Tempos de Caxambu
Tempos diferentes,
pensava eu, quando no verão de 2010, tive a oportunidade de retornar a essa
aconchegante cidade que é Caxambu. Moro longe, nos cerrados de Goiás, e estava
passando as férias rotineiras com a família na minha terra natal, o Rio, quando,
por oportunismo, resolvemos subir a serra.
Caia um toró volumoso fazia dias, tudo estava encharcado da
baixada até as alturas das montanhas, mas apesar da tensão de São Pedro, o
clima estava relativamente afável, e em Caxambu não era diferente. Foi nesse
ambiente chuvoso e cinzento que me pus a caminhar na cidade, revendo os lugares
perdidos da minha memória. Depois do almoço, lá pras duas, fui visitar o
parque: lá, a cortina de água da chuva era tanta, mas tão fina, que parecia até
penumbra de calada da noite. As árvores e o céu estavam alinhados, e já não
podia mais dizer se a chuva caia do céu ou das próprias árvores. O gotejo que
caia delas compunha sua sinfonia e somado ao cheiro de húmus que brotava das
folhas e musgos, trazia uma sensação de umidade que se seguia sedutora ao longo
dos caminhos do parque, me acompanhando. Eu estava curioso com os plátanos do
lugar, nunca tinha visto coisa parecida, e embora ensopadas, suas folhas ainda
tinham um ar de graça.
Depois, sai do parque e fui vagar pelas ruas da cidade.
Devido ao mal tempo, a coisa, provavelmente, estava mais parada que de costume,
mas ainda assim, não tinha muita diferença àquela hora. Com minhas mãos dadas
nas costas, fazia os passos a esmo naquelas tristes e molhadas ruas e avenidas,
passos de turista perdido praqueles que os vissem, passos que não faziam muito
sentido. Devem ter pensando - Pra que
vaguear nesse aguaçal? Melhor ir pro
teto de um café ou bar, restaurante, tantos por aqui...
Só que pra mim, naquele momento, não vagueava à toa. Perdido,
eu poderia dizer que estivesse, mas estava perdido em meus pensamentos. Meu
tempo na cidade era curto, iria embora em breve, e as lembranças falavam mais
alto do que o incômodo de estar ali, em meio a toda aquela água. Aliás, nem
toda assim, a chuva já era bem mais um chuvisco agora. Tentava arrancar alguma
coisa daquelas silhuetas de casas e prédios, procurava algo, nem sabia bem o
que era direito, mas procurava.
Com isso, muita coisa voltava à minha cabeça naquele
caminhar, voltava à época de minha infância, nos começos dos anos 90. Os
relampejos da memória tentavam descrever as sensações da primeira vez que
estive em Caxambu. Ainda morava no Rio quando o pessoal lá em casa resolveu
passear nas serras de Minas num outro verão. Era bem moleque, uns quatro anos
talvez, não tinha idade suficiente pra ter cabeça pra viagens desse tipo, posso
dizer que muita coisa passou em branco, com certeza.
Mas lembrava bem daquelas insinuantes e acentuadas curvas
das estradas da Mantiqueira, ah se lembrava! Elas carregavam consigo,
voluntariamente, meu estômago de cima à baixo. A viagem de carro de fato era
desgastante e sempre terminava enjoando. Como que para combinar com meu estado,
as placas dos carros, nada discretas, ainda eram todas amarelas.
Onde parávamos, lembrava também da minha mãe apontando aleatoriamente
pra algum lugar e dizendo: Olha lá! Que
igreja bonita! Ou, Olha lá! Aquela
casa antiga! Eu até acenava positivamente com a cabeça, tentando, com muito
esforço, fazer parecer que aquilo de algum modo me interessava. De qualquer
forma, passeamos um bom pedaço naqueles cantos de Minas: era Caxambu, São
Lourenço, Pouso Alto, Cambuquira, Lambari, tantos nomes, na época já me
deixavam confuso, hoje, na memória então, já estão todos bem embaralhados, e as
distancias para cada cidade perderam a significância, na verdade, se
aglutinaram, agora elas são uma coisa só. É difícil até dizer de qual cidade
era tal igreja ou lago, parque ou avenida. Tudo pertencia a um mesmo lugar,
tudo pertencia a um mesmo tempo.
De Caxambu, me lembro de uma manhã - Embora não possa dizer
com certeza se foi aquilo em Caxambu, algo me diz que sim - Me lembro de uma manhã, dizia;
uma
manhã, a qual, claro, não foi uma manhã qualquer. Era perto da hora do
almoço,
acredito, e caminhávamos por uma alameda ao longo de um espaçoso passeio
que
seguia adornado por jovens árvores bem plantadas. À minha esquerda havia
casas
e alguns comércios. O sol brilhava com sua imponência bem nossa
conhecida, mas
não estava desagradável, de maneira alguma, pelo contrário, dava um
contraste
para aquelas cores da manhã de verão, fazia das folhas das jovens
árvores
oscilaram em seu verde ofuscante junto às paredes das casas e placas das
lojas.
Convergindo a isso, seguiam as pessoas na alameda, correndo furtivas em
seus
devidos afazeres. Não sei se fora aquele sol da manhã, mas alguma coisa
nelas soava como se estivessem felizes. Posso dizer que naquele momento,
vendo aquilo,
passei a compartilhar daquela felicidade.
Foi lembrando disto, que caminhei um bom bocado no outro
verão, o chuvoso. Acabei não conseguindo achar a tal da alameda, nem aquele
sol; a alegria, já não sei, acho que também não. Aquele momento antigo teria
que ficar só pras minhas lembranças, nada mais. Mas agora já não tinha tanta
importância, afinal de contas,
pensava eu, tempos diferentes...
Stugbit Fernandez.