Novos prefeitos: o dever de apurar as improbidades dos antecessores
Cabe
aos prefeitos eleitos identificar possíveis atos ilícitos de seus
antecessores, visando a responsabilização pelos supostos danos
suportados pelos cofres públicos e os vícios processuais
administrativos, o que revelará a intenção de suas seriedades no trato
da coisa pública e na defesa do patrimônio público.
Os
novos prefeitos têm o dever legal de identificar os desvios de condutas
dos seus antecessores, e os fatos que evidenciem indícios de ilicitudes
deverão ser objetos de ações de improbidade administrativa visando a
responsabilização pelos supostos danos suportados pelos cofres públicos e
os vícios processuais administrativos.
Essa
obrigação de velar pelos princípios da legalidade, moralidade,
impessoalidade e publicidade, é decorre do art. 4º da Lei de Improbidade
Administrativa, sob pena de configurar improbidade administrativa e
também em crime de prevaricação, dentre outros delitos.
Assim,
o manual da defesa do patrimônio público atribui aos novos prefeitos o
dever de apuração à luz de simples indícios de fraudes, que recomenda
adoção de procedimentos básicos à frente da gestão pública, tais como:
1. Criação de uma comissão de apuração de atos de improbidade administrativa,
formada por advogados, para analisar a legitimidade e regularidade de
todos os procedimentos de licitação, dispensa e contratação direta,
especialmente, os seguintes:
a) locação de veículos importados ou top de linha:
- na
maioria dos casos esses contratos revelam sobrepreço desde a sua origem
no leasing, porque ao final, há evidências que o automóvel é repassado
para laranja do prefeito ou da prefeita; o dano é maior em razão na
proporção do número de carros locados. Uma operação triangular danosa ao
erário e geradora de enriquecimento ilícito. Essa é a explicação da
prosperidade familiar de alcaides ou alcaidinas que desfilam em carros
de luxo em cidades empobrecidas;
b) serviço de limpeza urbana
-
como não há exatidão na pesagem do lixo ou é fácil manipulá-la, há
evidências sérias, em vários casos, de que esse sobrepreço gera um
"mensalão" que chega a ter piso de R$ 20.000,00 e pode chegar até o teto
de R$ 60.000,00, em média, dependendo do porte do município; os novos
prefeitos devem rever esses contratos e a pesagem desses resíduos de
sujeira e preço que intoxicam as finanças públicas;
c) contratos de bandas de shows
- são na maioria suspeitos de superfaturamento e com violação à lei de licitação;
d) contratos na área de saúde e educação
-
devem ser examinados de forma minuciosa em razão do elevado montante de
recursos destinados a essas áreas, inclusive com a verificação do
atestado de quem recebeu, a quantidade e qualidade especificada, e o
controle no almoxarifado com as entradas e saídas; várias empresas
formais alimentam a rede negociatas nesse segmento.
e) contratos de calçamento
- é
outro ralo que transitam os desvios de recursos públicos; não basta
constar a quantidade de quilômetros ou metros de serviços realizados, é
indispensável que as notas fiscais e os recibos especifiquem,
identifiquem e atestem as ruas e os trechos com exatidão; sem isso, é
despesa ilegal;
f) contrato de empresas para realização de concursos públicos
- essas
empresas, na maioria, são de fachadas para firmar contratos sem
licitação ou viciadas, com o propósito de aprovar pessoas previamente
indicadas pelo prefeito, sempre envolvendo familiares, auxiliares e
correligionários, afrontando os princípios da legalidade e
impessoalidade.
g) contrato de fornecimento de combustível
- deve-se
considerar o tamanho da frota de veículos oficiais e os carros locados.
Aqui o uso fora do serviço público é ato de improbidade administrativa;
é indispensável examinar as notas de abastecimento e o controle de
autorização, sem os quais é configurada despesa ilegal.
