AVANT SUPERMERCADO - CAXAMBU

AVANT SUPERMERCADO - CAXAMBU
AVANT SUPERMERCADO - CAXAMBU

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

POR QUE ALGUNS SE REVOLTAM CONTRA AS CAUSAS SOCIAIS?
Por Cássio Diniz




Em todo mundo, e isso inclui o Brasil, vive-se em um modelo de sociedade altamente contraditório. Por um lado, nos últimos duzentos anos se produziu – e segue produzindo – uma quantidade imensurável de riquezas materiais. Por outro lado, nunca na história da humanidade a concentração de renda, a desigualdade social e a miséria da grande maioria das pessoas foram de tal forma absurda, demonstrando claramente uma divisão social explicita: aqueles que vivem da exploração (a burguesia) de outros que trabalham e produzem (os trabalhadores). É a ambígua e antagônica relação capital X trabalho que chamamos de luta de classes.

Dentro dessa realidade, desde o século XIX a classe trabalhadora vem construindo formas de organização, mobilização e luta que buscam tanto a solução imediata de seus reais problemas (a diminuição mesmo que mínima de sua exploração) como também a transformação total da sociedade, em busca da definitiva justiça e igualdade social. Os movimentos operário e popular existentes em todo o século XX e atualmente no século XXI são frutos desse constructo histórico.

A reação da classe dominante, da burguesia – ou simplesmente nomeada como elite – se colocou em marcha desde o início de sua dominação econômica e política (mais precisamente a partir das revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX). A opressão, a repressão, e a dominação cultural-ideológica foram alguns dos muitos instrumentos usados para garantir a reprodução de seus privilégios e impedir qualquer tipo de ameaça aos seus interesses.

A dominação cultural e ideológica é um dos instrumentos que mais surtiram efeito nesse último século. Buscou-se, por meio de diversos aparelhos (como a imprensa, a escola, a cultura letrada, etc.) impor uma espécie de ideologia hegemônica da classe dominante. Do que se trata isso? Para se evitar qualquer tipo de questionamento à “ordem” pré-estabelecida, procura-se fazer com que as classes oprimidas e exploradas pensem e adotem valores da classe dominante. Ou seja, que os primeiros façam a defesa dos privilégios e da “ordem” dos segundos como se fossem seus também. Assim, os próprios trabalhadores não conseguiriam enxergar a sua própria realidade, e se voltariam contra os outros que despertaram para a luta e partiram para a ação.

Podemos observar a concretude dessa análise em pequenos exemplos claros. Um deles é quando nos deparamos com alguns debates em ambientes novos, como as redes sociais virtuais. Gostaria de aproveitar e abrir espaço para um relato de um caso que presenciamos.

Na última semana realizou-se o Plebiscito Popular pela redução da tarifa de energia elétrica em Minas Gerais. Trata-se de uma mobilização popular organizada por diversos movimentos sociais do estado de Minas, com a função de dialogar com a sociedade sobre o preço da energia elétrica – um dos símbolos de um projeto político que prioriza uma minoria em detrimento de uma maioria – e buscar ser um instrumento de pressão, ou seja, pressionar o governo a realizar uma mudança significativa nessa situação.

Em nossa cidade, Caxambu, localizada no sul de Minas, um dos movimentos sociais participantes dessa jornada, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (por meio de sua subsede regional) organizou o plebiscito popular na praça central. Lá, se instalou uma urna lacrada, cédulas, listas e atas de votação, além de materiais que explicavam a campanha que permitiam o diálogo. Apesar dos limites da organização, o plebiscito teve um grande sucesso devido a grande presença popular. Inclusive, pessoas se deslocavam para a local com o único intuito de votar e apoiar a mobilização em torno de uma bandeira comum.

Contudo, não obstante o grande apoio popular, começaram a surgir críticas de algumas pessoas contra o plebiscito popular. Críticas sustentadas em tentativas de desmoralizar uma causa que trata de uma realidade concreta para a grande maioria da população. Várias foram as falas: “é coisa de comunista, é coisa do PT, corruPTos, safados, sem vergonha, aproveitam da burrice do povo para fazer política, querem derrubar o maravilhoso governo do estado”, etc. Ou seja, levantando falsas polêmicas desconectadas da realidade (esqueceram por exemplo que as mesmas organizações e movimentos atuantes no plebiscito da energia estavam na luta contra o Leilão do Campo de Libra (lamentavelmente levado a cabo pelo governo federal) e nas manifestações que ocorrem no país desde junho, somente a titulo de exemplo. Em outras palavras, que lutam pelas demandas populares não importando se o governo é de um partido ou de outro.

Críticas são sempre bem-vindas. No nosso caso, buscamos sempre avaliar as reais críticas que buscam contribuir para o avanço das lutas da classe trabalhadora. E muitas dessas críticas levam – inclusive – a superações das contradições de nossas jornadas, como por exemplo os equívocos ocorridos em momentos de nossa história. Isso é perfeitamente benéfico. Mas infelizmente não é isso que vimos nos ataques ao plebiscito popular nos últimos dias.

Não podemos nos deixar levar pela ingenuidade. Sabemos que há um viés profundamente ideológico – o hegemônico, o dominante, o das elites – por detrás dessas críticas. Travestidas de termos técnicos e bem argumentadas, ou baseadas puramente no senso comum (às vezes caindo na mais absoluta irracionalidade) elas buscam reproduzir uma interpretação da realidade extremante conservadora, que procura ao máximo possível preservar o mundo baseado na desigualdade e injustiça social, ao ponto de justificar a miséria e culpar o miserável pela sua situação (o famoso discurso meritocrático). Normal seria se essas críticas viessem de um Eike Batista, de um Abílio Diniz, de um Rockefeller, etc. Mas é trágico quando vem de um colega trabalhador.

Sabemos que nos últimos anos há um avanço das ideias conservadoras no Brasil e no mundo. O tecido social se estica. Quanto mais os trabalhadores e o povo pobre se põem em marcha na luta pela transformação social, maior será a ofensiva conservadora para impedir o sucesso dos primeiros. Só espero não estarmos repetindo a história. Aliás, como já dizia Marx no livro 18 Brumário de Luis Bonaparte, “a história só se repete como falsa ou como tragédia.”




*Cássio Diniz, professor da rede estadual de MG, graduado em História pela Universidade Salesiana de São Paulo e mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho.