Cerimônia acontece neste sábado (4) em Baependi.
Filha de escrava era conhecida por seus milagres e conselhos.
A Capela de Nossa Senhora da Conceição
Theotônio, irmão de Nhá Chica, se casou, mas não deixou herdeiros. Quando ele morreu, em 1861, deixou sua fortuna para Nhá Chica. O irmão dela foi tenente da Guarda Nacional, vereador na cidade e juiz de vintena em um povoado próximo a Baependi, portanto é provável que deixou para a religiosa uma boa quantia de ouro, além de bens como a casa onde ela vivia e todo o terreno em volta.
Uma vida dedicada a uma missão: assim é possível resumir o caminho vivido por Nhá Chica, a leiga de Baependi (MG) que no próximo sábado (4) será declarada pela Igreja Católica a primeira beata do Sul de Minas. Filha livre de uma ex-escrava, poucos documentos contam a história desta mulher que passou seus dias aconselhando e cuidando de todos que procuravam sua ajuda. Ganhou o título de “Mãe dos Pobres” por seus atos de caridade e sua humildade na forma de viver.
Francisca de Paula de Jesus nasceu em meados de 1810 em Santo Antônio do Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei (MG). O primeiro registro que se tem de sua vida foi o atestado de batismo de Francisca, em 26 de abril de 1810. Além disso, somente um inventário do irmão da beata, o testamento de Nhá Chica e seu atestado de óbito são os registros oficiais da vida da religiosa. O levantamento foi feito em 1998, quando a comissão histórica para o processo de beatificação de Nhá Chica foi definida.
“Ela era analfabeta, não escreveu nada em vida”, conta Maria do Carmo Nicoliello Tinho, que foi secretária da comissão histórica de Nhá Chica e responsável pela pesquisa. “Muito do que se sabia dela vinha da tradição oral, histórias que iam passando de pai para filho”. Para montar o processo de beatificação, era necessária a reunião de muitos documentos que provassem a existência da beata na cidade. “A primeira pista que encontramos foi um testamento deixado por Nhá Chica em que ela pedia que fossem rezadas tantas missas para o irmão e tantas para a mãe. Com isso pudemos buscar documentos do irmão dela, que sabíamos era alguém importante na cidade, e costurar as histórias com os fatos”, explica Maria do Carmo.
Mudança para Baependi
Francisca se mudou com seu irmão Theotônio Pereira do Amaral (que seria quatro anos mais velho que ela) e a mãe Isabel Maria para Baependi. Ela tinha cerca de 8 anos na época, e se desconhece o motivo da mudança. Sua mãe morreu logo depois de chegarem à cidade, quando a religiosa tinha cerca de 10 anos, e ela e o irmão passaram a viver sozinhos. Antes de morrer, Isabel teria dito à filha para ela “permanecer solteira, para melhor servir a Deus e à sua fé”. “Francisca nunca se casou, e passou a viver reclusa em sua casinha somente se dedicando às orações e recebendo pessoas para dar conselhos”, conta Maria do Carmo.
Francisca se mudou com seu irmão Theotônio Pereira do Amaral (que seria quatro anos mais velho que ela) e a mãe Isabel Maria para Baependi. Ela tinha cerca de 8 anos na época, e se desconhece o motivo da mudança. Sua mãe morreu logo depois de chegarem à cidade, quando a religiosa tinha cerca de 10 anos, e ela e o irmão passaram a viver sozinhos. Antes de morrer, Isabel teria dito à filha para ela “permanecer solteira, para melhor servir a Deus e à sua fé”. “Francisca nunca se casou, e passou a viver reclusa em sua casinha somente se dedicando às orações e recebendo pessoas para dar conselhos”, conta Maria do Carmo.
A fama da sabedoria da religiosa e de graças que conseguia através de suas orações começou a se espalhar pela região e pelo Rio de Janeiro. Já conhecida como Nhá Chica, que significa Senhora Francisca, ela recebia o povo em sua casa para aconselhamento, dos mais pobres até gente importante. “Conta-se que Nhá Chica recebia sempre os conselheiros do Império, que vinham para a região por causa das águas de Caxambu(MG) e não deixavam de passar por Baependi para visitar a beata”, completa Maria do Carmo.
A Capela de Nossa Senhora da Conceição
Theotônio, irmão de Nhá Chica, se casou, mas não deixou herdeiros. Quando ele morreu, em 1861, deixou sua fortuna para Nhá Chica. O irmão dela foi tenente da Guarda Nacional, vereador na cidade e juiz de vintena em um povoado próximo a Baependi, portanto é provável que deixou para a religiosa uma boa quantia de ouro, além de bens como a casa onde ela vivia e todo o terreno em volta.
