial de Minas foi apresentado e aprovado um projeto do Sr. Deputado comendador José Pedro Américo de Mattos, concedendo mil contos de réis á empresa da Estrada de Ferro Rio and Minas, para fazer um ramal da Soledade até Caxambu.
Diversas explorações foram feitas, e aí se ficou, porque a companhia inglesa quer mil e duzentos contos para começar a obra; e como ninguém se mexeu até agora a coisa ficará no mesmo.
É ocasião de perguntar ao governo por que não entra com o restante, no que prestará um beneficio enorme ao lugar dando-lhe impulso, que é o que lhe falta, e oferecendo mais comodidades aos que tem imprescindível necessidade de ali ir anualmente.
Desta forma, a viagem se faria em um dia, comodamente, e muito mais barata do que atualmente pela Boa Vista, em cuja viagem se gasta três e mais dias, por montes e vales e por um preço, tanto de ida como de volta, quase igual ao que se paga a bordo de um paquete para a Europa.
Já que o governo geral nenhuma importância liga á importante povoação de Caxambu, para a qual tem sido mais um elemento de destruição do que outra coisa, entregue-a á administração da província, que, com certeza, por meio dos seus representantes na assembleia, sempre fará qualquer coisa, ao menos em beneficio das fontes.
Relativamente a estas, há um privilégio concedido a um médico de uma cidade próxima para melhoramento das fontes, construção de um estabelecimento balneário, etc., etc. Até agora nem um passo foi dado ainda pelo concessionário para levar a efeito a empresa.
Este estado de coisas não deve continuar, atenta a concorrência de doentes que de todas as partes e todos os anos afluem aquelas águas, á procura de alivio a seus sofrimentos.
Com a abertura do tráfego da Rio and Minas, essa frequência tem forçosamente de atingir a um algarismo elevado, visto a grande facilidade de comunicações.
Contrista ver o estado de abandono daquela localidade. Ao visitante que ali chega, causa uma impressão desagradável de ver a bela e extensa praça, onde se acham as fontes, servindo de pasto a centenas de animais de toda a espécie que estragam as poucas ruas que servem de passeio e exercício aos doentes em uso das águas.
A câmara municipal de Baependi, segundo me informam, é de uma negligência deplorável a tudo  que diz respeito aos progressos daquela povoação. Os habitantes do Caxambu já pediram, em uma representação dirigida á câmara, providencias para cortar o abuso de criarem-se animais em praças e ruas públicas.
Até agora esperam solução, e esperarão, porque só a terão lá para as calendas gregas, como é costume nesta abençoada terra do café e das verdades do orçamento.

Terceira-Parte: GAZETA DE NOTICIAS - Terça-Feira 15 de Julho de 1884
Caxambu, maio de 1884
Isto aqui no Caxambu é a terra dos abusos e do pouco caso por tudo quanto diz respeito á higiene e conservação do lugar, em um estado, quando não próspero, ao menos decente.
Além do que me disse na carta precedente, e dos abusos que apontei, há um outro que também está na alçada da câmara municipal, suprimir de uma vez para sempre: é a matança do gado para consumo, dentro da povoação e á vista de toda gente. Note-se, aqui não se conhece o que seja um matadouro, nem como se abate uma res em pouco tempo, sem fazer sofrer muito o pobre animal.
O processo seguido e que eu presencio todos os dias, é este: amarra-se a res a um poste ou a uma árvore, em qualquer rua, praça ou quintal, e depois de abatida é esquartejada, e, conduzidos os quartos ás costas de homens, para qualquer casinha sem ar e sem luz, a que chamam açougue, e aí vendida.
O sangue e os restos, não aproveitados, da res morta lá ficam no lugar, expostos ao sol e ás chuvas, ou atirados dentro de uma pequena vala, como tivemos ocasião de observar, exalando um mau cheiro insuportável, tornando quase impossível em certas horas, o transito pelas ruas onde aprouve ao açougueiro abater a sua res.
E dizer-se que todos os dias, por ali passam vereadores que nada vêm e nada sentem.
O que há ainda a admirar-se em tudo isto, mais do que a indiferença da câmara municipal, é não haver ainda se desenvolvido na povoação alguma epidemia.
