Matéria extraída do Jornal GAZETA DE NOTÍCIAS ( RJ )
Textos compilados pelo: PEPE
EXCURSÃO PELO SUL DE MINAS
Maximino Serzedello.
Primeira-Parte: GAZETA DE NOTICIAS - Domingo 1 de Junho de 1884
Locomotiva Séc XIX - imagam meramente ilustrativa |
Caxambu, 15 de Maio de 1884.
Bem diz o refrão que a necessidade é a mãe de todas as virtudes. E, na
verdade, só mesmo quem estiver a morrer do fígado é capaz de arriscar-se a uma
viagem da Corte até Caxambu.
Os que manuseiam os roteiros de viagem que por aí correm impressos,
pensam talvez que um passeio até estas paragens deve ser uma coisa agradável,
deliciosa, esplendida: ver montanhas enormes, serras intermináveis, rios
imensos e caudalosos, uma vegetação luxuriante e opulenta, um paraíso
finalmente ! Pois enganam-se os que se fiam nos roteiros e nas informações dos
viajantes que nunca saíram da Rua do Ouvidor e quando muito, foram á Tijuca ou ao Jardim Botânico,
comodamente recostados nos bancos dos bondes.
Nada do que se diz por aí é exato. Os caminhos são verdadeiros
precipícios, o diabo, uns impossíveis.
O enfermo que toma o trem na estação do campo de Sant’Anna, com
destino ás da Boa Vista ou Cruzeiro, até a qualquer delas vai bem; mas dali por
diante, pai da minh’alma, que horror, que suplicio !
Não quero com estas linhas espantar os aquáticos que tem de vir a Caxambu, curar-se das enfermidades de
que estão atacados: senão descreveria ipsis verbis a excelentíssima viagem que
fiz, que fazem e farão todos os aquáticos,
como aqui chamam aos visitantes de Caxambu: mas como a coisa é boa, devem todos
ter o seu quinhão.
De maneira que da noite para o dia muda-se a raça e a espécie a um
cidadão e passa-se a ser anfíbio, pato, etc., sem mais aquela se sem ao menos
consultar-se a vontade do agraciado, que tem de conformar-se com o apelido.
Eu já não sou um homem; sou um jacaré, um ganso, um pato qualquer, bem
contra a minha vontade, mas sou. Aqui nem sequer há autoridades a quem a gente
se possa queixar.
Caxambu apenas tem uns oito ou dez aquáticos;
os outros bateram a linda plumagem e só voltarão lá para agosto ou setembro,
que é o tempo da influencia dos quem vem curar-se e dos que vem por vicio,
sendo este em maior número.
Mas, como ia dizendo, Caxambu está situado em uma grande vargem,
atravessada pelo córrego Bengo, um dos afluentes do rio Baependi, que corta a
povoação, passando por junto das fontes das águas virtuosas.
Rodeada por colinas esplendidas e morros bastantes altos, entre os quais
eleva-se o imponente e majestoso morro de Caxambu, está a povoação d’este nome.
O morro de Caxambu, cuja altura é estimada em mais de 200 metros, oferece um
panorama deslumbrante aos olhos dos que conseguem subir até ao seu cimo, o que
se faz com alguma dificuldade, visto ser ele pouco acessível.
O clima é dos melhores, em todas as estações do ano: sempre fresca a
temperatura, uma primavera eterna: o céu, sempre límpido, e, à noite, iluminado
pelas constelações que brilham no firmamento de safira que cobre este torrão
abençoado e desprezado pelos poderes públicos.
O Caxambu dista da cidade do Rio de Janeiro 54 léguas, de Ouro Preto
44, da estação da Boa Vista, na estrada de ferro, D. Pedro II 15 e outras
tantas da do Cruzeiro, da cidade da Campanha 11, da do Pouso Alto 5, da
Conceição do Rio Verde 4, da Soledade, na estrada de ferro Minas and Rio 3, e
de Baependi, de onde é freguesia civil ¾ de légua. A altura, acima do nível do
mar, da povoação do Caxambu está calculada exatamente em 900 metros.
Pelas suas excelentes aguas minerais, pelo seu clima e pela uberdade
do seu solo, está sem dúvida esta freguesia talhada a ser, dentro em poucos
anos, uma importante vila, tendo, entretanto, os elementos e requisitos
indispensáveis para uma boa cidade do interior.
