Eleições 2012
Críticas a candidatos devem respeitar direito à honra
Com
o avizinhamento das eleições de 2012 para prefeito e vereador, já é
possível notar o surgimento de declarações verbais, documentos e imagens
que caracterizam crimes contra a honra, injúria, difamação e calúnia,
tipos penais previstos tanto no Código Penal quanto na seara eleitoral. A
previsão deles nos códigos mencionados possui a função de tutelar e
proteger a imagem e honra do candidato ou partido político.
A
liberdade de informação prevista no artigo 220 da Constituição Federal
de 1988, combinado com os incisos IV, XII e XIV do artigo 5º do mesmo codex,
dispõe que a manifestação do pensamento, criação, expressão e
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto na própria Constituição.
É
natural que os indivíduos que participam do processo eleitoral possuem
expectativas e ideologias próprias, sendo que no calor do embate
político, envolvem-se em discussões acirradas e fervorosas que
extrapolam um ambiente normal de exposição de idéias, não sendo raro ou
mesmo incomum que ocorram afirmações que atingem o “direito da
personalidade”. E, para os casos extremos, existe a incidência da Lei
Eleitoral para nortear o ambiente das eleições e devolver através da
recomposição pecuniária e do direito de resposta o equilíbrio entre os
conflitantes e o status quo ante.
Mas
existe uma diferença entre liberdade de expressão e direito à
informação, sendo o primeiro um direito assegurado na Constituição, o
segundo um direito coletivo. O “animus injuriandi” é outro fator fundamental na análise dos fatos.
A
razoabilidade e proporcionalidade são outros princípios que devem
imperar no sopesamento para a possibilidade de imputação da infração,
porquanto se nenhum tipo de crítica ou de fato potencialmente ofensivo à
honra pudesse ser divulgado, seria esvaziado a própria garantia de
liberdade de expressão e o desenvolvimento da democracia. Não são poucos
os autores que alertam para o perigo da beatificação dos políticos pela
censura, que usam o Poder Público como mola ou mero joguete de
interesses obscuros. Assim, as críticas sérias e sem excessos de
linguagem, pautada em fundamentos, fatos e fontes sólidas, devem ser
protegidas, até mesmo como garantia basilar do Estado Democrático de
Direito.
A
salvaguarda da honra abrange tanto a reputação do indivíduo perante a
sociedade (aspecto objetivo), quanto sua auto-estima (aspecto
subjetivo).
No Código Penal, encontram-se nos artigos 138 a 140:
“Artigo 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:”
“Artigo 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:”
“Artigo 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:”
A Lei 4737 de 15 de julho de 1965, que instituiu o Código Eleitoral prevê nos artigos 324 a 326 que:
“Artigo 243. Não será tolerada propaganda:
IX - que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.
O
parágrafo primeiro assegura o direito à obtenção da indenização ainda
que não seja promovida a ação criminal, imputando inclusive ao partido
político a responsabilidade solidária, dependendo da relação com os
fatos e/ou com os agentes ofensores:
parágrafo
1º O ofendido por calúnia, difamação ou injúria, sem prejuízo e
independentemente da ação penal competente, poderá demandar, no Juízo
Civil a reparação do dano moral respondendo por êste o ofensor e,
solidariamente, o partido político dêste, quando responsável por ação ou
omissão a quem que favorecido pelo crime, haja de qualquer modo
contribuído para êle.
parágrafo 2º No que couber aplicar-se-ão na reparação do dano moral, referido no parágrafo anterior, os artigos 81 a 88 da Lei 4117, de 27/08/1962. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
O doutrinador Carlos Alberto Bittar, aduz que: "qualificam-se
como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano
valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador,
havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da
personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o
da própria violação da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação
ou da consideração social)" (Reparação civil por danos morais, RT, 1992, p. 41)”.
O Código Eleitoral inicia as reprimendas com a calúnia:
“Artigo
324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de
propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.
Parágrafo 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
Parágrafo 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é admitida:
I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido, não foi condenado por sentença irrecorrível;
II - se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.”
Segue com a difamação:
“Artigo
325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de
propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.
Parágrafo
único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é funcionário
público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.”
