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terça-feira, 6 de agosto de 2013

Nhá Chica não era pobre, mas adotou a simplicidade voluntária

O fervor devocional por Nhá Chica faz de Baependi (MG) um porto de turismo religioso similar a uma Casa da Moeda. O dinheiro rola aos montes: de R$ 1 em R$ 1 – preço de um chaveiro com a Nhá Chica preta, canecas, xícaras, camisetas, sacolas, panos de prato, imagens tradicionais da santa, em papel e em gesso pintado, de vários tamanhos e preços.

Estive lá em 27 e 28 de julho passado, com Silvana Nascimento, perguntadeira de nascença, que indagou a mais de uma centena de pessoas sobre a nova imagem. Para devotos, Nhá Chica é preta e acabou-se! Foi instalada a desobediência religiosa. Disse a dona de um restaurante: “A minha Nhá Chica, e não vou trocar, é pretinha, em sua cadeira e com seu guarda-chuva. Diz que o papa mandou fazer daquele jeito, quase branca, de pé, de terço de ouro na mão e vestido florido. Não troco minha Nhá Chica pretinha nem por ordem do papa!”.
Nas missas de domingo, às 9h e às 11h, o santuário da Imaculada Conceição lotou até a escadaria, e o comércio de tudo com a imagem antiga da santa, até na loja do santuário, que não fecha nem nos horários das missas, é vigoroso. A nova imagem, cópia da de Osni Paiva, é rara. Só a vi em um lugar. O comerciante disse que não é vendável (!).
O legado de Nhá Chica é de fé e muito dinheiro. Doou para o patrimônio de Nossa Senhora da Conceição “casas, terrenos e fontes de água”, sob a guarda da paróquia de Santa Maria de Baependi, que, em 1955, designou às freiras da Congregação das Irmãs Franciscanas do Senhor cuidar da herança de fé e material que gera dinheiro para obras sociais. Até para acender vela virtual/ecológica paga-se – uma moedinha no cofre aciona um sensor que acende a vela –, pois as velas de verdade são proibidas! Ah, usar o banheiro é de graça!
Numa retrospectiva da vida de Nhá Chica, ela nunca foi “pobre, pobre, pobre de marré deci”. Optou pela filosofia da vida simples, que não é a penúria imposta pela pobreza. Da chácara, onde vivia com a mãe, tirava o sustento. Após a morte da mãe (1818), recebeu do irmão, Theotônio Pereira do Amaral, o escravo Félix, a quem alforriou, mas morou com ela até morrer, aos 80 anos (1883); com dinheiro próprio e de doações, construiu a igrejinha de Nhá Chica, em homenagem a sua Sinhá, a Imaculada Conceição, iniciada em 1865 e inaugurada em 8.12.1887, sob os acordes de um órgão caríssimo, comprado por ela no Rio de Janeiro, levado de trem até Barra do Piraí (RJ) e de lá até Baependi, num carro de boi, uma viagem que durou três semanas!
Herdeira universal do irmão, falecido em 1861, recebeu uma fortuna e a usou para a caridade e para cumprir designação do testamento dele de doação de 200 mil réis para dourar o altar mor da igreja matriz de Mont Serrat (1862). Nhá Chica ditou um testamento em 1.7.1888. Seu espólio, cujo inventariante foi o monsenhor Marcos Pereira Gomes, vigário de Baependi, foi suficiente para um enterro “nos trinques”, de cujas despesas, no valor de 47 mil réis, consta até uma grinalda de porcelana francesa; e distribuiu para o cônego Custódio de Oliveira Monte Raso, o sacristão Francisco de Paula Mota Júnior e várias irmandades católicas 106 mil réis, totalizando 153 mil réis, em dinheiro vivo (um conto de réis valia oito gramas de ouro), conforme Passarelli (2013).
Nhá Chica praticou a simplicidade voluntária, era solidária com os pobres, material e espiritualmente, e socorria com a sua fé todas as pessoas que a procuravam. Nhá Chica, por seus méritos, é uma santa do povo, sempre-viva e imortal como a flor.
 
Fátima Oliveira