Parece incrível, mas quem vier a Caxambu, poderá dar testemunho do
grande atraso em que acha esta infeliz povoação. Desde muito tempo, luta a
população para ver se consegue dos poderes provinciais ou gerais alguns
melhoramentos de imprescindível necessidade, e de quanto carece.
Mas tudo em vão; e se alguma coisa há feito, é devido aos visitantes e
a alguns moradores influentes do lugar.
Vamos tentar chamar ao cumprimento dos seus deveres os manda-chuvas da província, ou os mandarins d’este celeste império do pode ser que sim, pode ser que não.
A povoação do Caxambu tem um aspecto agradável, e muito a embelezam os
morros que a rodeiam. Antes da sua importância, houve aqui um tremedal medonho
que foi pouco a pouco aterrado, de forma a tornar-se habitável, o que até então
não era.
Tratando-se de saber alguma coisa a respeito da descoberta do lugar em
que se acham as fontes de águas minerais, foi-me impossível encontrar, não
havendo mesmo nas pessoas antigas uma só que me pudesse dar informações exatas.
Cada um conta a história a seu modo ou como pode.
A hoje povoação de Caxambu pertenceu ao fazendeiro sargento-mor
Antonio de Castro; data de 1814 a descoberta das fontes de aguas minerais por
dois campeiros, que em busca de animais fugidos da fazenda de D. Luiza
Francisca Sampaio, internaram-se pela mata até a um grande brejo por onde era
impossível seguir. Parando na fralda do hoje morro de Caxambu, viram que ali
havia uma pequena poça cuja agua, na opinião deles fervia. Tinham alguma sede,
e, ou por curiosidade, ou para mitiga-la, provaram da agua e reconheceram ser
horrível o seu sabor.
Logo que chegaram á fazenda referiram o fato que eles vinham de
presenciar a D. Luiza Sampaio que, tendo em sua casa hospedado um naturalista
estrangeiro, comunicou-lhe o ocorrido, pedindo-lhe que fosse ver a tal água.
O naturalista que segundo afirmam, era o Dr. Carlos Martius, fez-se
transportar ao lugar, e, depois de um minucioso exame, declarou ser férrea
aquela agua, e um poderosíssimo remédio contra a opilação e outras enfermidades
do fígado e estomago.
A propósito do naturalista que primeiro examinou a agua em questão
correm muitas versões; uns querem que tenha sido o sábio naturalista Dr. Lund,
há pouco falecido, outros o viajante Saint-Hilaire. Qualquer que tenha sido, o
que é certo, é que os afirmam ter sido o Dr. Martius, são em maior número.
Segunda-Parte: GAZETA DE NOTICIAS - Sexta-Feira 13 de Junho de 1884
Caxambu, maio de 1884
Quem não conhece Caxambu, e ouve, como eu e outros que aqui nunca
vieram, falar dele, julgam-no uma importante cidade ou uma vila, cuja
prosperidade assombra. Pois enganam-se; não é nem uma nem outra coisa, e isto
por culpa dos governos geral e provincial, que nenhum caso fazem de um lugar
que, como este, dá ao Império e á província súbita importância, pelas suas mais
que excelentes águas minerais.
O governo geral, a quem pertence aquela aprazível localidade, deve
olhar para ela, de forma a não desaparecer, de todo, aquele recurso aos que
necessitam dele para alívio dos seus padecimentos. Em completo estado de
abandono estaria toda aquela preciosidade, se muitos dos que ali tem ido
encontrar saúde, em gratidão, não lhe fizessem qualquer beneficio.
Os negociantes e moradores abastados do lugar cansarão um dia de
gastar dinheiro com a limpeza, pintura e conservação das fontes, e os
visitantes também, e a utilíssima região do Caxambu desaparecerá forçosamente,
o que será uma vergonha para os governo geral e provincial, que nada tem feito
que seja digno de nota, a não serem os impostos e posturas municipais, que a
ninguém perdoam.
A viagem que é preciso fazer para chegar até ás águas, é penosíssima e
cheia de dificuldades, pelos ruins caminhos existentes entre Boa-Vista e o
Caxambu.
Com a inauguração do tráfego da Estrada de Ferro Rio And Minas será
mais fácil a viagem até o lugar denominado Soledade, no quilometro 89 daquela
estrada. Deste lugar até Caxambu há três léguas mineiras bem puxadas, que se
tornam maiores pelos terríveis e medonhos caminhos, quase todos de subida e
descida de morro, estando a estrada intransitável. Esta viagem é preciso
fazer-se á cavalo ou de liteira, visto não poder ser feita em troles, ou de
outra forma.
