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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Carta de Alforria - Izabel, a primeira escrava liberta na povoação de Caxambu

Izabel, a primeira escrava liberta na povoação de Caxambu

Sensacional! A primeira "alforria", ocorrida em Caxambu é datada do ano de 1871. Estamos aqui mais uma vez contando um pouco a história da cidade. A certidão foi descoberta pelo Blog da Família Ayres, que agora publicamos com exclusividade e a transcrevemos no texto abaixo.




O ato aconteceu na "Fazenda Caxambu", uma das duas que existiam na povoação; a outra era a Fazenda do Palmital. Bom lembrar que Caxambu não existia como Caxambu e sim como Freguesia Nossa Senhora dos Remédios. A Fazenda levou o nome da característica geográfica que marcou o lugar desde as primeiras visitas dos Bandeirantes, que procuravam ouro na região: o Morro de Caxambu. O morro foi marco de disputas territoriais acirradas por mais de 200 anos, entre Minas e São Paulo.

Para esse histórico evento haveria de ter sido realizado dentro de um templo, mas Izabel teria que esperar, pois na época a Capela de Nossa Senhora do Remédios ainda estava sendo construída. Os batismos e casamentos eram registrados na paroquia da vizinha, Baependi. E na falta de um lugar para realizar as cerimonias, oratórios eram eregidos nas casas e fazendas, como provavelmente aconteceu aqui. Os registros escritos eram feitos pelos párocos, assentados em livros e guardados nas Igrejas, e só vieram a ser feitos em cartórios, após a instalação da República, ou seja, em 1889. O Reverendo Marcos Pereira Gomes Nogueira fez o batismo e o registro, consumando o ato da libertação da pequena Izabel, com duas testemunhas: Joaquim Roque de Souza e Pedro Simphronio Rodrigues de Castro, moradores da povoação. Então...


"Aos quatro dias do mês de julho de mil oitocentos e setenta e um anos nesta Fazenda do Caxambu, batizei e puz os santos olhos a Isabel, inocente, filha natural de Maria escrava de Dona Maria Candida de Castro, nascida ha um mês mais ou menos: foram padrinhos: Pedro Simphronio Rodrigues de Castro, e a mesma Sra. Dona Maria Candida de Castro. E logo no mesmo acto compareceu perante mim a mesma Sra Dona Maria Candida de Castro, solteira, moradora e parochiana desta Freguesia, que ser ser a própria e por ella na presença dos testemunhas Joaquim Roque de Souza, e Pedro Simphronio Rodrigues, moradores e paroquianos desta mesma Freguesia, me foi dito, que sendo senhora e possuidora da supramencionada Izabel, muito de sua livre vontade e sem constrangimento de pessoa alguma a libertava na parte que tinha, para que hoje em diante gozasse de usa liberdade, como se nascida houvesse de ventre livre: do que tudo para constar faço este assento, que depois de lido e conferido perante a referia Sra Dona Maria Candida de Castro, e das testemunhas comigo e assinarão:

Reverendo Marcos Pereira Gomes Nogueira
Malvina Candida de Castro
Pedro Simphronio Rodrigues de Castro
Joaquim Roque de Souza"


Liberdade Liberdade

Concedeu Maria Candida de Castro alforria a Izabel por convicção? Acreditamos que não, pois senão ela teria "libertado" também sua mãe, que era escrava. Alforria que no árabe significa "liberdade", era o ato pelo qual um proprietário libertava os seus próprios escravos. Possivelmente ela seguiu os debates acalorados entre o Partido Conservador e o Parlamento, que em suas discussões tentavam tomar medidas para extinguir o trabalho escravo. A lei do Ventre Livre, também conhecida como Lei do Rio Branco, foi junto com a Lei dos Sexagenários, de 1887, feita para atender uma "lenta e gradual" passagem da mão de obra escrava, para a mão de obra livre, atendendo as pressões dos agricultores. O projeto foi aprovado na Camara dos Deputados com 65 votos a favor e 45 contrários. Quem foi contra? Claro, os cafeicultores de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O passo foi ainda muito tímido para colocar o fim na escravidão.

Maria Candida assinou o ato de libertação de Izabel, em 4 de julho, dois meses antes da aprovação final da Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871, no Artigo 1: "Os filhos de mulher escrava que nascessem no Império desde a data desta lei serão considerados na condição de livres".

Izabel teve sorte, assim como vó Gervásia Maria da Conceição, que nasceu em 1881, dez anos após a proclamação da lei. A minha bisavó Sabina Maria da Conceição (1865-?) porém teve que esperar pela Lei Áurea, assinada pela Princesa Izabel, em 13 de maio de 1888, que poz definitivamente o fim na escravidão.



Justinianna Maria de Jesus (1843-1913), minha trisavó, a Nana também precisou esperar pela lei Áurea. Ela se casou com Pedro Maria, em 20 de outubro de 1888, na condição de... "Libertos", escrito na certidão de seu casamento, uma jóia! Vejam abaixo.



Mas Izabel, você ainda não é livre, ainda ...

Mas... Segundo a lei do Ventre Livre, Izabel ainda seria mantida até 8 anos sob os "cuidados" dos seus ex-donos e até os 21 anos trabalharia para pagar "a educação que recebeu". Esta foi a forma encontrada para satisfazer os críticos da escravidão, sem prejudicar as lavouras e os interesses dos cativos. Izabel, homônima da princesa, teria que esperar.... Assim escrito:

LEI Nº 2040 de 28.09.1871 - LEI DO VENTRE LIVRE


Art. 1.º - Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre.


§ 1.º - Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Govêrno receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.



Ah, as leis...


Fonte:
Arquivo Familia Search, Assentamentos paroquiais de Baependi.
Foto: Wikipédia: Alberto Henschel (1827-1882) - Ermakoff, George. Rio de Janeiro - 1840-1900 - Uma crônica fotográfica. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2006


Postado por  
Solange Ayres

Blog da Família Ayres