O atual presidente da câmara municipal é homem, segundo me informam, de vistas largas e versado em administração municipal, deputado provincial pelo Turvo e um distinto advogado daquele foro: cheio de força de vontade e de iniciativa, já podia ter proposto algumas posturas no sentido de reprimir aquele e outros abusos que aqui se praticam e muito depõem contra a municipalidade, em cuja alçada está a povoação do Caxambu.
As ruas de Caxambu estão mal conservadas, não tendo nem calçamento nem lajedo.
Não há digno de nota a não serem as fontes e o clima, que não pode ser mais saudável, nem acredito que o haja melhor em toda a província.
A povoação de Caxambu, logo que anoitece, fica mergulhada em trevas; não há uma luz, apesar de se encontrar de espaço em espaço os postes com lampiões para a iluminação a querosene; a povoação só tem luz quando o majestoso astro da noite, atirando para o lado o seu manto de nuvens, vem felicitar os caxambuenses, com os seus raios benéficos e brilhantes.
Fora disso, andam todos as cabeçadas e aos tombos pelos buracos e sulcos abertos nas ruas pelas chuvas e pelas rodas dos carros rinchadores da roça, única música que se ouve, durante o dia, de instante a instante.
O Sr. Comendador José Pedro Américo de Mattos, digno presidente da municipalidade, aparece de vez em quando na povoação para ver o seu estado, e diz nada poder fazer a câmara municipal de Baependi, em beneficio de Caxambu, por não haver dinheiro nos cofres municipais, e ser o seu orçamento insignificante e de nenhuma renda.
Atualmente está a municipalidade, por iniciativa do seu presidente, mandando reparar uma ponte, sobre o córrego Bengo, e que dá passagem para a estrada que vai a Baependi.
Depois deste conserto, que com certeza durará muitos anos, nada mais se fará em Caxambu, apesar das grandes promessas para o seu beneficiamento.
Falei na carta precedente em um privilégio, a respeito das fontes, e agora tenho mais algumas informações á cerca do mesmo.
O concessionário é o Sr. Veiga, da cidade de Campanha que o vendeu ao Sr. Lavadera, por 48:000$, sendo 10:000$ á vista e o resto em letras.
A concessão caducou no fim do mês de abril, e já há muitos pretendentes á nova concessão. Com certeza ela será dada a quem mais padrinhos tiverem, e o felizardo fará como os outros, vendê-la-á.
Isto, sobre ser um procedimento pouco digno de imitação, é um escândalo, que se torna maior pela circunstância de fazerem-se estas concessões a quem nem tem capitais, nem forças para organizar companhia, levantando os dinheiros necessários á gigantesca obra projetada nos contratos por todos que querem a fatia.
Não há hoje quem arrisque capitais em empresas, cujos resultados sejam duvidosos, como o é o das aguas, pelas obras de encher o olho, que os Srs. Negociantes de privilégios prometem executar.
Por que a assembleia provincial e administração da província não tomam a si o encargo de executar aquelas obras tão reclamadas ? Talvez lucrassem mais com isso, do que com o presente que faz constantemente de privilégios para negócios aos seus afilhados e apaniguados.
Caxambu tem uma população superior a 300 pessoas, com cerca de 150 casas, sendo 19 do comércio de gêneros da terra e molhados, três casas de fazendas, ferragens, armarinho, louça, molhados, medicamentos e preparados estrangeiros, gêneros do pais e outros objetos; uma farmácia, dois hotéis, um do Sr. João Carlos Vieira Ferraz e outro do Sr. Constâncio Ferreira.
Na próxima carta tratarei ainda de Caxambu e da decadente cidade de Baependi, cujo estado lastimoso contrista.

Quarta-Parte: GAZETA DE NOTICIAS - Domingo 20 de Julho de 1884
Em Caxambu há dois médicos, o Dr. Enout e o Dr. Polycarpo Viotti, ambos formados em 1872 pela faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Houve um tempo, no terreno em que se acham as fontes, uma casa destinada para banhos, o que hoje tem aplicação diversa, pelo estado em que se acha, sendo antes uma armadilha que uma casa em ruínas.
Aquela arapuca conserva-se ainda ali para atestar o quanto os governos geral e provincial fazem caso de Caxambu.