2. Também devem ser auditadas as despesas com diárias,
que devem estar anexadas com os comprovantes da realização do
deslocamento e a vinculação ao interesse da Administração; como por
exemplo, ofícios ou expedientes oficiais que justifique a viagem. A
simples autorização e sem comprovantes equivale a despesa ilegal. É
preciso que essa despesa agregue valor ao interesse da administração. Um
dos requisitos da validade dos atos administrativos é a publicidade;
essa despesa pra ser válida é necessária que tenha sido publicada no
semanário do município. As viagens com fins sociais, de lazer ou de
aproveitamento individual, devem ser consideradas ilegais.
3. Diante de simples vestígios de ilicitude, os municípios devem ajuizar ações civis públicas de improbidade administrativa para
cada contrato irregular, ilegal ou viciado, de forma individualizada
para preservar as peculiaridades de cada ato ou fato administrativo,
observando os seguintes procedimentos:
a)
ao ajuizar as ações civis públicas a petição inicial deve ser instruída
com todos os documentos relacionados à irregularidade apontada (como
por exemplo, contrato e licitação, se houver, e notas fiscais);
b)
as ações devem ser instruídas com as certidões da junta comercial
identificando a natureza e composição societária da empresa favorecida, e
também das concorrentes; os sócios múltiplos irão aparecer;
c)
a petição inicial, título de diligência indispensável, deve ser
requerer ao juiz que determine a requisição de certidões junto à
super-receita (previdência e imposto de renda) para fins de regularidade
fiscal à época do contrato firmado; é ilegal contratar empresas sem
idoneidade fiscal;
d)
levantar a regularidade fiscal perante o Estado das empresas
contribuintes de ICMS visando saber se é ativa ou inativa. Ou poderá
requerer ao juiz também essa requisição.
e)
também, deve a petição inicial requerer a quebra do sigilo bancário da
conta em que foi creditado os valores pelo município em favor da empresa
contratada/beneficiada com a finalidade de rastrear a sua movimentação
financeira; devendo inclusive, informá-la para facilitar a requisição,
bem como, o sigilo fiscal;
f)
essas ações de improbidade administrativa devem requerer a declaração
de nulidade dos contratos, compras ou contratações de serviços mediante
procedimentos tramados, e o ressarcimento dessas despesas ilegais; e
também, a suspensão dos direitos políticos, aplicação de multa civil com
a perda dos valores com o enriquecimento ilícito, e punição para as
empresas beneficiadas ou participantes do esquema.
g)
as ações devem ser contra todos os envolvidos nesses procedimentos,
tais como: ordenador de despesa, os responsáveis por atestar os serviços
ou recebimentos de bens e equipamentos ou produtos, ou quem efetuou
pagamentos, membros da comissão de licitação, a empresa favorecida e
seus sócios, enfim, quem integrou ou participou do processo
administrativo;
h)
o município tem legitimidade de ajuizar ações de improbidade, e deve
requerer a intimação do representante do Ministério Público estadual
para que participe de todo os atos processuais. Quando envolver recursos
federais a ação será proposta na Justiça Federal, e requerida a
intimação do MPF e da AGU.
4.
No caso de reeleição, onde os substitutos, naturalmente, podem não ter
interesse nessa assepsia moral e financeira, cabe à oposição invocar a
lei de acesso à informação para requerer os documentos referidos e
apresentar representação, por escrito, junto ao Promotor de Justiça da
sua cidade.
Adotar
essas providências será a demonstração positiva dos novos prefeitos que
irão revelar a intenção de suas seriedades no trato da coisa pública e
na defesa do patrimônio público; agora é esperar pra ver quem vai
cumprir com seu dever.
Autor Aluizio Bezerra Filho
Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa (PB). Autor do livro "Atos de Improbidade Administrativa" (Juruá)
BEZERRA FILHO, Aluizio. Novos prefeitos: o dever de apurar as improbidades dos antecessores. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3478, 8 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/ texto/23409>. Acesso em: 9 jan. 2013.
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