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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Eleições 2012
Críticas a candidatos devem respeitar direito à honra

Por Guilherme Pessoa Franco de Camargo
Com o avizinhamento das eleições de 2012 para prefeito e vereador, já é possível notar o surgimento de declarações verbais, documentos e imagens que caracterizam crimes contra a honra, injúria, difamação e calúnia, tipos penais previstos tanto no Código Penal quanto na seara eleitoral. A previsão deles nos códigos mencionados possui a função de tutelar e proteger a imagem e honra do candidato ou partido político.
A liberdade de informação prevista no artigo 220 da Constituição Federal de 1988, combinado com os incisos IV, XII e XIV do artigo 5º do mesmo codex, dispõe que a manifestação do pensamento, criação, expressão e informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na própria Constituição.
É natural que os indivíduos que participam do processo eleitoral possuem expectativas e ideologias próprias, sendo que no calor do embate político, envolvem-se em discussões acirradas e fervorosas que extrapolam um ambiente normal de exposição de idéias, não sendo raro ou mesmo incomum que ocorram afirmações que atingem o “direito da personalidade”. E, para os casos extremos, existe a incidência da Lei Eleitoral para nortear o ambiente das eleições e devolver através da recomposição pecuniária e do direito de resposta o equilíbrio entre os conflitantes e o status quo ante.
Mas existe uma diferença entre liberdade de expressão e direito à informação, sendo o primeiro um direito assegurado na Constituição, o segundo um direito coletivo. O “animus injuriandi” é outro fator fundamental na análise dos fatos.
A razoabilidade e proporcionalidade são outros princípios que devem imperar no sopesamento para a possibilidade de imputação da infração, porquanto se nenhum tipo de crítica ou de fato potencialmente ofensivo à honra pudesse ser divulgado, seria esvaziado a própria garantia de liberdade de expressão e o desenvolvimento da democracia. Não são poucos os autores que alertam para o perigo da beatificação dos políticos pela censura, que usam o Poder Público como mola ou mero joguete de interesses obscuros. Assim, as críticas sérias e sem excessos de linguagem, pautada em fundamentos, fatos e fontes sólidas, devem ser protegidas, até mesmo como garantia basilar do Estado Democrático de Direito.
A salvaguarda da honra abrange tanto a reputação do indivíduo perante a sociedade (aspecto objetivo), quanto sua auto-estima (aspecto subjetivo).
No Código Penal, encontram-se nos artigos 138 a 140:
“Artigo 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:”
“Artigo 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:”
“Artigo 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:”
A Lei 4737 de 15 de julho de 1965, que instituiu o Código Eleitoral prevê nos artigos 324 a 326 que:
“Artigo 243. Não será tolerada propaganda:
IX - que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.
O parágrafo primeiro assegura o direito à obtenção da indenização ainda que não seja promovida a ação criminal, imputando inclusive ao partido político a responsabilidade solidária, dependendo da relação com os fatos e/ou com os agentes ofensores:
parágrafo 1º O ofendido por calúnia, difamação ou injúria, sem prejuízo e independentemente da ação penal competente, poderá demandar, no Juízo Civil a reparação do dano moral respondendo por êste o ofensor e, solidariamente, o partido político dêste, quando responsável por ação ou omissão a quem que favorecido pelo crime, haja de qualquer modo contribuído para êle.
parágrafo 2º No que couber aplicar-se-ão na reparação do dano moral, referido no parágrafo anterior, os artigos 81 a 88 da Lei 4117, de 27/08/1962. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
O doutrinador Carlos Alberto Bittar, aduz que: "qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria violação da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)" (Reparação civil por danos morais, RT, 1992, p. 41)”.
O Código Eleitoral inicia as reprimendas com a calúnia:
“Artigo 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.
Parágrafo 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
Parágrafo 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é admitida:
I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;
II - se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.”
Segue com a difamação:
“Artigo 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.
Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.”
E termina coma injúria e suas exceções:
“Artigo 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.
Parágrafo 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
Parágrafo 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.
“Artigo 327. As penas cominadas nos artigos. 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.”
A divulgação de pesquisa eleitoral fraudulenta (artigo 33, parágrafos 3º e 4º c/c artigo 35 da Lei das Eleições), ainda é prática comum no período eleitoral e igualmente passível de ressarcimento aos prejudicados, sem prejuízos das multas eleitorais pertinentes.
A divulgação de fatos inverídicos é outra vertente que permeia os ilícitos eleitorais contra a honra:
“Artigo 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inveridicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado:
Pena - detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.
Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão.”
A similaridade entre os textos do Código Penal e o Eleitoral, a exceção das expressões específicas ao direito eleitoral: na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, aponta que os tipos penais atuarão praticamente da mesma forma, mas no caso as infrações cometidas no âmbito eleitoral, deverão guardar relação direta com propagandas eleitorais ou para obter vantagem eleitoral indireta.
Na órbita da reparação, o direito de resposta é uma das garantias igualmente previstas na Carta Maior, conforme artigo 5º, incisoV:
"V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem".
O direito a resposta é o cotejo ao agravo, garantia da pessoa ofendida ao respectivo desagravo pelos meios utilizados pelo primeiro.
No âmbito eleitoral, o diploma legal que rege as eleições, ao se referir à propaganda ilícita no artigo 243, assegurou o direito de resposta "a quem for injuriado, difamado ou caluniado através da imprensa, rádio, televisão, ou alto-falante, aplicando-se, no que couber, os artigos 90 e 96 da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962".
A Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, deixa claro o direito de resposta ao ofendido:
“Artigo 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.”