A assembleia provincial de Minas foi apresentado e aprovado um projeto
do Sr. Deputado comendador José Pedro Américo de Mattos, concedendo mil contos
de réis á empresa da Estrada de Ferro Rio and Minas, para fazer um ramal da
Soledade até Caxambu.
Diversas explorações foram feitas, e aí se ficou, porque a companhia
inglesa quer mil e duzentos contos para começar a obra; e como ninguém se mexeu
até agora a coisa ficará no mesmo.
É ocasião de perguntar ao governo por que não entra com o restante, no
que prestará um beneficio enorme ao lugar dando-lhe impulso, que é o que lhe
falta, e oferecendo mais comodidades aos que tem imprescindível necessidade de
ali ir anualmente.
Desta forma, a viagem se faria em um dia, comodamente, e muito mais
barata do que atualmente pela Boa Vista, em cuja viagem se gasta três e mais
dias, por montes e vales e por um preço, tanto de ida como de volta, quase
igual ao que se paga a bordo de um paquete para a Europa.
Já que o governo geral nenhuma importância liga á importante povoação
de Caxambu, para a qual tem sido mais um elemento de destruição do que outra
coisa, entregue-a á administração da província, que, com certeza, por meio dos
seus representantes na assembleia, sempre fará qualquer coisa, ao menos em
beneficio das fontes.
Relativamente a estas, há um privilégio concedido a um médico de uma
cidade próxima para melhoramento das fontes, construção de um estabelecimento
balneário, etc., etc. Até agora nem um passo foi dado ainda pelo concessionário
para levar a efeito a empresa.
Este estado de coisas não deve continuar, atenta a concorrência de
doentes que de todas as partes e todos os anos afluem aquelas águas, á procura
de alivio a seus sofrimentos.
Com a abertura do tráfego da Rio and Minas, essa frequência tem
forçosamente de atingir a um algarismo elevado, visto a grande facilidade de
comunicações.
Contrista ver o estado de abandono daquela localidade. Ao visitante
que ali chega, causa uma impressão desagradável de ver a bela e extensa praça,
onde se acham as fontes, servindo de pasto a centenas de animais de toda a
espécie que estragam as poucas ruas que servem de passeio e exercício aos
doentes em uso das águas.
A câmara municipal de Baependi, segundo me informam, é de uma
negligência deplorável a tudo que diz
respeito aos progressos daquela povoação. Os habitantes do Caxambu já pediram,
em uma representação dirigida á câmara, providencias para cortar o abuso de criarem-se
animais em praças e ruas públicas.
Até agora esperam solução, e esperarão, porque só a terão lá para as
calendas gregas, como é costume nesta abençoada terra do café e das verdades do
orçamento.
Terceira-Parte: GAZETA DE NOTICIAS - Terça-Feira 15 de Julho de 1884
Caxambu, maio de 1884
Isto aqui no Caxambu é a terra dos abusos e do pouco caso por tudo quanto
diz respeito á higiene e conservação do lugar, em um estado, quando não
próspero, ao menos decente.
Além do que me disse na carta precedente, e dos abusos que apontei, há
um outro que também está na alçada da câmara municipal, suprimir de uma vez para
sempre: é a matança do gado para consumo, dentro da povoação e á vista de toda
gente. Note-se, aqui não se conhece o que seja um matadouro, nem como se abate
uma res em pouco tempo, sem fazer sofrer muito o pobre animal.
O processo seguido e que eu presencio todos os dias, é este: amarra-se
a res a um poste ou a uma árvore, em qualquer rua, praça ou quintal, e depois
de abatida é esquartejada, e, conduzidos os quartos ás costas de homens, para
qualquer casinha sem ar e sem luz, a que chamam açougue, e aí vendida.
O sangue e os restos, não aproveitados, da res morta lá ficam no
lugar, expostos ao sol e ás chuvas, ou atirados dentro de uma pequena vala,
como tivemos ocasião de observar, exalando um mau cheiro insuportável, tornando
quase impossível em certas horas, o transito pelas ruas onde aprouve ao
açougueiro abater a sua res.
