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terça-feira, 10 de julho de 2012

Contas abertas
Lei de Acesso à Informação e doações em campanha

Transparência contra truques e maquiagens  
A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527), que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012, assegura a “divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações” (art. 3º, II) e a “gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação” (art. 6º, I). No entanto, a Lei Eleitoral (Lei 9.096/95) e a Resolução TSE 23.376/12 dispensam os políticos de revelar detalhes de quanto e de quem receberam dinheiro durante suas campanhas. A informação só é fornecida após o pleito, na prestação final de contas.
Ocorre que a atuação estatal e de seus agentes não se compreende senão quando fundada nos princípios da constitucionalidade, legalidade, impessoalidade, moralidade, finalidade e publicidade, sendo este último um dos princípios fundamentais do Estado constitucional (CF, art. 37). Isto porque, segundo Norberto Bobbio, “o caráter público é a regra, o segredo a exceção, e mesmo assim é uma exceção que não deve fazer a regra valer menos, já que o segredo é justificável apenas se limitado no tempo, não diferindo neste aspecto de todas as medidas de exceção” (O futuro da democracia. 8.ed. São Paulo: Paz e Terra S.A., 2002, p. 100).
De conseguinte, não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério, pois a publicidade (ou a transparência) no funcionamento dos poderes públicos é um dos pressupostos imprescindíveis para a caracterização de um Estado democrático de Direito. Contudo, consoante a lição de Bobbio, quem justificou de forma mais convincente a necessidade moral da publicidade do governo foi Kant, que definiu como “conceito transcendental do direito público” o seguinte princípio: “todas as ações relativas ao direito de outros homens, cuja máxima não é suscetível de se tornar pública, são injustas”. Qual o significado deste princípio? Bobbio responde que, em termos gerais, “uma máxima não suscetível de se tornar pública é uma máxima que, caso fosse tornada pública, suscitaria tamanha reação no público que tornaria impossível sua realização” (O futuro da democracia ..., p. 104).
Daí por que a publicidade é a melhor garantia da moralidade de uma conduta, já que propicia um meio de controle popular do poder e fortalece outras dimensões da cidadania. Por tais motivos, os políticos candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereadores deveriam informar quem são todos os seus doadores de campanha e os valores recebidos de cada um antes da realização das eleições de outubro.
Cumpre salientar que não se trata de violação de legislação específica, no caso o artigo 60 da Resolução TSE 23.376/12 e os incisos III e IV do artigo 29 da Lei Eleitoral, mas, sim, de interpretação dos princípios elencados na Lei de Acesso à Informação, mediante a técnica da ponderação, bem como da aplicação do princípio da efetividade da norma jurídica, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados.
Logo, não há que se falar em criação de uma nova norma, mas, como ensina Luís Roberto Barroso, apenas de uma nova interpretação constitucional, na qual o intérprete “procede à interação entre fato e norma e realiza escolhas fundamentadas, dentro das possibilidades e limites oferecidos pelo sistema jurídico, visando à solução justa para o caso concreto” (Interpretação e Aplicação da Constituição. 7a ed., Saraiva, 2009, p. 385)).
Afinal de contas, a quem interessa o sigilo dos doadores antes das eleições? Será que a privacidade dos doadores pode prevalecer sobre o direito do eleitor de saber antes de votar quem paga pelas eleições dos políticos? A transparência não pode ser apenas um slogan de campanha ou uma publicidade institucional, mas deve se revelar em atos concretos e que façam diferença na vida das pessoas.
É óbvio que isto não impedirá o problema das doações ocultas, porém não se pode ignorar a lição de Norberto Bobbio, de que “a atitude do bom democrata é a de não se iludir com o melhor e a de não se resignar com o pior” (O Futuro da Democracia ..., p. 76). O voto é a arma do eleitor contra o político corrupto, razão pela qual toda e qualquer informação é imprescindível para que o eleitor possa votar com consciência e responsabilidade.
Álvaro Rodrigues Junior é juiz eleitoral da 41ª Zona Eleitoral e juiz da 10ª Vara Cível de Londrina.
Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2012