Crônica: MEU PRECIOSO TEMPO II
Paulo Roberto Guimarães Moreira ¹
Será porque que, às vezes, uma pessoa com deficiência se isola? Torna-se anti-social? Por exemplo: um cadeirante que não quer se visto em sua cadeira de rodas, ou não quer sair de casa? Muitos dizem: - É porque ele é complexado. Alguém já se perguntou por que alguém está complexado? Não será porque sua situação é muito complexa? Às vezes tão complexa que dependendo da acolhida social se torna insuportável? É bom pensarmos nisso. É bom se colocar no lugar do outro e mesmo assim não julgar, porque só um sábio pode julgar. E como disse Pitágoras só os deuses são sábios, nós somos no máximo filósofos, ou seja, amantes da sabedoria.
Os velhos, gordos, carecas, baixos, negros, gays, ou seja, os segregados, os não bem aceitos, aqueles que a sociedade estabelece preconceitos (pré julgamentos) também vivem momentos e às vezes uma vida inteira complexa. Sem amor todos nós seremos rejeitados por um motivo ou outro.
Mas, como disse o Zagalo: - Vocês vão ter que me engolir. Eu tenho autoridade para falar tudo isso porque sou cadeirante há mais de 40 anos, barrigudo, entrando nos sessenta, diabético etc. Aquela situação que ironicamente me faz dizer que sou um homem completo e complexo. Mas, não ficarei em casa não. Mostrarei sempre que puder minha cara esteja ela como estiver. Desde, é claro, que aja custo benefício porque sou economista também.
Quando escrevi a crônica: “Meu Precioso Tempo” eu falava sobre as reuniões de um grupo de estudantes remanescentes de uma determinada escola militar. Pois bem, eu insisti em voltar a essas reuniões. Na última fui recebido assim: - Você não está enxergando mais por causa da diabetes e também está surdo? É que eu tentei cumprimentar um colega e não consegui pegar na mão dele por causa do desnível do chão e da minha falta de equilíbrio e domínio total sobre meu tronco. Resumo da ópera: Eu não bebo. Não fumo mais, não como carne, estou me tornando vegetariano vegano (estou precisando parar de me alimentar de derivados de animais) o que vou fazer numa reunião dessas? Valeria o sacrifício se a conversa fosse construtiva. Que tipo de conversa, encontro ou momento é esse que cultiva a baixaria, a estupidez, a superficialidade. - A, sim, estamos aqui para relaxar. Aqui podemos dizer o que vier à cabeça. Repetindo o que diz a Ede, minha Psicóloga: - Talvez só haja uma regra sem exceção é aquela que diz que nenhum gozador gosta de ser gozado. Bem, então, o que ocorrerá é uma guerra de palavras: um agredindo mais o outro com as palavras. Onde poderá chegar um procedimento desses? Como viver socialmente sem regras?
Aqui abro um espaço para aquelas figuras maravilhosas, dessa turma mesmo e de outros grupos, que são como lótus branco. Essas figuras são como Oasis no deserto. Lembro-me quando o Haroldo de Mendonça Sodré, o Mug (um afro-americano mais velho, espécie de irmão mais velho e conselheiro dos mais novos) nos ajudava com sua conversa apaziguadora e acolhedora. Quando me encontrei com o Blau Blau em Barbacena, parecíamos irmãos. Quando um Temístocles me ajuda a superar uma situação de desemprego. E muitas outras ocasiões que são um bálsamo nesses momentos de amargura.
Mas, que me perdoem aqueles, que como eu, exercem seus hábitos negativos. Dependendo da dose fica insuportável. Há hábitos que embotam os sentidos. O indivíduo fica insensível, decadente, idolatrando seus vícios, mas longe de, de fato, querer compartilhar um momento especial.
Meu guru Yogananda nos exalta a buscar as boas companhias e se afastar das más.
Eu freqüentava um grupo de mutuo ajuda, que ao contrário do que sugere a literatura, tinha uma que se achava a dona do grupo, ela tinha uma afilhada, que já se sentia a vice-presidente e que tinha outra afilhada, que já se sentia a terceira na hierarquia. Isso se tornou tão forte que elas foram juntas para outro grupo congênere e contaminaram esse outro grupo. Ou seja, as pessoas sofrem na vida e vão atrás de ajuda mutua. Chegando lá repetem os mesmos padrões que as fizeram sofrer e as levarem até ali. O pior é que contaminam o ambiente. Com muita relutância nunca mais fui a essas reuniões, que me eram muito importantes, depois que junto com minha Psicóloga chegamos à conclusão que aquilo estava me fazendo mal. Não me arrependo. Muitas outras pessoas têm saído desses grupos pelo mesmo motivo. Nesse tipo de grupo não pode haver hierarquia, mas sim liderança dos mais experientes.
No grupo da escola militar o problema não é a liderança que é maravilhosa, mas, talvez a ausência de regras, que creio ser fundamentais, para essas reuniões. O meu grupo da escola militar é como se fosse uma família linda, mas, que, às vezes, a neurose ou a psicose está demais. Talvez eu tenha que dar um tempo para ver se haverá mudanças, talvez o melhor mesmo seja poder falar, por algum meio, com aqueles que valem a pena falar.
¹ Paulo Roberto Guimarães Moreira, assim como muitos de vocês, está procurando fazer do limão uma limonada, da vida material uma escada para o Espírito, onde tudo isso estará superado.
² Quando eu fazia reabilitação na ABBR – Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação, no Rio de Janeiro, havia esse tipo de humor negro, mas, que era usado pelos próprios sofredores das seqüelas. Fora essa autocrítica vejo que o que há é maldade, estupidez, agressão, falta de amor, de tato, de carinho de consideração, de coisas melhores para serem ditas.