E dizer-se que todos os dias, por ali passam vereadores que nada vêm e
nada sentem.
O que há ainda a admirar-se em tudo isto, mais do que a indiferença da
câmara municipal, é não haver ainda se desenvolvido na povoação alguma
epidemia.
O atual presidente da câmara municipal é homem, segundo me informam,
de vistas largas e versado em administração municipal, deputado provincial pelo
Turvo e um distinto advogado daquele foro: cheio de força de vontade e de
iniciativa, já podia ter proposto algumas posturas no sentido de reprimir
aquele e outros abusos que aqui se praticam e muito depõem contra a
municipalidade, em cuja alçada está a povoação do Caxambu.
As ruas de Caxambu estão mal conservadas, não tendo nem calçamento nem
lajedo.
Não há digno de nota a não serem as fontes e o clima, que não pode ser
mais saudável, nem acredito que o haja melhor em toda a província.
A povoação de Caxambu, logo que anoitece, fica mergulhada em trevas;
não há uma luz, apesar de se encontrar de espaço em espaço os postes com
lampiões para a iluminação a querosene; a povoação só tem luz quando o
majestoso astro da noite, atirando para o lado o seu manto de nuvens, vem
felicitar os caxambuenses, com os seus raios benéficos e brilhantes.
Fora disso, andam todos as cabeçadas e aos tombos pelos buracos e
sulcos abertos nas ruas pelas chuvas e pelas rodas dos carros rinchadores da
roça, única música que se ouve, durante o dia, de instante a instante.
O Sr. Comendador José Pedro Américo de Mattos, digno presidente da
municipalidade, aparece de vez em quando na povoação para ver o seu estado, e
diz nada poder fazer a câmara municipal de Baependi, em beneficio de Caxambu,
por não haver dinheiro nos cofres municipais, e ser o seu orçamento
insignificante e de nenhuma renda.
Atualmente está a municipalidade, por iniciativa do seu presidente,
mandando reparar uma ponte, sobre o córrego Bengo, e que dá passagem para a
estrada que vai a Baependi.
Depois deste conserto, que com certeza durará muitos anos, nada mais
se fará em Caxambu, apesar das grandes promessas para o seu beneficiamento.
Falei na carta precedente em um privilégio, a respeito das fontes, e
agora tenho mais algumas informações á cerca do mesmo.
O concessionário é o Sr. Veiga, da cidade de Campanha que o vendeu ao
Sr. Lavadera, por 48:000$, sendo 10:000$ á vista e o resto em letras.
A concessão caducou no fim do mês de abril, e já há muitos
pretendentes á nova concessão. Com certeza ela será dada a quem mais padrinhos tiverem,
e o felizardo fará como os outros, vendê-la-á.
Isto, sobre ser um procedimento pouco digno de imitação, é um
escândalo, que se torna maior pela circunstância de fazerem-se estas concessões
a quem nem tem capitais, nem forças para organizar companhia, levantando os
dinheiros necessários á gigantesca obra projetada nos contratos por todos que
querem a fatia.
Não há hoje quem arrisque capitais em empresas, cujos resultados sejam
duvidosos, como o é o das aguas, pelas obras de encher o olho, que os Srs.
Negociantes de privilégios prometem executar.
Por que a assembleia provincial e administração da província não tomam
a si o encargo de executar aquelas obras tão reclamadas ? Talvez lucrassem mais
com isso, do que com o presente que faz constantemente de privilégios para
negócios aos seus afilhados e apaniguados.
Caxambu tem uma população superior a 300 pessoas, com cerca de 150
casas, sendo 19 do comércio de gêneros da terra e molhados, três casas de
fazendas, ferragens, armarinho, louça, molhados, medicamentos e preparados
estrangeiros, gêneros do pais e outros objetos; uma farmácia, dois hotéis, um
do Sr. João Carlos Vieira Ferraz e outro do Sr. Constâncio Ferreira.
Na próxima carta tratarei ainda de Caxambu e da decadente cidade de
Baependi, cujo estado lastimoso contrista.
Quarta-Parte: GAZETA DE NOTICIAS - Domingo 20 de Julho de 1884
Em Caxambu há dois médicos, o Dr. Enout e o Dr. Polycarpo Viotti,
ambos formados em 1872 pela faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
Houve um tempo, no terreno em que se acham as fontes, uma casa
destinada para banhos, o que hoje tem aplicação diversa, pelo estado em que se
acha, sendo antes uma armadilha que uma casa em ruínas.