Os vereadores sabem do estado em que se acha a arapuca, mas passam por ela como as raposas quando vêm a uva verde.
Tudo o mais está n’este belo gosto;  e dizer-se que anualmente concorrem a Caxambu de duas a três mil pessoas, que mas ou menos dão interesse ao lugar, e nada se faz em benefício de uma localidade tão procurada e de tão grande futuro ?! Se o governo lhe desse um arzinho de sua graça, ou uma insignificante migalha do que esbanja por conta do tesouro para proteger afilhados e vendedores de privilégios, talvez isto prosperasse.
O governo a única coisa que fez ao Caxambu, foi mandar uma comissão de médicos em 1873, examinar e classificar as fontes, e isto porque o então ministro do império Sr. Conselheiro João Alfredo tinha de vir fazer uso das aguas e não queria enganos.
A comissão examinou e classificou as fontes que muito bem quis, e deixou outras, cuja aplicação não é conhecida, porque ninguém faz uso das suas aguas: diz-se que são sulfurosas e férreas, mas ninguém se atreve a ir bebê-las.
Compreende-se perfeitamente o plano: era um novo exame, e nova maquia.
As fontes estão dentro de pequenos e elegantes chalets, feitos á custa dos visitantes e moradores do lugar, que, além de concorrerem para a construção das casinhas que os guardam ainda mandam-nas pintar e limpar anualmente, conservando-as sempre asseadas os empregados do Hotel João Carlos.
O córrego Bengo e valetas para o escoamento das aguas pluviais e as que só escapam das fontes, são também tratados e mandados desobstruir pelos moradores e aquáticos, e o governo nem sabe d’isso.
A povoação de Caxambu não tem nem igreja, nem cemitério. Já tem sido oferecida por alguns aquáticos a quantia necessária para compra do terreno e edificação de cemitério; mas a câmara municipal não que fazer a obra nem aceitar o dinheiro, porque aquele melhoramento se opõe o vigário de Baependi.
Os que morrem em Caxambu são enterrados em Baependi, distante da povoação três quartos de légua, sendo a condução feita á mão, durante o dia e com sol, o que, sobre ser inconveniente, é uma maçada de todos os diabos, pela caminhada por uma estrada de subidas e descidas.
O horror aqui pela varíola é tal, que o infeliz atacado d’ela morre á mingua, e o seu corpo fica abandonado, como já tem sucedido, chegando os urubus a devorar o cadáver.
O vigário de Baependi, segundo me contaram aqui, não consente o enterramento dos variolosos no cemitério d’aquela cidade, com medo que o mal se propague, provavelmente aos que já lá estão descansando das fadigas do mundo. Realmente é duro, depois de morrer, ainda apanhar bexigas !
Não há um padre na povoação; quem quer ouvir missa, ou tem necessidade de algum sacramento da igreja, ou vai a Baependi, ou fica sem ele. No entanto, existe uma capelinha sob a invocação de Nossa Senhora dos Remédios, que está fechada, porque não tem utilidade alguma.
No Banco do Brasil há quantia superiora 50:000$ para a construção de uma igreja, produto de subscrições, mas os mandões de Baependi não querem que se faça a igreja, no que estão no seu direito, a terra é deles; mas o dinheiro não sai do banco senão para o que lá está a render juros.
Imaginem os leitores que terra e que administração. Sem vida e sem auxílio de parte alguma vai a rica região do Caxambu, como a de todo o sul-mineiro, caminhando ao Deus dará; os políticos só se lembram que existe esta parte da província, quando há eleições, como ultimamente.
Depois das eleições, o que apanhar a aposentadoria perpetua, o que segurar o seu fogão na Sibéria da rua do Areal, mandará á fava os importunos que lhe pedirem proteção para esta região esquecida e falha de recursos.
As mulheres em Caxambu fazem tudo; os homens, a não serem os caipiras, ou os empregados dos estabelecimentos, pouco ou quase nada fazem.
Empregam-se as mulheres nos serviços domésticos e no fabrico de cigarros, de doces de pêssego e marmelo, que são excelentes, e no licor de pêssego, que é preparado de um modo especial e agradável ao paladar. Este licor foi premiado em duas exposições, na nacional de 1875, e na dos Estados Unidos de 1876.
