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sábado, 20 de outubro de 2012

A PRAGA DA INCOMPETÊNCIA
 Revista Veja


Egon Zehnder, suíço, especialista em recrutamento, afirma - entrevista de páginas amarelas de A VEJA - que a incompetência é mais danosa do que a corrupção. Prova, matematicamente, que o corrupto surrupia 5% do montante que gerencia, contra o prejuízo de 40% que o incompetente causa à empresa que dirige.

Egon Zehnder, um dos mais famosos "headhunters" do mundo e dono de uma empresa de recrutamento com escritórios em 38 países, entre eles o Brasil. Ele solta uma frase impressionante:

"A falta de qualificação dos funcionários públicos nomeados por padrinhos políticos chega a ser mais danosa do que a corrupção ”


Egon Zehnder - A praga da incompetência


O suíço especialista em recrutamento diz que a falta de qualificação dos funcionários públicos nomeados por padrinhos políticos chega a ser mais danosa do que a corrupção
Escolher o melhor candidato para comandar estatais ou órgãos públicos deveria ser um processo muito mais cuidadoso e rigoroso do que o adotado pelas empresas privadas. Essa é a tese central defendida pelo suíço Egon Zehnder, um dos mais famosos headhunters do mundo. Dono de uma empresa de recrutamento com escritórios em 38 países, inclusive o Brasil, ele participou da seleção e escolha de presidentes de estatais e de instituições públicas da Inglaterra, da Austrália, de Singapura e da Suíça. Aos 82 anos, Zehnder entrevista, todos os dias, pessoalmente, candidatos às vagas de consultor em sua empresa. Defensor apaixonado da meritocracia, ele critica a proliferação de cargos de confiança na administração pública brasileira.
No Brasil, mais de 22 000 cargos do governo federal são de confiança (preenchidos por critérios políticos). Mais de 1 000 só no primeiro escalão. O que o senhor acha desses números? Mesmo considerando o tamanho do país, são números exageradamente altos. Na Suíça, onde moro, não existe um único cargo público que possa ser preenchido por alguém cuja única qualificação seja atender a critérios políticos.
Por que o excesso de cargos de confiança é ruim? Quando se fazem concursos públicos ou se adotam outros métodos objetivos de seleção, a chance de que os critérios utilizados tenham sido justos e adequados é maior. A sociedade precisa ter a garantia de que o escolhido é o mais capaz para desempenhar a função, conhece a área e já passou por várias situações parecidas com as que vai enfrentar no futuro. Exercer um controle rigoroso sobre os processos de recrutamento é algo plenamente possível. Mas é muito difícil ter esse domínio quando se precisa preencher dezenas de milhares de cargos. Se o eleito não tiver as exigências mínimas para a função, certamente a empresa ou instituição enfrentará percalços a curto, médio ou longo prazo. Nenhuma nomeação de diretor de estatal ou de autarquia deve ser 100% política.
Nomeações equivocadas são mais danosas no setor público ou no privado? A escolha errada de um funcionário de alto escalão traz mais consequências indesejadas em instituições governamentais. Elas têm um papel na sociedade que vai muito além dos interesses econômicos dos acionistas. Um erro na nomeação reduz a possibilidade de a empresa estatal ou o órgão público desenvolver seu papel social e limita a capacidade do país para alcançar seus objetivos estratégicos. Também leva a resultados decepcionantes em termos de volume de produção e no desenvolvimento interno de tecnologia. Uma pesquisa publicada na revista da Harvard Business School em 2001 mostrou que, entre os diversos fatores que determinam o desempenho de uma empresa e que podem ser controlados, a seleção dos gestores é a que tem a maior relevância estratégica. A escolha certa do presidente de uma empresa pode ter um impacto positivo de 40% no seu resultado.
Existe alguma relação entre corrupção e incompetência administrativa? É claro que se devem selecionar sempre pessoas com integridade, para impedir fraudes, tanto no setor público quanto no privado. Estima-se que o custo da corrupção represente 5% do faturamento das companhias, um dado aviltante. Estatisticamente, porém, a corrupção é menos nociva do que a escolha de um gestor ineficiente.