Aquela arapuca conserva-se ainda ali para atestar o quanto os governos
geral e provincial fazem caso de Caxambu.
Os vereadores sabem do estado em que se acha a arapuca, mas passam por
ela como as raposas quando vêm a uva verde.
Tudo o mais está n’este belo gosto;
e dizer-se que anualmente concorrem a Caxambu de duas a três mil
pessoas, que mas ou menos dão interesse ao lugar, e nada se faz em benefício de
uma localidade tão procurada e de tão grande futuro ?! Se o governo lhe desse
um arzinho de sua graça, ou uma insignificante migalha do que esbanja por conta
do tesouro para proteger afilhados e vendedores de privilégios, talvez isto
prosperasse.
O governo a única coisa que fez ao Caxambu, foi mandar uma comissão de
médicos em 1873, examinar e classificar as fontes, e isto porque o então
ministro do império Sr. Conselheiro João Alfredo tinha de vir fazer uso das
aguas e não queria enganos.
A comissão examinou e classificou as fontes que muito bem quis, e
deixou outras, cuja aplicação não é conhecida, porque ninguém faz uso das suas
aguas: diz-se que são sulfurosas e férreas, mas ninguém se atreve a ir bebê-las.
Compreende-se perfeitamente o plano: era um novo exame, e nova maquia.
As fontes estão dentro de pequenos e elegantes chalets, feitos á custa
dos visitantes e moradores do lugar, que, além de concorrerem para a construção
das casinhas que os guardam ainda mandam-nas pintar e limpar anualmente,
conservando-as sempre asseadas os empregados do Hotel João Carlos.
O córrego Bengo e valetas para o escoamento das aguas pluviais e as
que só escapam das fontes, são também tratados e mandados desobstruir pelos
moradores e aquáticos, e o governo nem sabe d’isso.
A povoação de Caxambu não tem nem igreja, nem cemitério. Já tem sido
oferecida por alguns aquáticos a quantia necessária para compra do terreno e
edificação de cemitério; mas a câmara municipal não que fazer a obra nem
aceitar o dinheiro, porque aquele melhoramento se opõe o vigário de Baependi.
Os que morrem em Caxambu são enterrados em Baependi, distante da
povoação três quartos de légua, sendo a condução feita á mão, durante o dia e
com sol, o que, sobre ser inconveniente, é uma maçada de todos os diabos, pela
caminhada por uma estrada de subidas e descidas.
O horror aqui pela varíola é tal, que o infeliz atacado d’ela morre á
mingua, e o seu corpo fica abandonado, como já tem sucedido, chegando os urubus
a devorar o cadáver.
O vigário de Baependi, segundo me contaram aqui, não consente o
enterramento dos variolosos no cemitério d’aquela cidade, com medo que o mal se
propague, provavelmente aos que já lá estão descansando das fadigas do mundo.
Realmente é duro, depois de morrer, ainda apanhar bexigas !
Não há um padre na povoação; quem quer ouvir missa, ou tem necessidade
de algum sacramento da igreja, ou vai a Baependi, ou fica sem ele. No entanto,
existe uma capelinha sob a invocação de Nossa Senhora dos Remédios, que está
fechada, porque não tem utilidade alguma.
No Banco do Brasil há quantia superiora 50:000$ para a construção de
uma igreja, produto de subscrições, mas os mandões
de Baependi não querem que se faça a igreja, no que estão no seu direito, a
terra é deles; mas o dinheiro não sai do banco senão para o que lá está a
render juros.
Imaginem os leitores que terra e que administração. Sem vida e sem
auxílio de parte alguma vai a rica região do Caxambu, como a de todo o
sul-mineiro, caminhando ao Deus dará; os políticos só se lembram que existe
esta parte da província, quando há eleições, como ultimamente.
Depois das eleições, o que apanhar a aposentadoria perpetua, o que
segurar o seu fogão na Sibéria da rua do Areal, mandará á fava os importunos
que lhe pedirem proteção para esta região esquecida e falha de recursos.
As mulheres em Caxambu fazem tudo; os homens, a não serem os caipiras,
ou os empregados dos estabelecimentos, pouco ou quase nada fazem.
