Por que escrever?
Tempos atrás, quando me decidi por pedir ao meu tio bárbaro
das montanhas um lugar em seu jornal para por alguma coisa de minha escrita em
questão que, por ventura, quem sabe, com a boa sorte, pudesse vir a ser até uma
crônica, deparava-me com um problema à vista. Soava de um jeito tão irrelevante
e ao mesmo tempo tão impertinente que me punha a pensar. Era aquela questão
básica, de sacanear estudante veterano, achei até que já estivesse certa na
cabeça, mas não. O problema era, por que escrever?
Essa questão pra alguns pode parecer tão simples e bem
definida como o mais decorado dos ditados de ponta de língua, pois, afinal de
contas, escrita é uma forma de expressão, assim, obra de arte, que faz qualquer
infinidade de conteúdo brotar, que conta qualquer história que aprouver as
circunstâncias acontecidas, e fora que, para folgar em “sociologuês”, escrita é
uma força comunicativa, ela transmite idéias de uma pessoa para a outra, e ela
carrega consigo também um poder político, o poder de mobilizar, de educar, de
trazer conhecimento, de emancipar o ser humano, ou o que quer que seja. E tem
sido assim tem tempo já. Modernas nossas tecnologias estão, mas não há
tecnologia sequer que seja moderna o suficiente para não ter um manual ali,
escrito por escrito, com letras e tudo, pronto pra mostrar como a treta
funciona.
Tá ok, só aí já teria uma goma mastigável de argumentos pra
falar. Além disso, diria, já seria um trem inteiro abarrotado, suficiente para
responder a pergunta inicial a qual, agora, provavelmente e inclusive, já se
poderia considerar mesmo desnecessária ou tola. Mas ainda assim, pra mim, a
coisa na escrita é outra, entende?
Por isso volto à questão. Por que escrever então, se hoje
mesmo, por exemplo, gente escrevendo tem aos montes? E assunto pra coisa, de
fato é o que não falta: É a problemática geral: corrupção corrente pra lá e pra
cá, questões sociais, ambientais e o diabo a quatro, acidentes em estradas, em
ruas e ruelas, em vielas e até em becos sem saída, e isso para não falar dos
casamentos, divórcios, funerais e carnavais de toda criatura que simplesmente
viva ou respire, ou consiga andar, e que se possa atribuir o nome de
“celebridade”. Na grande imprensa, os assuntos todos já vêm em pacotes,
descarregados que nem exorcismo de satanás. É quase religioso, rotineiro, está
lá todo dia pra tomar café junto, na folga, ganhando intimidade. Não é? Temos
que ficar por dentro, comprar informações, rir dos acidentes da estrada e se
assustar com a violência das piadas. O tempo todo.
É nessas condições que eu acho que entra a crônica, e
poderia entrar a resposta para a nossa pergunta. Não estou dizendo que o resto do
conteúdo informativo que temos por aí não seja de relevância. Não, negativo! Pelo
contrário, é da mais extrema importância, e da mais soberba civilidade, estar
por dentro do que acontece ao redor. Isso tanto em benefícios práticos como
teóricos para o bem de nossa vida e para o bem do nosso café da manhã. Mas a
questão pra esse conteúdo é que ficar só nele não é possível, não é. É preciso
discorrer sobre a coisa, se soltar sobre ela, ou melhor, deixar ela solta,
sendo que daí, novos horizontes possam ser abertos. É para não ver apenas mais uma tralha ali. É preciso
dar um sentido e em contexto. Dar outra forma pra esses elementos que estão
compondo a nossa rotina. Acho que aí poderia ser o espaço do cronista.
Com certos aspectos sentimentais, a crônica é
mais serena, lenta, reflexiva, como folha que cai de árvore em dia sem vento. É
assim que ela chega, caí de maduro quando a brisa já correu. Um mero arroto de
egocentrismo da perspectiva do cronista sobre determinado assunto. É claro que
aí, aí vem o aspecto pessoal. Existem cronistas e cronistas, otimistas,
pessimistas, realistas, tantos “istas”, que poderia até estender sem
dificuldades aos vigaristas. Portanto, meus caros leitores, eu poderia concluir dizendo
que estaria escrevendo aqui para “arrotar” um pouco a vocês, o que mastigadamente
à minha maneira, fiz da gororoba embaçada que tomamos no dia-a-dia. Espero que dê
certo.
Stugbit Fernandez.