E termina coma injúria e suas exceções:
“Artigo 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.
Parágrafo 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
Parágrafo
2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua
natureza ou meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena
- detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa,
além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.
“Artigo 327. As penas cominadas nos artigos. 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.”
A
divulgação de pesquisa eleitoral fraudulenta (artigo 33, parágrafos 3º e
4º c/c artigo 35 da Lei das Eleições), ainda é prática comum no período
eleitoral e igualmente passível de ressarcimento aos prejudicados, sem
prejuízos das multas eleitorais pertinentes.
A divulgação de fatos inverídicos é outra vertente que permeia os ilícitos eleitorais contra a honra:
“Artigo
323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inveridicos, em relação a
partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o
eleitorado:
Pena - detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.
Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão.”
A similaridade entre os textos do Código Penal e o Eleitoral, a exceção das expressões específicas ao direito eleitoral: na
propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, aponta que os
tipos penais atuarão praticamente da mesma forma, mas no caso as
infrações cometidas no âmbito eleitoral, deverão guardar relação direta
com propagandas eleitorais ou para obter vantagem eleitoral indireta.
Na
órbita da reparação, o direito de resposta é uma das garantias
igualmente previstas na Carta Maior, conforme artigo 5º, incisoV:
"V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem".
O
direito a resposta é o cotejo ao agravo, garantia da pessoa ofendida ao
respectivo desagravo pelos meios utilizados pelo primeiro.
No
âmbito eleitoral, o diploma legal que rege as eleições, ao se referir à
propaganda ilícita no artigo 243, assegurou o direito de resposta "a quem for injuriado, difamado ou caluniado através da imprensa, rádio, televisão, ou alto-falante, aplicando-se, no que couber, os artigos 90 e 96 da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962".
A Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, deixa claro o direito de resposta ao ofendido:
“Artigo
58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o
direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda
que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa,
difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por
qualquer veículo de comunicação social.”
O
direito de resposta foi incluído ao texto legal em 1966, assegurando ao
ofendido, conter o abalo a imagem e honra, pelo meio utilizado pelo
ofensor ou conforme a necessidade:
Parágrafo
3º É assegurado o direito de resposta a quem fôr, injuriado difamado ou
caluniado através da imprensa rádio, televisão, ou alto-falante,
aplicando-se, no que couber, os artigos. 90 e 96 da Lei 4117, de 27/08/1962. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
Colaciona-se
a jurisprudência abaixo como exemplo de demanda envolvendo o
ressarcimento por danos morais a candidato ofendido por panfleto
político:
APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. OFENSAS À HONRA
PESSOAL PUBLICADAS EM PANFLETO POLÍTICO. Ofensas à honra pessoal de
vereador, publicadas em panfleto político-partidário, geram danos
morais. Dano moral é reputado como sendo a dor, vexame, sofrimento ou
humilhação que, fugindo da normalidade, interfere no comportamento
psicológico do indivíduo, causando aflições, angústia e desequilíbrio em
seu bem-estar. No momento em que são divulgadas afirmações ofensivas em
panfleto de partido político, resta caracterizada a violação à imagem e
à honra. Essa violação induvidosamente feriu a intimidade do autor, na
medida em que violou seus direitos subjetivos privados. A ofensa
alcançou o complexo das relações sociais do demandante, vindo a atingir
os chamados direitos da personalidade, especialmente sua integridade
moral, componentes de sua esfera íntima, os quais se encontram
protegidos pelo artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal.