Empregam-se as mulheres nos serviços domésticos e no fabrico de
cigarros, de doces de pêssego e marmelo, que são excelentes, e no licor de
pêssego, que é preparado de um modo especial e agradável ao paladar. Este licor
foi premiado em duas exposições, na nacional de 1875, e na dos Estados Unidos
de 1876.
Os principais produtos que se vendem e se cultivam, são os cereais,
fumo, cana de açúcar e café. É pequena a criação de gado, e esta mesma e para
consumo. Fazem-se alguns queijos e rapaduras, não sendo para exportar, atenta a
carestia da condução.
A alimentação é boa e pouco variada, pela falta absoluta de viveres;
carne de vaca, porco, carneiro, frangos, arroz, feijão, ovos e ervas e outros
legumes, eis o pão nosso de todos os dias.
Os aquáticos vingam-se em andar desde pela manhã até á noite, de copo
em punho e pão comprido, do aposento para as fontes e destas para as casas de negócio
próximas, onde com facilidade se relacionam.
Os divertimentos consistem em jogos de cartas e bilhar.
Em Caxambu joga-se o lansquenet, despropositadamente, havendo inúmeros
exemplos de aquáticos, que vem ricos e saem depenados, e na maior pindaíba.
Eis o Caxambu tal que é e será, enquanto o governo fizer por ele o que
até aqui tem feito.
Na próxima carta falaremos de Baependi, tão bom ou pior ainda que a
povoação de Caxambu.
Quinta-Parte: GAZETA DE
NOTICIAS – Segunda-Feira 29 de Setembro de 1884
A cidade de Baependi, distante da povoação de Caxambu ¾ de légua, é
uma das mais antigas do sul da província de Minas e conta mais de 150 anos.
Por alvará régio de 2 de agosto de 1752 foi a povoação de Baependi
elevada a freguesia; por outro de 19 de Julho de 1804 a vila; e pela lei
provincial de 2 de Maio de 1856 instalou-se como cidade.
A comarca compõe-se de Baependi com quatro freguesias: a de Santa
Maria ( cidade ), São Sebastião da Encruzilhada, São Tomé das Letras e Nossa
Senhora da Conceição do Rio Verde. Caxambu também é freguesia do município, tem
foros civis, e ainda não foi canonicamente estabelecida.
A comarca eclesiástica tem sua sede em Baependi, onde reside o vigário
foraneo, o Reverendo e ilustrado padre Marcos Pereira Gomes Nogueira, e
compreende a comarca do mesmo nome e as da Cristina e Pouso Alto.
Pelo recenseamento feito em 1873, que, como o de 1871, foi a bico de
pena e por cálculos, era a população de cerca de 23.000 almas, das quais 16.000
pertencentes ás freguesias da cidade e de São Sebastião ( cujo território
pertencia então á primeira ) e as restantes 7.000 almas ás freguesias de São
Tomé, de Conceição e Caxambu.
Hoje estas freguesias devem estar com a sua população
consideravelmente aumentada.
A cidade de Baependi, vista de certa distancia, tem uma linda
perspectiva. Edificada na encosta de uma montanha, um pouco íngreme, quem a vê
de longe julga-a uma maravilha: assemelha-se a uma cidade pertencente a algum
cantão suíço: tal é o aspecto que apresenta a quem avista de longe. Apenas se
entra pela primeira rua, começa-se a desvanecer a ilusão em que está o
viajante, que pensa ir encontrar ali
coisas assombrosas e até fantásticas.
A igreja matriz, rodeada de muitas casas, destaca-se, fazendo um belo
efeito, com a sua construção de tijolos vermelhos, que parecem divididos pelos
cordões brancos de cal que os unem e seguram. Um sem número de casas se estendem á direita e á esquerda, por diante e
por traz da igreja como para iludir ainda mais a visita do turista, que á
proporção que se a próxima daquela pequena Golconda,
vai deixando pelo caminho as ilusões e a esperança de poder contar coisas
feéricas da cidade de Baependi.
Ruas e praças em ladeiras pouco acessíveis pelo calçamento de pedra,
que muito dificulta o transito, principalmente a quem entra , que sobe sempre,
o que, além de maçante, cansa extraordinariamente.
Um individuo calçado com umas botas novas, quer queira quer não, tem
de plantar figueira, quer suba quer
desça. Algumas ruas são estreitas e tortuosas, com em geral tudo quanto fizeram
os nossos primeiros povoadores e donos, que foi torto e mal feito, a não serem
as explorações do ouro e pedras preciosas, que eles fizeram com uma limpeza sem
igual.
