AVANT SUPERMERCADO - CAXAMBU

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terça-feira, 22 de setembro de 2015

CRUZILIA ESCREVE - ADORÁVEL CAXAMBU

CRUZILIA ESCREVE
ADORÁVEL CAXAMBU


Na minha meninice, Caxambu equivalia a Xanadu, aquela capital do império mongol. Seu nome exalava mistérios e eu nada sabia de sua origem indígena. Apesar de sua proximidade com Cruzília, achava que era longe. Guimarães Rosa, no extraordinário conto do Soroco, sua mãe e sua filha, dizia que, para o pobre, todo lugar é longe. Para criança também. Para ir até Caxambu, meu pai vestia um enorme guarda-pó. Via aquilo como se presenciasse alguém que saía em expedição para savanas africanas
Minhas irmãs estudavam em colégio interno em Caxambu e apareciam raramente em Cruzília. Porque, além da “lonjura” para aquelas estradas quase intransitáveis, havia ainda o rigor escolar, que pouco facilitava para os alunos daquele tempo. De vez em quando, alguém voltava de lá trazendo um copo esquisito, meio quadrado, azulado, com a inscrição: “Lembrança de Caxambu”. 
E era difícil a gente, criança, chegar até lá, o que conferia mais poder mítico àquele lugar. Já entrou na minha mitologia a viagem que fiz na antiga jardineira, ao lado de minha irmã Wanda: além de andar de ônibus pela primeira vez, cujo motorista era o Walter da Yata, conheci, em Caxambu, o magnífico Parque das Águas; senti o gosto do primeiro misto-quente, numa lanchonete chamada Sputnik. E ganhei, na banca do Caruzo, uma revista chamada “Antar”, que na verdade era o Tarzan, volume grosso, cuja capa trazia o homem-das-selvas lutando com um leão. Quando saía de Caxambu, Wanda me mostrava a estrada que ia para Conceição, Cambuquira, Três Corações e, mais remota ainda que Xanadu, Belo Horizonte. Muita coisa passou pela minha cabecinha, que ainda achava ser Caxambu o verdadeiro “finis terrae”.
Foi em Caxambu, ao lado de meu tio Minelli e de meus primos Mario Sérgio e Tadeu, que vi pela primeira vez um aparelho de televisão. Passava um jogo do Fluminense e Flamengo. Foi em Caxambu, também ao lado desse tio e desses primos, que vi pela primeira um grande circo, chamado Garcia, que tinha um número em que cães jogavam futebol, vestindo camisas do...Flamengo e do Fluminense. Depois Caxambu passou a virar rotina em domingos de futebol, quando, também ao lado de tio Minelli e de meus primos, assistíamos a jogos do Sete de Setembro, de Cruzília, contra o CRAC, o Fluminense e, eventualmente, o Flamengo, que tinha um campo perto de um orfanato. Não me esqueço de um tipo meio corcundinha que torcia para o CRAC. Não me esqueço de dona Cacilda, que era líder da torcida do time azul, onde jogavam Arô e Guaracy. No Fluminense, não me esqueço do Marcelo, do Castilho, do Djalminha, do Índio e do Goiaba. Em Caxambu andei de elevador pela primeira vez, no Hotel Glória, levado pela madrinha Nicinha. Em Caxambu vi a primeira celebridade artística, o cantor e humorista Ivon Cury (com quem levei uma longa prosa, tempos depois, ao lado de Adolfo Maurício e do Fausto do Cid Pereira.
Caxambu era o lugar onde meu pai visitava seus primos Humberto Fortes, Quinha e Horacinho. E passava na farmácia do Nelsão. Caxambu tinha um cinema que, quando passou “Os 10 mandamentos”, atraiu metade da população de Cruzília. Não fui, nunca entrei naquele cinema. Mas cumpri todos mandamentos na igreja Santa Isabel, onde me casei, num já remoto julho de 1980...
Caxambu era a palavra que mais falava a velha telefonista Sá Marica, para completar as ligações. Ainda escuto sua voz aguda vencendo o tempo e distâncias,e cumprimento, de longe, a cidade que hoje comemora mais um aniversário.