Considerando-se as peculiaridades do caso concreto, os parâmetros
utilizados na doutrina e na jurisprudência, o montante de 20 salários
mínimos nacionais, a título de indenização por danos morais, mostra-se
adequado. Deram provimento ao apelo. (TJ/RS – Apelação Cível, 9ª Câmara,
Processo nº 70006885933, Relator Adão Sérgio do Nascimento Cassiano,
julgado em 22/03/2006)
Os
membros do partido político agindo em nome da sigla e em defesa dos
seus interesses também são partes legítimas para figurarem como réus
solidários na ação indenizatória. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul — TJ-RS, em entendimento unânime da 10ª Câmara Cível condenou o
Partido dos Trabalhadores — PT, a indenizar em R$ 9.000,00 mil reais um
homem caluniado por partidários, que o acusaram de compra de votos
mediante entrega de saco de cimentos. (Processo n.º 70014374771)
Com
o aprimoramento e desenvolvimento das ferramentas de montagens e
personalização de imagens (photoshop), atrelada à rapidez e abrangência
das redes sociais (facebook, twitter, blog´s), o que se tem visto em
Campinas e no restante do país, é o uso desenfreado e criminoso de
imagens dos candidatos em montagens difamatórias, que são objetos de
reparação no Poder Judiciário:
USO
INDEVIDO DE IMAGEM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Folheto de propaganda
eleitoral do réu (então candidato a prefeito de Osasco) contendo
fotografia da autora e dizeres a ela atribuídos (e por ela negados) (o
que afasta a alegada- Ausência de autorização desta última para tal
veiculação - Finalidade institucional) Configuração - Indenização devida
Desnecessidade de demonstração dos prejuízos, que residem na própria
utilização indevida da imagem - Proteção constitucional do direito à
imagem dá ensejo aos pleitos indenizatórios postulados na exordial
(artigo 5º, X, da CF/88) Precedentes - Fixação em 20 salários mínimos
Montante que não se mostra excessivo e atende à finalidade da
indenização, não ensejando, de outra parte, o enriquecimento indevido da
autora Sentença mantida Recurso improvido.5ºXCF/88
(389141020088260405
SP 0038914-10.2008.8.26.0405, Relator: Salles Rossi, Data de
Julgamento: 29/09/2011, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 30/09/2011)
Mas isso não se traduz automaticamente em crime na internet, como visto abaixo, dado ser obrigatória a análise do “ambiente de disputa eleitoral”
(783254420058070001 DF 0078325-44.2005.807.0001, Relator: VERA
ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/05/2010, 1ª Turma Cível, Data de
Publicação: 18/05/2010, DJ-e Pág. 63).
No
tocante a competência para ao julgamento dessas demandas, se na Justiça
Comum ou na Justiça Eleitoral, será necessário perquirir se os fatos
inverídicos e/ou a imputação ofensiva ao político ou partido, ocorreram
no período eleitoral ou as vésperas dele, bem como se a finalidade das
ofensas era ocasionar o desequilíbrio eleitoral. Em caso positivo, a
demanda será processada pela Justiça Eleitoral, senão seguirá a regra
geral, devendo ser julgada pela Justiça Comum.
Quanto
à questão probatória, a divulgação de informações prejudiciais à pessoa
pública não implica, automaticamente, prejuízo de natureza política,
sendo necessária a comprovação da ocorrência de dano à honra objetiva ou
subjetiva da vítima. A jurisprudência selecionada pelo próprio Tribunal
Superior Eleitoral - TSE, traz luz ao tema, senão vejamos: “... 2. O
que define a natureza eleitoral desses ilícitos é o fato de a ofensa
ser perpetrada na propaganda eleitoral ou visar a fins de propaganda. [...]”(Ac. de 14.12.2010 no HC nº 187635, rel. Min. Aldir Passarinho Junior.)
As
pessoas públicas, pela própria natureza da profissão e necessidade de
promoção e exposição pessoal são mais suscetíveis a críticas, mas não
perdem o direito à honra. O limite para a informação é o da honra da
pessoa física ou jurídica afetada. Críticas indiscriminadas e levianas
devem ser rechaçadas, ressalvadas aquelas tuteladas pelas exceções e
feitas no calor natural das discussões eleitorais. No caso de
caracterização da infração ofensiva, o direito de resposta e a
recomposição pela condenação por danos morais são instrumentos
reparatórios que tem forçado a mudança de postura dos políticos
brasileiros, ainda que de forma quase imperceptível. A crescente
formação de um eleitorado mais exigente e consciente, que tem
privilegiado propostas e currículos dos candidatos em detrimento de
ofensas à parte contrária também reflete a mudança de postura dos
participantes das campanhas eleitorais.
Guilherme Pessoa Franco de Camargo é advogado do escritório Franco de Camargo & Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 12 de agosto de 2012