Baependi, como todos os outros lugares e cidades da província, também
tem a sua história.
A ganancia do ouro, que tanto animou os primeiros povoadores e
exploradores, em parte muito concorreu para o atraso da civilização a esta
porção de território brasileiro, ubérrimo, mas que quase nada produz,
atendendo-se a que só de alguns anos a esta parte é que ela começou a ter
impulso.
É fato corrente que em 1692, sob o reinado de D. Pedro II de Portugal,
três indivíduos residentes em Taubaté, São Paulo, empreenderam uma excursão
pelo sertão com o fim de apreender gentios, escravizando-os sob o pretexto de
que os chamavam ao grêmio da civilização, e entranharam-se pela província de
Minas.
Estes indivíduos eram Antonio Delgado da Veiga, João da Veiga e Manuel
Garcia.
Dos indígenas ouviram, que entre esta e a província do Rio de Janeiro
havia uma grande serra, onde abundavam ouro e outros metais e pedras preciosas.
Nada mais esperando, empreenderam os três aventureiros a viagem para a
tal serra além da Mantiqueira, servindo-se do gentio já domesticado, para guia
do caminho e interpretes da língua que eles totalmente desconheciam.
Na fralda da serra, encontraram um aldeamento de índios, pelo qual
passaram e foram pernoitar no alto de um morro a que deram o nome de Pouso
Alto, lugar que ainda hoje o conserva, tendo sido edificada ali a cidade que
também é cabeça de uma comarca, no município daquele nome.
Continuando a viagem pela margem do rio Verde encontraram um outro
menor tributário daquele, em cuja margem havia uma indígena, a quem foi
dirigida, por um dos interpretes a seguinte pergunta: - Bae pendy ? – que em
língua indígena significa – que gente é a
tua ?
Os aventureiros deram então ao rio o nome de Baependi, por acharem
lindo o vocábulo indígena. Como mais tarde se começasse a edificar perto do rio
a cidade, tomou ela também aquele nome, bem como o município, que é grande e de
crescente importância, como veremos.
Eis, pois, a origem do nome que hoje designa uma das mais pobres
cidades da província de Minas Gerais, esquecida dos homens políticos, que só se
lembrem que ela existe, quando precisam de votos para guindar-se as altas
posições no país.
Em nada tem progredido esta cidade e o seu município, cujo território,
quase todo montanhoso, é de espantosa fertilidade, como o atestam as suas
matas, onde abundam as melhores madeiras para construção.
Possui, além disto, riqueza minerais como em nenhum outro ponto da província,
o município de Baependi, cujo clima também é o melhor em todo o sul mineiro,
dá-lhe por si só elementos poderosos de prosperidade e grandeza, caso quisessem
os seus habitantes entregar-se á lavoura e á cultura do trigo, do café, do
fumo, da uva e outros produtos que importamos, e que ali podiam dar em grande
escala até para a exportação.
Nada pode explicar o retardamento do acesso deste município de moderna
criação, em geral montanhoso e de tanta opulência.
Diz-se que depois da revolução de 1842 ficou para sempre paralisado o
progresso nesta região abençoada.
Mas o mundo não é como os homens; a estes, paralisados os seus membros
de ação, é natural que eles se tornem imprestáveis; mas um município nas
condições do que tratamos, não tem razão para retrogradar ou estacionar, a
menos que os seus habitantes não queiram, como até aqui, esperar que lhes cai o
maná do céu.
Hoje nada se faz sem trabalho, e ás vezes com bastantes sacrifícios;
não esperem pois os baependianos pelo senhor dos exércitos, porque vara de
Moisés só houve uma, e essa mesma, segundo a tradição bíblica, perdeu-se no Mar
Vermelho, quando os Israelitas o atravessaram.
Não esperem pelos governos, que tudo prometem e nada fazem, e menos
ainda pelos representantes do município no parlamento, porque eles já nem sabem
a que freguesia pertencem.
O corpo humano, como o social, precisa de exercício, de movimento,
para poder criar forças, porque sem elas não se vive: deixem os brasileiros e
especialmente o povo sul-mineiro a indolência, porque a prosperidade e a
riqueza dentro em poucos anos responderão a interrogação que por mais de uma vez
se tem ouvido – porque não progridem os municípios do sul de Minas ?