Como assim? Basta fazer a conta. Um trabalhador na linha de produção de uma fábrica que tenha todas as qualidades para o seu ofício produz 40% mais do que um funcionário-padrão. Pesquisas acadêmicas também têm mostrado que, quanto mais complexa é a tarefa, maior a diferença de produtividade entre os funcionários. Um bom vendedor de seguros consegue comercializar 240% mais do que um colega mediano. Para funções que exigem mais qualificação, como programador de computador ou gerente de contas em uma empresa de serviços, o aumento de produtividade pode ser da ordem de 1000% ou mais. Uma companhia que possui um quadro de pessoal sem brilho produzirá, portanto, uma fração de uma concorrente cheia de talentos. Ao se compararem esses números com os 5% de perdas provocadas por corrupção, fica claro o que é mais relevante. É absolutamente necessário combater a corrupção, mas também se deve evitar o escândalo oculto das nomeações de funcionários incompetentes, cujos efeitos chegam a ser piores do que os desvios éticos. Nesse sentido, o grande número de apadrinhados políticos no Brasil é um escândalo em si.
Em que países a seleção dos altos funcionários estatais é feita de forma mais profissional? Em alguns países, as nomeações são feitas puramente por motivos políticos. Raramente, ou nunca, isso leva a bons resultados. Em outros, o processo é tão regulado e engessado que se torna difícil atrair bons candidatos. De modo geral, quanto mais o conceito de meritocracia está enraizado em uma sociedade, menos provável é que a população aceite pessoas ineptas para ocupar funções executivas. Meritocracia é um valor que anda de mãos dadas com os níveis de ensino. Uma sociedade bem-educada entende mais claramente as consequências desastrosas das nomeações erradas. Um ministro sem credibilidade em seu campo de atuação ou sem habilidade para montar uma boa equipe pode paralisar os serviços públicos sob sua responsabilidade. Uma população bem-educada não toleraria isso. Em pouco tempo os cidadãos perceberiam o que há por trás dos resultados decepcionantes, e futuras nomeações que não levassem em conta a meritocracia não seriam mais aceitas. Em países com baixo nível educacional, os erros de nomeação são a regra.
Esse é o caso do Brasil? O Brasil já melhorou bastante. No setor de telecomunicações, até os anos 1990, os dirigentes das empresas eram todos escolhidos pela conveniência política e pela influência nos governantes. Em geral, eram deputados e senadores. A meritocracia não estava no jogo. Esse é um setor particularmente crítico, porque as decisões precisam ser rápidas e baseadas em tecnologias que se renovam rapidamente. Uma única decisão errada pode ser catastrófica para a empresa. Nesse período, antes da privatização, eu conheci o presidente de uma estatal brasileira que tinha todas as credenciais necessárias para o trabalho, mas que não conseguiu nomear um único membro do seu conselho de diretores com base em critérios objetivos. Todas as indicações que ele foi obrigado a fazer eram políticas. Como resultado, a empresa era ineficiente. Não havia linhas telefônicas suficientes para a população e o custo dos serviços era proibitivo. As privatizações mudaram essa realidade.
As estatais brasileiras hoje sabem contratar seus presidentes e diretores? O cenário atual é bastante heterogêneo. Algumas empresas conseguem fazer boas escolhas. Um exemplo é a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), que tem capital aberto e é controlada pelo governo do estado. Mesmo com as leis restritivas que governam as companhias estatais, como a que impede os recrutadores de comparar os candidatos internos com os melhores do mercado, a Cemig tem feito um bom trabalho. Nossos consultores no Brasil, contudo, têm escutado muitos empresários de grandes companhias privadas queixando-se dos diretores das agências reguladoras. Algumas dessas nomeações foram tão equivocadas que o setor como um todo foi prejudicado. Faltam aos chefes das agências reguladoras brasileiras os conhecimentos básicos para poder dialogar com diretores de companhias privadas. Com isso, muitos investimentos acabam sendo adiados. Setores inteiros da economia passaram a ter um desenvolvimento aquém do seu potencial.
