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domingo, 6 de setembro de 2015

Olavo Onunlavo - Eles também querem ser amados

Olavo Onunlavo
"Eles também querem ser amados"



Sob o suave marulhar da chuva que tamborila nas telhas da varanda, passei o fim de tarde deste sábado meditando sobre tantas outras mudanças de estação que já presenciei ao longo desses profícuos anos de inclemente labuta.
Como Salomão, percebi que não há nada novo sob o sol, mas o cheiro da chuva perfumando a  terra molhada é um bálsamo capaz de revivescer até mesmo a alma deste velho e fatigado escrevinhador, trazendo recordações de tempos que não voltam mais. Tudo flui diante de meu discreto olhar observador. 

Existe porém, algo que não muda jamais: a vaidade humana. Vanitas vanitatis - a vaidade dos homens  foi capaz de eternizar-se durante tantos  milênios, manifestando-se com todos os atavios de que é capaz, apenas para  galgar os píncaros iluminados do cenário político. Um palco que pode ser transformado em esplendorosa ribalta, onde fulgura com luz própria o talento de gigantes e estadistas. Porém, de uma hora para outra, o mesmo palco pode ser transmutado em grotesco picadeiro de circo mambembe, apresentando a encenação da mais infame ópera bufa - com direito a saltimbancos, bufões  e patéticos quasímodos, totalmente desprovidos de qualquer graça, talento ou moral.

Os tempos atuais apresentam-nos o pior de todos os espetáculos circenses -  onde um ilusionista barato executa canhestramente seus truques de prestidigitação diante de crédulos basbaques,   distribuindo mimos de um vintém com efeito estupefaciente. Ilusão que lhes rouba a alma, tomando em troca de nada, a dignidade daqueles que já foram previamente destituídos de qualquer consciência do quanto estão sendo lesados. Alguns ainda aplaudem.

Eis que sinto aproximar-se uma nova temporada de explícita pedincharia eleitoral, onde ávidos espertalhões se preparam novamente para ganhar as ruas recitando  a litania da "buena dicha", despejada nos incautos ouvidos de uma gente tão sofrida, que já demonstrou ser capaz de caminhar dócil e resignadamente para o abatedouro das urnas. 
Com os olhos da imaginação, vejo corvos tangendo uma boiada. 
Sinto o coração apertado e confrangido diante uma cena tão melancólica.



Talvez seja mesmo efeito da longevidade, mas a mesma sensação de déjà vu se repete a cada quadriênio. Como nos velhos films noires, chego a visualizar nitidamente aquela celebérrima cena, onde uma multidão furiosa, carregando archotes, chuços  e varapaus, concentra-se diante da lúgubre fortaleza, onde está encastelado o ensandecido Dr. Frankenstein. Cercado por sombras sinistras e faúlhas produzidas por aparelhos misteriosos, o sábio demente dedica-se  a criar  monstruosidades e aberrações animadas através de sua insana ciência. 
Neste momento, o criador encurralado e suas abomináveis criaturas sentem medo.  Chegam a parecer quase humanos - justamente porque dão a entender que também almejam ser amados pela multidão de suas próprias vítimas.

Voltando os olhos para a chuva intermitente que cai la fora, penso que muitos políticos atuais se assemelham a certo ponto com aquelas criaturas sombrias dos velhos filmes de terror: durante quatro anos, eles também aboletam-se trancados em seus castelos, onde fazem o que bem entendem e voltam solenemente as costas para a população. Porém, de quatro em quatro anos, saem às ruas travestidos de simpatia e humildade, alegando que dessa vez vão fazer tudo o que deixaram de fazer nos últimos anos.
Com imenso alívio no coração, constato que o tempo dos filmes em preto e branco já passou. Não existem mais fortalezas ou castelos sombrios. Ninguém mais sai às ruas durante a escuridão da noite clamando vingança na ponta de varapaus. Hoje existe uma arma muito mais poderosa do que as tochas e porretes: a indiferença das urnas representa uma vingança muito mais eficiente.

Também já vi esse filme diversas vezes nos últimos anos  


Imerso em tais elocubrações, nem percebi a sorrateira chegada da noite. Não fosse a aconchegante presença de minha terna esposa, trazendo  uma fumegante xícara de café, acompanhada por um acepipe tão tentador quanto um tenro pão de queijo, nem perceberia que já é hora de repousar a pena e dar por encerrada toda essa escrevinhação especulativa.

Olavo Onunlavo