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domingo, 15 de dezembro de 2013

Revista Super Esportes - Basquete

Jogo em que todas ganham

Depois de cumprir pena, Paulo Henrique se recuperou e virou o responsável pela pista de skate da cidade

Caxambu – Olhar para o céu, suspirar e respirar ar puro são gestos quase ensaiados das detentas ao atravessar a rua, indo do presídio para a quadra. O clima é de descontração, já que o basquete é a atividade mais aguardada da semana no presídio feminino. É um prêmio para 18 mulheres que apresentam melhor comportamento entre as 78 que cumprem pena na instituição. Segundo o diretor Rafael Diniz, 90% estão ali por roubo ou tráfico de drogas – a maioria presa por atuar com namorado ou marido. Como é o único presídio exclusivo da região, recebe mulheres de várias cidades.

A quadra está longe de ser a ideal para a prática do esporte. As tabelas são tortas e os aros estão sem redes, nada que impeça ou diminua o ânimo das jogadoras. Muitas são fumantes, o que gera a primeira onda de reclamações logo no aquecimento. A atividade dura cerca de uma hora e meia, tempo suficiente para atrair a atenção dos vizinhos, sobretudo de crianças, que do lado de fora param de bicicleta para assistir ao treino. O público aumenta o empenho em quadra. A programação é sempre a mesma: começa com uma oração no meio da quadra e termina com o grito de guerra “sonho de liberdade”.

Acertar a cesta talvez seja o menor dos objetivos. Presa há dois anos, Nívea Pacetti, de 37 anos, é a capitã do time. Ela toma a frente nas iniciativas e faz os agradecimentos durante a reza. “É uma distração, um benefício para a cabeça e para o corpo, já que muitas de nós ficam até doentes por ficar tanto tempo sem se exercitar. A gente chega aqui depressiva e o basquete nos ensina a vencer obstáculos. Não tem derrotado. Quem vence comemora, quem perde também”, comentou Nívea, que cumpre pena por tráfico de drogas. Ela destaca também as vantagens do lado de fora. “A família vê que a gente está fazendo coisa boa e nos apoia. O que aconteceu é passado.”

Exemplo é o que Maria José dos Santos, de 40 anos, quer passar para o filho, Igor dos Santos, de 8 anos. Condenada por participar de um homicídio ao lado do irmão, em Carmo de Minas, ela vai cumprir sete anos de prisão. Maria José aproveita a chance para se aproximar novamente da criança, que foi morar no Rio de Janeiro. “Esses dias ele veio me visitar e disse que estava praticando esporte ‘igual eu’ (sic), que estava lutando tae-kwon-do. Isso faz a gente enxergar a vida de um jeito diferente. Como se diz, Deus escreve certo por linhas tortas.”

SAUDADE DOS FILHOS


Léia Márcia Lima Silva, de 28 anos, deixou a pequena Guanambi, Centro-Sul baiano, ainda na adolescência. Mudou-se para Cambuí, no Sul de Minas, onde conheceu o futuro marido. No ano passado, os dois foram presos por tráfico e os filhos levados pelos pais de Leia para a Bahia. A saudade aperta, principalmente do pequeno Salatiel, de apenas 5 anos. “Distrair em quadra diminui um pouco a falta dos nossos filhos. Nos faz repensar a vida. A prisão é um lugar onde a gente vem para nunca mais voltar.” (RD)

Da vida infernal ao exemplo

Paulo Henrique Rocha, de 29 anos, viu a morte passar perto, há quase seis anos, em um tiroteio em Campinas, interior paulista. Ficou 21 dias inconsciente. Recuperado clinicamente, foi condenado. Na prisão, assistiu a uma palestra sobre os benefícios do esporte ministrada pelo ex-jogador André Brazolin. Quando saiu do presídio, no fim de 2008, procurou o treinador em Caxambu e disse que estava disposto a mudar. Em pouco tempo, assumiu a responsabilidade de cuidar da pista de skate da cidade e aproveita sua experiência de vida para aconselhar os mais novos.

“O esporte me tirou das drogas, do ‘corre’, como a gente falava. Já fui preso duas vezes em São Paulo, poderia estar morto hoje. Eu era cabeça ruim. Se eu estivesse no crime, com certeza o pior já teria acontecido”, diz o skatista, que preferiu não revelar o motivo de sua condenação. “A gente sofre muito com preconceito. Não sei se me enxergam hoje como exemplo, mas eu me sinto bem comigo e tento passar sempre o melhor para os garotos.”

Preso duas vezes, aos 22 e aos 24 anos, Paulo Henrique lembra que parte dos antigos parceiros não teve a mesma chance que ele. Muitos se recuperaram, mas outros ainda estão detidos. “Não foi por falta de chamar, não para o skate, mas para a natação, para o basquete. Cada um escolhe seu caminho”

Brazolin conta que já enfrentou críticas por trabalhar com presidiários e se lembra bem de um caso: “Em São Lourenço, eu reparei que um homem estava indo aos treinos. Certo dia, ele se aproximou e perguntou se eu não tinha vergonha do que estava fazendo, já que poderia estar ajudando pobres ou crianças em vez de presidiários. Em seguida, apontou um jogador e me disse que era o assassino do filho dele. Eu expliquei que estava ali trabalhando para que esse mesmo preso não voltasse para as ruas e matasse outra pessoa. Ele virou as costas. Na semana seguinte, voltou e me contou que quando ele disse para sua esposa o que havia presenciado, foi a primeira vez que ela sorriu desde que havia perdido o filho. Me entregou um par de tênis, pediu que eu entregasse para o assassino e foi embora.” (RD)


Por dentro
78
mulheres cumprem pena na instituição

90%
condenadas por roubo ou tráfico de drogas

18
participam do programa esportivo



Renan Damasceno Enviado Especial