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domingo, 28 de julho de 2013

A revolução por meio do circo

Em passagem por Caxambu, o palhaço catalão Jaume Mateu reflete sobre sua trajetória de 30 anos de picadeiro


Foto: Andre Fossati/ Divulgação

Caxambu. Atração de destaque em meio à programação do Festival Mundial de Circo de Caxambu, Jaume Mateu tornou-se palhaço em meio à ditadura franquista. Vindo de família de origem catalã, sempre enxergou a arte como uma maneira de preservar as próprias tradições. Antes de chegar ao circo, contudo, passou pelo teatro. “Foi somente quando descobri a contracultura que me aproximei da prática do palhaço”, afirma o artista, que iniciou a carreira em 1976.

É justamente ao encontro entre o circo e o teatro, aliás, que Jaume associa a mais recente revolução acontecida no universo das artes circenses. Comumente apontado como um dos ícones dessa revolução, Mateu percebe nos anos 1970 uma clara virada ideológica dentro de um campo artístico até então mais vinculado às ciências e às regras da física.
“O circo tem, de fato, uma história muito longa, que vem desde os romanos, passa pelas grandes guerras dos últimos séculos e sobrevive até mesmo às transformações da estrutura familiar no século XX, quando os filhos deixaram de seguir os ofícios de seus pais, rompendo uma tradição muito importante dentro do circo. Ao longo de todo o século XX, aliás, o circo procurou outros lugares para si, pois foi destronado da condição de maior espetáculo do mundo”, analisa, com propriedade, o veterano palhaço.
Diretor do tradicional Circ Cric, localizado nos arredores de Barcelona, Jaume Mateu é igualmente conhecido como Tortell Poltrona. Acerca do seu codinome artístico, Mateu limita-se a dizer que não conhece. “Para falar a verdade, acredito que o palhaço não pertence ao mundo dos humanos. Pertence ao mundo das máscaras, das marionetes, está fora da realidade comum. E é isso o que lhes permite falar sobre sentimentos humanos profundos de um modo que nenhum ser humano é capaz. Um palhaço pode falar da morte, um ser humano, não”, compara.
Natureza. Plenamente ciente da diversidade de circos e palhaços construindo suas histórias em diferentes pontos do mundo, Mateu diz orientar suas criações em torno de elementos como vida, morte, ternura e lembrança, dentre outros. “Essencialmente, o palhaço é aquele que compartilha seus sentimentos com os demais. Uma ação muito simples, que faz parte da natureza de todos nós, mas que aos poucos, à medida que nos tornamos adultos, vamos abandonando”, analisa, apontando a poesia como elemento central em seus trabalhos.
Além disso, o catalão ressalta a importância de uma inteligência que não vem da cabeça, mas de uma curiosa área situada sob os dois pulmões. “Nós, temos, de fato, uma outra inteligência debaixo dos pulmões. Ela não tem dúvidas, é preto no branco, sempre intensa, que dói sempre que rimos ou choramos muito. Tenho trabalhado cada vez mais a partir dessa inteligência, de uma consciência mais animal e com menos dúvidas”, filosofa o palhaço, que confessa já ter sido, em outros tempos, diretor de televisão.

“Hoje em dia não assisto nunca, e vejo a televisão como uma máquina de fazer pornografias de sentimentos. Para mim, a revolução vai começar quando jogarem as televisões pelas janelas”, completa, em clara referência ao momento de transformação social vivido tanto na Espanha quanto no Brasil.
“Mais do que nunca, me interessa uma arte capaz mudar formas de pensar e de viver. Sabemos que quando assistimos a um bom espetáculo, há um antes e um depois. A mesma coisa com um bom livro, um bom filme. Temos uma grande revolução pela frente, uma revolução contra a força do capital”, sintetiza.

O repórter viajou a convite do festival

Sem fronteira
 Há mais de 20 anos, Jaume Mateu participa do projeto Palhaços sem Fronteiras, que leva espetáculos cômicos a campos de refugiados em diferentes partes do mundo.

Segundo ele, já foram realizadas mais de 10 mil apresentações, passando por 98 países do mundo, dentre os quais Palestina, Congo e Japão – visitado logo após o tsunami que arrasou o país.