Os principais produtos que se vendem e se cultivam, são os cereais, fumo, cana de açúcar e café. É pequena a criação de gado, e esta mesma e para consumo. Fazem-se alguns queijos e rapaduras, não sendo para exportar, atenta a carestia da condução.
A alimentação é boa e pouco variada, pela falta absoluta de viveres; carne de vaca, porco, carneiro, frangos, arroz, feijão, ovos e ervas e outros legumes, eis o pão nosso de todos os dias.
Os aquáticos vingam-se em andar desde pela manhã até á noite, de copo em punho e pão comprido, do aposento para as fontes e destas para as casas de negócio próximas, onde com facilidade se relacionam.
Os divertimentos consistem em jogos de cartas e bilhar.
Em Caxambu joga-se o lansquenet, despropositadamente, havendo inúmeros exemplos de aquáticos, que vem ricos e saem depenados, e na maior pindaíba.
Eis o Caxambu tal que é e será, enquanto o governo fizer por ele o que até aqui tem feito.
Na próxima carta falaremos de Baependi, tão bom ou pior ainda que a povoação de Caxambu.

Quinta-Parte: GAZETA DE NOTICIAS – Segunda-Feira 29 de Setembro de 1884
A cidade de Baependi, distante da povoação de Caxambu ¾ de légua, é uma das mais antigas do sul da província de Minas e conta mais de 150 anos.
Por alvará régio de 2 de agosto de 1752 foi a povoação de Baependi elevada a freguesia; por outro de 19 de Julho de 1804 a vila; e pela lei provincial de 2 de Maio de 1856 instalou-se como cidade.
A comarca compõe-se de Baependi com quatro freguesias: a de Santa Maria ( cidade ), São Sebastião da Encruzilhada, São Tomé das Letras e Nossa Senhora da Conceição do Rio Verde. Caxambu também é freguesia do município, tem foros civis, e ainda não foi canonicamente estabelecida.
A comarca eclesiástica tem sua sede em Baependi, onde reside o vigário foraneo, o Reverendo e ilustrado padre Marcos Pereira Gomes Nogueira, e compreende a comarca do mesmo nome e as da Cristina e Pouso Alto.
Pelo recenseamento feito em 1873, que, como o de 1871, foi a bico de pena e por cálculos, era a população de cerca de 23.000 almas, das quais 16.000 pertencentes ás freguesias da cidade e de São Sebastião ( cujo território pertencia então á primeira ) e as restantes 7.000 almas ás freguesias de São Tomé, de Conceição e Caxambu.
Hoje estas freguesias devem estar com a sua população consideravelmente aumentada.
A cidade de Baependi, vista de certa distancia, tem uma linda perspectiva. Edificada na encosta de uma montanha, um pouco íngreme, quem a vê de longe julga-a uma maravilha: assemelha-se a uma cidade pertencente a algum cantão suíço: tal é o aspecto que apresenta a quem avista de longe. Apenas se entra pela primeira rua, começa-se a desvanecer a ilusão em que está o viajante, que  pensa ir encontrar ali coisas assombrosas e até fantásticas.
A igreja matriz, rodeada de muitas casas, destaca-se, fazendo um belo efeito, com a sua construção de tijolos vermelhos, que parecem divididos pelos cordões brancos de cal que os unem e seguram. Um sem número de casas se  estendem á direita e á esquerda, por diante e por traz da igreja como para iludir ainda mais a visita do turista, que á proporção que se a próxima daquela pequena Golconda, vai deixando pelo caminho as ilusões e a esperança de poder contar coisas feéricas da cidade de Baependi.
Ruas e praças em ladeiras pouco acessíveis pelo calçamento de pedra, que muito dificulta o transito, principalmente a quem entra , que sobe sempre, o que, além de maçante, cansa extraordinariamente.
Um individuo calçado com umas botas novas, quer queira quer não, tem de plantar figueira, quer suba quer desça. Algumas ruas são estreitas e tortuosas, com em geral tudo quanto fizeram os nossos primeiros povoadores e donos, que foi torto e mal feito, a não serem as explorações do ouro e pedras preciosas, que eles fizeram com uma limpeza sem igual.