O direito de resposta foi incluído ao texto legal em 1966, assegurando ao ofendido, conter o abalo a imagem e honra, pelo meio utilizado pelo ofensor ou conforme a necessidade:
Parágrafo 3º É assegurado o direito de resposta a quem fôr, injuriado difamado ou caluniado através da imprensa rádio, televisão, ou alto-falante, aplicando-se, no que couber, os artigos. 90 e 96 da Lei 4117, de 27/08/1962. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
Colaciona-se a jurisprudência abaixo como exemplo de demanda envolvendo o ressarcimento por danos morais a candidato ofendido por panfleto político:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. OFENSAS À HONRA PESSOAL PUBLICADAS EM PANFLETO POLÍTICO. Ofensas à honra pessoal de vereador, publicadas em panfleto político-partidário, geram danos morais. Dano moral é reputado como sendo a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo da normalidade, interfere no comportamento psicológico do indivíduo, causando aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. No momento em que são divulgadas afirmações ofensivas em panfleto de partido político, resta caracterizada a violação à imagem e à honra. Essa violação induvidosamente feriu a intimidade do autor, na medida em que violou seus direitos subjetivos privados. A ofensa alcançou o complexo das relações sociais do demandante, vindo a atingir os chamados direitos da personalidade, especialmente sua integridade moral, componentes de sua esfera íntima, os quais se encontram protegidos pelo artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. Considerando-se as peculiaridades do caso concreto, os parâmetros utilizados na doutrina e na jurisprudência, o montante de 20 salários mínimos nacionais, a título de indenização por danos morais, mostra-se adequado. Deram provimento ao apelo. (TJ/RS – Apelação Cível, 9ª Câmara, Processo nº 70006885933, Relator Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 22/03/2006)
Os membros do partido político agindo em nome da sigla e em defesa dos seus interesses também são partes legítimas para figurarem como réus solidários na ação indenizatória. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul — TJ-RS, em entendimento unânime da 10ª Câmara Cível condenou o Partido dos Trabalhadores — PT, a indenizar em R$ 9.000,00 mil reais um homem caluniado por partidários, que o acusaram de compra de votos mediante entrega de saco de cimentos. (Processo n.º 70014374771)
Com o aprimoramento e desenvolvimento das ferramentas de montagens e personalização de imagens (photoshop), atrelada à rapidez e abrangência das redes sociais (facebook, twitter, blog´s), o que se tem visto em Campinas e no restante do país, é o uso desenfreado e criminoso de imagens dos candidatos em montagens difamatórias, que são objetos de reparação no Poder Judiciário:
USO INDEVIDO DE IMAGEM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Folheto de propaganda eleitoral do réu (então candidato a prefeito de Osasco) contendo fotografia da autora e dizeres a ela atribuídos (e por ela negados) (o que afasta a alegada- Ausência de autorização desta última para tal veiculação - Finalidade institucional) Configuração - Indenização devida Desnecessidade de demonstração dos prejuízos, que residem na própria utilização indevida da imagem - Proteção constitucional do direito à imagem dá ensejo aos pleitos indenizatórios postulados na exordial (artigo 5º, X, da CF/88) Precedentes - Fixação em 20 salários mínimos Montante que não se mostra excessivo e atende à finalidade da indenização, não ensejando, de outra parte, o enriquecimento indevido da autora Sentença mantida Recurso improvido.5ºXCF/88
(389141020088260405 SP 0038914-10.2008.8.26.0405, Relator: Salles Rossi, Data de Julgamento: 29/09/2011, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/09/2011)
Mas isso não se traduz automaticamente em crime na internet, como visto abaixo, dado ser obrigatória a análise do “ambiente de disputa eleitoral” (783254420058070001 DF 0078325-44.2005.807.0001, Relator: VERA ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/05/2010, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 18/05/2010, DJ-e Pág. 63).
No tocante a competência para ao julgamento dessas demandas, se na Justiça Comum ou na Justiça Eleitoral, será necessário perquirir se os fatos inverídicos e/ou a imputação ofensiva ao político ou partido, ocorreram no período eleitoral ou as vésperas dele, bem como se a finalidade das ofensas era ocasionar o desequilíbrio eleitoral. Em caso positivo, a demanda será processada pela Justiça Eleitoral, senão seguirá a regra geral, devendo ser julgada pela Justiça Comum.
Quanto à questão probatória, a divulgação de informações prejudiciais à pessoa pública não implica, automaticamente, prejuízo de natureza política, sendo necessária a comprovação da ocorrência de dano à honra objetiva ou subjetiva da vítima. A jurisprudência selecionada pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral - TSE, traz luz ao tema, senão vejamos: “... 2. O que define a natureza eleitoral desses ilícitos é o fato de a ofensa ser perpetrada na propaganda eleitoral ou visar a fins de propaganda. [...]”(Ac. de 14.12.2010 no HC nº 187635, rel. Min. Aldir Passarinho Junior.)
As pessoas públicas, pela própria natureza da profissão e necessidade de promoção e exposição pessoal são mais suscetíveis a críticas, mas não perdem o direito à honra. O limite para a informação é o da honra da pessoa física ou jurídica afetada. Críticas indiscriminadas e levianas devem ser rechaçadas, ressalvadas aquelas tuteladas pelas exceções e feitas no calor natural das discussões eleitorais. No caso de caracterização da infração ofensiva, o direito de resposta e a recomposição pela condenação por danos morais são instrumentos reparatórios que tem forçado a mudança de postura dos políticos brasileiros, ainda que de forma quase imperceptível. A crescente formação de um eleitorado mais exigente e consciente, que tem privilegiado propostas e currículos dos candidatos em detrimento de ofensas à parte contrária também reflete a mudança de postura dos participantes das campanhas eleitorais.
Guilherme Pessoa Franco de Camargo é advogado do escritório Franco de Camargo & Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 12 de agosto de 2012