Em 1865, Nhá Chica usou o dinheiro para construir uma capela no terreno herdado ao lado de sua casa para Nossa Senhora da Conceição, santa da qual era devota fervorosa. O restante, doou para os pobres. “Contam que, em determinado momento, um pedreiro chegou para ela dizendo que o adobe (espécie de tijolo de barro) não ia dar, que não tinha a quantidade suficiente. Nhá Chica rezou para a santa e, no final, não faltou nem sobrou um adobe”, conta Maria do Carmo. A obra seria concluída cerca de 30 anos depois.
É neste período que também se relata que aconteceu o milagre do órgão. Nossa Senhora da Conceição teria pedido à Nhá Chica que comprasse o instrumento para a igreja. Após perguntar para o padre o que era um órgão, a religiosa chegou para o maestro Francisco Raposo, amigo dela que sempre tocava para o imperador no Rio de Janeiro, e pediu que comprasse o instrumento para ela. A ele, Nhá Chica entregou um papel com o endereço na capital de onde ele deveria comprá-lo, na Rua São José, 73.
Raposo levou o órgão de trem até Barra do Piraí (RJ), mas de lá, teve que seguir viagem de carro de boi. “Quando o órgão chegou em Baependi, não funcionava. Nhá Chica começou a rezar e disse que Nossa Senhora da Conceição havia dito que o instrumento só funcionaria no dia seguinte, sexta-feira, às 15h. E neste exato momento, o órgão foi tocado pelo maestro para toda a população, que se aglomerou em volta para ver”, relata Maria do Carmo.
Morre Nhá, nasce uma beata
Nhá Chica morreu no dia 14 de junho de 1895 com cerca de 85 anos, já que ninguém sabe ao certo quando ela nasceu. Em 1894, o médico carioca e também estudioso de hidrologia Dr. Henrique Monat, passava por Caxambu para estudar as águas da cidade e ouviu falar de Nhá Chica. Cético, porém curioso, conversou com a leiga e registrou toda a entrevista em seu livro “Caxambu”, no qual ele dedica todo um capítulo a contar a história dela. Este é um dos principais registros que se tem da beata.
Nhá Chica morreu no dia 14 de junho de 1895 com cerca de 85 anos, já que ninguém sabe ao certo quando ela nasceu. Em 1894, o médico carioca e também estudioso de hidrologia Dr. Henrique Monat, passava por Caxambu para estudar as águas da cidade e ouviu falar de Nhá Chica. Cético, porém curioso, conversou com a leiga e registrou toda a entrevista em seu livro “Caxambu”, no qual ele dedica todo um capítulo a contar a história dela. Este é um dos principais registros que se tem da beata.
O médico saiu da entrevista falando da santidade da religiosa e registrou no livro que ela deveria ser canonizada. Monat também contratou um fotógrafo e tirou a única foto que existe de Nhá Chica. Um ano depois, ela morreria. Apesar de analfabeta e morando no interior de Minas Gerais, o médico fez perguntas sobre a República para Nhá Chica, que acabava de ser instaurada no Brasil, e ouviu que ela achava que não era uma coisa boa o que fizeram com Dom Pedro II, e que via a República como uma instituição fragilizada, “amarrada com cipó”.
“Ela podia ser simples, mas acompanhava tudo, e tinha um sentimento de cidadania muito forte”, comenta Maria do Carmo. “Quando da construção da capela, ela pagou um alvará de funcionamento para a cidade, mesmo construindo no terreno dela. Apesar de viver em reclusão, no dia da abolição da escravatura ela se juntou ao povo da cidade para comemorar a conquista”, completa. Não aceitava mérito por seus milagres e graças. Sempre que alguém se admirava por coisas que aconteciam sob sua influência, ela repetia: “Isso acontece porque rezo com fé”.
A capela de Nossa Senhora da Conceição que Nhá Chica construiu foi demolida em 1940. Um santuário foi erguido anos depois no mesmo local, onde também estão os restos mortais da beata. A comissão em prol da beatificação de Nhá Chica começou em 1989 e foi concluída em 2012, com a assinatura do decreto pelo Papa Bento XVI. Em todos os anos de vida e morte da beata, incontáveis graças são atribuídas à leiga Mãe dos Pobres de Baependi.
Samantha Silva