Baependi, como todos os outros lugares e cidades da província, também tem a sua história.
A ganancia do ouro, que tanto animou os primeiros povoadores e exploradores, em parte muito concorreu para o atraso da civilização a esta porção de território brasileiro, ubérrimo, mas que quase nada produz, atendendo-se a que só de alguns anos a esta parte é que ela começou a ter impulso.
É fato corrente que em 1692, sob o reinado de D. Pedro II de Portugal, três indivíduos residentes em Taubaté, São Paulo, empreenderam uma excursão pelo sertão com o fim de apreender gentios, escravizando-os sob o pretexto de que os chamavam ao grêmio da civilização, e entranharam-se pela província de Minas.
Estes indivíduos eram Antonio Delgado da Veiga, João da Veiga e Manuel Garcia.
Dos indígenas ouviram, que entre esta e a província do Rio de Janeiro havia uma grande serra, onde abundavam ouro e outros metais e pedras preciosas.
Nada mais esperando, empreenderam os três aventureiros a viagem para a tal serra além da Mantiqueira, servindo-se do gentio já domesticado, para guia do caminho e interpretes da língua que eles totalmente desconheciam.
Na fralda da serra, encontraram um aldeamento de índios, pelo qual passaram e foram pernoitar no alto de um morro a que deram o nome de Pouso Alto, lugar que ainda hoje o conserva, tendo sido edificada ali a cidade que também é cabeça de uma comarca, no município daquele nome.
Continuando a viagem pela margem do rio Verde encontraram um outro menor tributário daquele, em cuja margem havia uma indígena, a quem foi dirigida, por um dos interpretes a seguinte pergunta: - Bae pendy ? – que em língua indígena significa – que gente é a tua ?
Os aventureiros deram então ao rio o nome de Baependi, por acharem lindo o vocábulo indígena. Como mais tarde se começasse a edificar perto do rio a cidade, tomou ela também aquele nome, bem como o município, que é grande e de crescente importância, como veremos.
Eis, pois, a origem do nome que hoje designa uma das mais pobres cidades da província de Minas Gerais, esquecida dos homens políticos, que só se lembrem que ela existe, quando precisam de votos para guindar-se as altas posições no país.
Em nada tem progredido esta cidade e o seu município, cujo território, quase todo montanhoso, é de espantosa fertilidade, como o atestam as suas matas, onde abundam as melhores madeiras para construção.
Possui, além disto, riqueza minerais como em nenhum outro ponto da província, o município de Baependi, cujo clima também é o melhor em todo o sul mineiro, dá-lhe por si só elementos poderosos de prosperidade e grandeza, caso quisessem os seus habitantes entregar-se á lavoura e á cultura do trigo, do café, do fumo, da uva e outros produtos que importamos, e que ali podiam dar em grande escala até para a exportação.
Nada pode explicar o retardamento do acesso deste município de moderna criação, em geral montanhoso e de tanta opulência.
Diz-se que depois da revolução de 1842 ficou para sempre paralisado o progresso nesta região abençoada.
Mas o mundo não é como os homens; a estes, paralisados os seus membros de ação, é natural que eles se tornem imprestáveis; mas um município nas condições do que tratamos, não tem razão para retrogradar ou estacionar, a menos que os seus habitantes não queiram, como até aqui, esperar que lhes cai o maná do céu.
Hoje nada se faz sem trabalho, e ás vezes com bastantes sacrifícios; não esperem pois os baependianos pelo senhor dos exércitos, porque vara de Moisés só houve uma, e essa mesma, segundo a tradição bíblica, perdeu-se no Mar Vermelho, quando os Israelitas o atravessaram.
Não esperem pelos governos, que tudo prometem e nada fazem, e menos ainda pelos representantes do município no parlamento, porque eles já nem sabem a que freguesia pertencem.
O corpo humano, como o social, precisa de exercício, de movimento, para poder criar forças, porque sem elas não se vive: deixem os brasileiros e especialmente o povo sul-mineiro a indolência, porque a prosperidade e a riqueza dentro em poucos anos responderão a interrogação que por mais de uma vez se tem ouvido – porque não progridem os municípios do sul de Minas ?