A legislação trabalhista brasileira dificulta muito as demissões. No setor público isso é praticamente impossível. Qual é a consequência disso para o desempenho das companhias? O consultor americano Jim Collins enumerou vários fatores que levam uma organização a obter sucesso. Colocar um grande líder no topo do organograma é apenas um deles. Também conta a capacidade de demitir os piores funcionários e manter os melhores. De preferência, nas posições certas. Uma companhia sem liberdade de dispensar as pessoas que não atendem às expectativas obviamente terá de operar de forma precária. Nessas situações, a qualidade dos produtos e dos serviços quase sempre é ruim. Um contexto em que é quase impossível demitir os funcionários não faz sentido no sistema capitalista. Nos países em que foram adotadas medidas para facilitar os processos de demissão, as empresas privadas e públicas ganharam competitividade. Foi o que ocorreu quando Silvio Berlusconi assumiu o governo da Itália na década de 90, após anos de administração socialista. Os lucros das empresas cresceram e elas puderam competir melhor no exterior. Na Inglaterra, o Partido Conservador, de David Cameron, substituiu o Partido Trabalhista no poder, há dois anos. Como essa mudança ocorreu recentemente, é cedo para analisar seus efeitos. Em geral, eles aparecem depois de quatro anos de reformas, mas acredito que serão positivos.
Para enfrentar uma profunda crise financeira, países como a Grécia e a Itália escolheram tecnocratas para conduzir o governo. Foram boas escolhas? Enquanto nos ministérios, nas estatais e nas fundações é preciso sempre ter um especialista na liderança, quem deve estar na chefia do governo são os políticos. As situações de crise extrema são uma exceção. Nesses casos, um tecnocrata, ou seja, um economista ou um administrador qualificado para a gestão pública, pode tomar uma série de decisões polêmicas e urgentes que seriam extremamente difíceis para os políticos tradicionais. Governar um país inteiro por muito tempo sem uma base de apoio política, contudo, é inviável. Pelas leis da democracia, o chefe de governo precisa ter uma base política ampla. Essa sustentação vem dos partidos políticos, dos sindicatos, das prefeituras e, acima de tudo, dos cidadãos. São eles que devem orientar as políticas públicas. A longo prazo, os tecnocratas devem ocupar apenas cargos de nível ministerial para baixo.
Nos países onde a presença do estado na economia é maior, há mais dificuldade para escolher as pessoas certas nas estatais e no governo? Não necessariamente. Singapura tem uma economia muito controlada. Apesar disso, os diretores das estatais são cuidadosamente selecionados e estão sempre muito bem alinhados com as necessidades do negócio. O país tem um grande número de empresas públicas. Singapura tem um governo muito integrado ao mercado, e ao mesmo tempo é extremamente controlador. Trata-se de uma situação diferente da dos Brics (Brasil, Rússia, índia e China), que, em geral, são céticos em relação ao mercado e tampouco querem entregar o comando das empresas ao setor privado.
Como foi que Singapura, uma cidade-estado com 5 milhões de pessoas, conseguiu formar alguns dos melhores executivos do mundo? Os fundadores de Singapura decidiram que, por serem pobres em recursos naturais e terem um mercado interno restrito, a única saída econômica era investir no talento humano. Então, enviaram os estudantes mais promissores às melhores universidades no exterior e por fim os contrataram para trabalhar dentro do governo. Depois de décadas de decisões acertadas no setor público, Singapura se tornou uma das nações mais competitivas do planeta. Esse processo disciplinado de formar, selecionar, e reter os melhores talentos na administração pública levou a uma transformação incrível. Singapura comprovou que a meritocracia no governo tem ótimos resultados. Esse caminho não foi o escolhido, por exemplo, pela Jamaica. Os dois países deixaram de ser colônia inglesa ao mesmo tempo, no início dos anos 1960. Eram duas nações situadas em ilhas subtropicais, igualmente pobres e com populações equivalentes. O que é a Jamaica hoje? Um país irrelevante.

Autor: Duda Teixeira
Revista Veja - 15/10/2012